Luto na advocacia

Paulo Sergio Leite Fernandes homenageia Ophir Cavalcante

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9 de janeiro de 2014, 17h45

Os sobreviventes, dizendo-se tais aqueles avançados na idade, têm, segundo dizem, dose maior de sabedoria, isto enquanto não atacados por duas figuras sinistras: Alzheimer ou Parkinson. A segunda é melhor, porque o endurecimento dos neurônios deixa a criatura com uma espécie de “Dança de São Guido”, mas o paciente continua lúcido. Alzheimer é pior, pois leva o ser humano, às vezes, a fazer bobagem pelas ruas. Há, evidentemente, boas formas de envelhecer, reservadas a alguns privilegiados. Sempre pensei na grande bruxa como uma mulher até sedutora, desde que chegando de repente, por exemplo, no entremeio de uma sustentação oral na Suprema Corte, enraivecido o orador, quem sabe, com uma atitude menos elegante do hoje Presidente Joaquim Barbosa. É heróico, bonito, louvável e dá bom resultado na mídia. Se o morto for importante há de merecer, talvez, um busto à entrada do primeiro Tribunal do Júri de São Paulo, valendo dizer que depois a OAB precisará lutar muito para que não o tirem de lá por falta de espaço. É assim que funciona. Morrem diariamente dezenas e dezenas de advogados, contribuindo o Ministério da Educação para a pletora de caixões. De repente houve, por parte da Instituição referida, uma espécie de convênio com as casas funerárias.

O texto tem, no fundo, um ressaibo grande de sofrimento, embora parecendo irônico. Na verdade, conheci o ex-presidente do Conselho Federal da Ordem Ophir Filgueiras Cavalcante, ao tempo em que participava daquele colegiado, dentro ou fora, pouco importa, a partir de certa época os laços são fortes a ponto de não se desfazerem. Lembro-me bem dele, física e intelectualmente. Era paraense, como o filho. Ocupou funções importantes naquele Estado, chegando à presidência da seccional da OAB. De lá a ser guindado bastonário do Conselho Federal houve caminho natural, acidentado por certo, em razão da competição sempre existente entre o Norte e o Sul do país. Ophir Filgueiras Cavalcante desenvolveu esforços políticos relevantes para a fixação da hegemonia nortista.

Independentemente de atribuições sociais distintas, o Presidente Ophir (o pai) esteve sempre junto à família. Lá perto, também, Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior aguardava o tempo e a vez. Adiante, no triênio 2010/2013, tomou assento na mesma cadeira antes atribuída ao patriarca, num fenômeno não tão original assim, pois há exemplos análogos, tanto na política de classe quanto nos cargos reservados à competição em outras esferas (os dois Bush, os Kennedy, Sarney e alguns outros, a título de exemplo). Uns, os moços, aprendem com os velhos. Dizem, aliás, que a vocação e o talento exibem alguns aspectos genéticos. De qualquer forma, Ophir Filgueiras Cavalcante, sem ser meu amigo, tinha meu respeito pleno e uma diferenciada admiração, tudo ligado aos esforços feitos por ele para a redemocratização do país. Convém lembrar, a respeito, que não houve um só presidente do Conselho Federal da Ordem a se afastar da luta pela plenitude democrática da nação.

Foi-se o pai. Resta, muito machucada, a família cuja perenização é responsabilidade de Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior. Basta lembrar, quanto ao sofrimento, os tempos gregos nos idos 1300 a.C. Nós todos usamos, muitas vezes sem o saber, termos ligados àquela época. Falamos em “nossos lares”. Cuidava-se, lá atrás, de deuses domésticos. Os pósteros, em determinadas datas, acendiam piras nos quintais, promontórios ou cercanias das casas, honrando os idos. Cada qual, à sua maneira, hoje em dia, faz o mesmo, nas igrejas, mesquitas ou templos de Umbanda. Lá no Pará, natividade do falecido Ophir, os conterrâneos hão de demonstrar publicamente o pesar. Do nosso lado seguem muitos e muitos abraços apertados. O meu não vale mais, mas é dos antigos e, portanto, muito sofrido. Os fados são esquisitos nos seus quereres. Uns vão antes. A gente fica por um tempo. Vira-se uma espécie de carpideiro dos ausentes. O choro fica difícil, porque represado na continuidade. Chega uma hora em que os amigos partem quase todo dia. Há quem vasculhe, nas manhãs, os obituários dos jornais. No fim de tudo, a humanidade chora seus mortos desde o tempo das pinturas rupestres. Foi assim, é assim e há de ser sempre assim, modificando-se apenas o ritual. Dizem, tocante ao assunto, que homem não chora. É mentira. Eventualmente, espera o fim das exéquias e, sossegado, deixa a emoção vazar no mundo. Assim seja.

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