Retrospectiva 2013

Ano colocou grandes desafios na pauta do Direito Eletrônico

Autor

  • Rosely Cruz

    é advogada vice-presidente jurídica para América Latina no Buscapé Company professora da Universidade Buscapé Company sócia do neolaw. e fundadora do Instituto Brasileiro de Administração Judicial (Ibajud).

4 de janeiro de 2014, 8h23

Spacca
O ano de 2013 foi de suma relevância para o ecossistema da internet. Quanto ao segmento de e-commerce, vale chamar atenção para o Direito do Arrependimento e a Lei de Entrega, conforme decreto sancionado pela presidente Dilma Rousseff em março. Tais decisões e transformações levaram os players a se adaptarem e a refletirem quanto à eficácia e às consequências desse novo cenário para os negócios.

No que tange a internet de modo geral, também caminhamos para a regulamentação do setor por meio do novo Marco Civil à luz da espionagem norte-americana que ameaça a privacidade de todos nós, brasileiros. Quanto ao monopólio digital, merece destaque a investigação formal aberta pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra o Google frente às práticas discriminatórias que ferem a concorrência e, principalmente, os consumidores.

E-commerce: Direito do Arrependimento e Lei de Entrega
A presidente Dilma assinou no dia 15 de março de 2013 um decreto que atribui novas exigências à lei que regulamenta a prática do e-commerce. O objetivo é oferecer maior segurança na compra virtual, atender os direitos dos consumidores e tornar acessíveis informações importantes do fornecedor. As empresas que não cumprirem as regras estarão sujeitas a multa, apreensão dos produtos ou em casos extremos intervenção administrativa. Esta ordem está valendo desde o dia 14 de maio.

Direito de Arrependimento
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor o cliente tem o direito de devolução do produto em até sete dias úteis após a compra, no caso do e-commerce após a data de entrega. Esta pode ser considerada a principal exigência, pois as lojas virtuais costumavam cobrar o frete da devolução. Porém, com o decreto, o arrependimento não poderá gerar prejuízos para o comprador.

Os sites agora também estão obrigados a informar, “de forma clara e ostensiva”, os meios para que o consumidor possa exercer o seu direito de arrependimento. O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, “sem prejuízo de outros meios”.

O arrependimento implica a rescisão dos contratos, sem qualquer ônus para o consumidor. A desistência deverá ser comunicada imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito, para que a transação não seja lançada na fatura do consumidor — ou seja, feito o estorno do valor. O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento. Vejam todas as implicações para os lojistas e a forma incongruente de parte deste regramento, conforme as reflexões a seguir.

Em seu artigo 5º, parágrafo 2º, o decreto estabelece que "o exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor". Ora, como seria isto na prática da economia digital? Desfazer um download? Devolver um e-book talvez já lido ou um filme já visto? Claramente, nesse caso, as atribuições peculiares das empresas inseridas na economia digital não foram levadas em consideração pelo Decreto. Tudo isso sem falar de casos mais complexos, como o de produtos intangíveis, como softwares adquiridos on-line e cuja licença de uso definitiva se dê mediante o simples download do software. Como poderia o consumidor se arrepender, nesses casos?

De fato, o direito de arrependimento já era previsto pelo artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, permitindo a desistência da compra no prazo de até sete dias "sempre que a contratação de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou em domicílio". E, embora na época do então presidente Fernando Collor de Mello, quando o Código foi promulgado, não existisse ainda o comércio eletrônico varejista tal como se vê amplamente nos dias de hoje, obviamente que o citado dispositivo veio a se aplicar também às transações realizadas na internet.

Porém, tanto a doutrina quanto a jurisprudência já vinham esclarecendo a sociedade brasileira sobre os limites da norma, que não deve ser tomada de maneira absoluta para toda e qualquer situação. Criou-se o entendimento de que este dispositivo da lei só se aplicaria quando o cliente não tivesse condições de certificar-se quanto às especificidades do bem que está adquirindo.

