Processo Novo

Concretizar novo CPC impõe mudanças em nossas práticas

Autor

  • José Miguel Garcia Medina

    é doutor e mestre em Direito professor titular na Universidade Paranaense e professor associado na UEM ex-visiting scholar na Columbia Law School em Nova York ex-integrante da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015 advogado árbitro e diretor do núcleo de atuação estratégica nos tribunais superiores do escritório Medina Guimarães Advogados.

6 de janeiro de 2014, 14h56

Spacca
Por ter participado da comissão que elaborou o anteprojeto do novo Código de Processo Civil, praticamente tudo o que escrevo ou falo a respeito é visto com reservas: se elogio, é porque estou enaltecendo algo de que participei; se critico, é porque alguma de minhas sugestões não foi aceita. Mas são ossos do ofício. Ainda que de maneira contida, não é possível deixar de falar sobre tema. Acredito que é no processo que se revelam não apenas questões do direito substantivo, mas também as deficiências do Estado, as mazelas da sociedade e a miséria humana.

Difícil saber se, em 2014, a Câmara dos Deputados finalmente votará o projeto de novo CPC e o devolverá, com as muitas emendas que fez, ao Senado Federal. Uma de minhas “resoluções” para o Ano Novo foi a seguinte: não aguardar mais a lamentável lentidão com que o Congresso Nacional lida com esse projeto. Espero ser surpreendido com alguma boa notícia a respeito. Confesso que será mesmo uma surpresa, para mim, se o projeto for aprovado logo, neste semestre, ou neste ano… Aguardemos!

O projeto de novo CPC, de todo modo, já rendeu muitos frutos interessantes. Tenho lido cada vez mais obras e artigos doutrinários que refletem sobre as características do processo civil moderno que vieram a ser incorporadas no projeto. Gradativamente, os ideais contidos no projeto começam a fazer parte do discurso jurídico e, com o tempo — espero —, o discurso deve se converter em prática.

O processo novo, contudo, é um processo profundo e integral. Há muito ainda que se dizer e explorar em torno desses conceitos. Falemos um pouco, a respeito.

Durante muito tempo, a atuação jurisdicional foi considerada pelos teóricos como o centro do processo, como se o processo servisse à jurisdição estatal. Paradoxalmente, esse discurso gerou um efeito curioso: o Estado vê-se a si mesmo como algo que está acima do processo, ou mesmo fora dele. Ver os resultados apenas como “números” é uma das consequências desse ponto de vista. Mas não é assim que deve ser. O Estado não existe para servir a si mesmo, assim como o processo não existe para servir ao Estado. A prestação jurisdicional deve passar a ser vista também como serviço público prestado pelo Estado ao cidadão. Evidentemente, isso não expurga todas as teorias que foram concebidas para explicar a jurisdição, mas exige que, ao se pensar na prestação jurisdicional, considere-se sobretudo aquele a que o Estado deve servir. No processo velho, estudamos o processo como algo servil ao Estado. Assim considerado, o processo é superficial. No processo novo, o Estado é um dos elementos — importantíssimo, evidentemente —, mas não o principal ou único foco. O levar a sério os fins do processo impõe uma consideração profunda que tenha em vista os outros elementos que o compõem.

Não deixam de ser animadoras, nesse contexto, notícias como a recentemente publicada em vários jornais, que informam que o novo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Renato Nalini, pretende “descentralizar” o tribunal, criando unidades de segunda instância no interior do estado, facilitando o acesso das partes ao tribunal. Esse é um problema que não aflige apenas a Justiça paulista. Como já mencionei em outro texto, na Justiça Federal e em muitos outros estados as sedes dos tribunais encontram-se muito distantes da comarca ou subseção judiciária, o que torna dispendioso o deslocamento do advogado da parte para acompanhamento da causa. Evidentemente, quem mais sofre com esse estado de coisas é o litigante que tem poucas condições de arcar com tais despesas.

Aqui, toca-se na ideia de que, além de profundo, o processo novo deve ser integral. Isso compreende o que tenho chamado de jurisprudência integral ou íntegra, mas vai além. A ideia de que a Justiça deve ser acessível a todos é amplamente compreendida, embora nem sempre realizada concretamente. A demora na implementação das Defensorias Públicas em vários cantos do país é exemplo disso. Mas, além de acessível a todos, é necessário que a todos seja dado acesso a toda a Justiça. Nesse contexto, a criação de obstáculos injustificáveis ao acesso aos tribunais — a odiosa prática da “jurisprudência defensiva” — revela que ainda temos muito o que caminhar, nesse sentido.

Os problemas da jurisdição estatal acabam impelindo as partes a outros meios de solução de conflitos. Não deveria ser assim. A opção pela conciliação ou pela mediação, ou, ainda, pela arbitragem, deveria ser vista como alternativa posta à disposição do cidadão, que poderiam escolher um desses caminhos por vê-lo como mais adequado à solução do problema, e não para fugir das mazelas do processo judicial.

O processo novo tem tudo a ver com os princípios consagrados no projeto do novo CPC, mas a eles não se limita. Tornar concreto tudo o que envolve a ideia de processo novo exige, sobretudo, que alteremos nossa praxis. Que consigamos dar passos nesse sentido é o que desejo, para este ano de 2014.

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