Assim, o Decreto que visa regulamentar a economia digital, hoje em franca expansão, sem considerar as situações próprias de empresas desse segmento, sem dúvida está equivocado ao banalizar o direito de arrependimento pela falta de justificativa. A questão, aliás, não é nova no mundo. A Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, datada de 20 de maio de 1997, trata da proteção dos consumidores em contratos não presenciais. Seu artigo 6°, item 1, prevê o seguinte: “Em qualquer contrato à distância, o consumidor disporá de um prazo de pelo menos sete dias úteis para rescindir o contrato sem pagamento de indenização e sem indicação do motivo. As únicas despesas eventualmente a seu cargo decorrentes do exercício do seu direito de rescisão serão as despesas diretas da devolução do bem”. Tal artigo traz duas dimensões interessantes, uma contida no seu próprio texto e outra tratada abaixo, mencionada no item 3 do mesmo artigo:

“Salvo acordo em contrário entre as partes, o consumidor não pode exercer o direito de rescisão previsto no nº 1 nos contratos:
— de prestação de serviços cuja execução tenha tido início, com o acordo do consumidor, antes do termo do prazo de sete dias úteis previsto no nº 1;
— de fornecimento de bens ou de prestação de serviços cujo preço dependa de flutuações de taxas do mercado financeiro que o fornecedor não possa controlar;
— de fornecimento de bens confeccionados de acordo com especificações do consumidor ou manifestamente personalizados ou que, pela sua natureza, não possam ser reenviados ou sejam suscetíveis de se deteriorarem ou perecerem rapidamente;
— de fornecimento de gravações áudio e vídeo, de discos e de programas informáticos a que o consumidor tenha retirado o selo;
— de fornecimento de jornais e revistas;
— de serviços de apostas e loterias”

Em complemento, o próprio artigo 3º menciona a lista de exclusões ao direito de arrependimento:

“Artigo 3º – Exclusões
1. A presente diretiva não se aplica a contratos:
— relativos a serviços financeiros, cuja lista não exaustiva consta do anexo II,
— celebrados através de distribuidores automáticos ou de estabelecimentos comerciais automatizados,
— celebrados com operadores de telecomunicações pela utilização de cabines telefônicas públicas,
— celebrados para a construção e venda de bens imóveis ou relativos a outros direitos respeitantes a bens imóveis, exceto o arrendamento,
— celebrados em leilões”

A realidade brasileira não se distingue em nada daquela estudada e aplicada na Europa desde 1997 e é indispensável que a fixação das premissas do Direito de Arrependimento no Brasil esteja também limitada pelas suas exceções expressamente determinadas. Obviamente, há produtos e serviços que não são passíveis de arrependimento, pela sua própria natureza.

Importante pontuar que ao se considerar o exercício do Direito de Arrependimento em comércio eletrônico, este precisa ser devidamente interpretado a partir do amplo conhecimento que o consumidor médio tem ao seu alcance a respeito de qualquer produto ou serviço. No mesmo sentido, o direito de arrependimento para o comércio eletrônico deve ser aplicado exclusivamente para as situações em que a falta estrita do elemento físico de cognição tenha sido determinante para o exercício ou não da compra.

A preocupação nesse ponto é legítima e talvez a regulamentação que ora se discute seja essencial para direcionar o assunto: o direito de arrependimento não é o direito de quem “usou e não gostou”, é o direito de quem, caso tivesse acesso direto e físico ao bem/serviço adquirido via comércio eletrônico, não teria realizado a compra.

O direito de arrependimento não é o direito ao socorro daquele que se desgosta com o resultado após o uso, mas sim ao que, antes do uso, desiste da compra ou serviço a ser prestado. Nesse sentido, deve-se considerar que os produtos que serão devolvidos em exercício do direito de arrependimento são novos e que poderão, sob pena de prejuízo dos fornecedores, ser recolocados no mercado.

Lei de Entrega para o Estado de São Paulo
A mais recente Lei 14.951/13, (Projeto de Lei 682/12, da deputada Vanessa Damo – PMDB/SP) apenas tenta cumprir uma Lei de 2009. A lei em questão prevê que as empresas tenham o seguinte procedimento: na hora da compra, o consumidor deve receber um documento informando data, turno e identificação do estabelecimento, da qual conste a razão social, o nome de fantasia, o número de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda (CNPJ/MF), endereço e número do telefone para contato.

Existem empresas que estão tendo uma interpretação errada da Lei, achando que podem ter duas frentes de entrega, sendo uma agendada e outra não. Infelizmente, não é assim. A empresa só pode ter opções de entrega com agendamento ou formas melhores que esta.

Marco Civil da Internet
Apesar do novo relatório, a votação do Marco Civil da internet deverá ocorrer no próximo ano. O Marco Civil da internet é uma espécie de Constituição para a rede de computadores, que estabelece normas gerais de utilização, como direitos dos usuários e deveres de provedores, por exemplo. Como tramita em regime de urgência, a matéria está "trancando" a pauta de votações da Câmara desde outubro. Mesmo assim, devido à falta de acordo, a previsão de líderes dos partidos é que a matéria só seja analisada no plenário no ano que vem.

O deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do projeto de lei que cria o Marco Civil da Internet, divulgou uma nova versão do relatório. Apesar das pressões, o parlamentar fez poucas mudanças no texto, sem retirar pontos polêmicos como os princípios de privacidade, liberdade de expressão e a chamada “neutralidade da rede” ou network neutrality.

O relator decidiu incluir que a disciplina da internet segue “a liberdade dos modelos de negócios” desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos na lei. O trecho surge para desmontar o argumento falacioso, segundo o relator, de que o Marco Civil proibiria a venda de velocidades diferentes de acesso à internet.

O novo texto mantém trecho que estabelece que o Poder Executivo poderá editar decreto que determine a obrigatoriedade de que empresas de internet instalem datacenters no Brasil para o armazenamento de dados dos internautas. O armazenamento de dados no Brasil é um pedido do governo federal após as denúncias de espionagem por parte dos Estados Unidos. Ponto significativo para empresas estrangeiras operarem no Brasil e, muitas outras que operam cloud computing.

A nova redação também prevê que pessoas prejudicadas por conteúdos publicados na internet devem recorrer ao judiciário. Dependendo do abuso, será possível que esses órgãos da Justiça concedam liminar para retirar os conteúdos da rede até uma decisão final. E em casos de imagens de nudez ou sexo divulgadas sem a autorização de uma das partes envolvidas, por exemplo, o conteúdo poderá ser retirado imediatamente.

Em relação aos casos de nudez e sexo, o novo relatório prevê que os provedores devem retirar o material quando receberem notificação específica da vítima. Molon diz que incluiu o tema para dar uma resposta sobre os casos recentes de jovens que chegaram a cometer suicídio após a divulgação de vídeos íntimos. O texto prevê que, caso não realizem a retirada dos conteúdos, os provedores passam a responder conjuntamente por eventual crime praticado.

O texto manteve a obrigação de as empresas provedoras guardarem informações de logs por seis meses, para investigações sobre crimes cibernéticos ou atividades criminosas que tenham relação com conteúdos da rede. A obrigatoriedade depende de ordem judicial e não se aplica a situações mantidas por blogueiros ou outras pessoas que mantêm páginas na internet sem fins mercadológicos.

Invasão de privacidade e crimes virtuais
Segundo relatório Norton Report, da Symantec, cerca de 22 milhões de brasileiros foram vítimas de crimes virtuais nos últimos 12 meses. Com o aumento de internautas e a falta de proteção, criminosos direcionam ataques para dispositivos móveis; o custo do golpe por vítima cresceu 50%.

— 60% dos brasileiros internautas adultos entrevistados já foram vítimas de cibercrime;
— 45% dos adultos brasileiros já foram expostos a ataques virtuais e tiveram comportamento de risco nos últimos 12 meses;
— 33% dos brasileiros não se desconectam dos perfis de redes sociais após o uso e 31% se conecta com pessoas desconhecidas.

O Brasil está em quarto lugar no ranking de países que mais produzem ataques virtuais, incluindo vírus, golpes em redes sociais e ataques de phishing. Atualmente, o país é responsável por 4,1% dos ataques virtuais realizados no mundo. Os Estados Unidos lideram o ranking com 21,1% do total, seguido pela China, com 9,2% e da Índia, com 6,2% do total.

Casos de roubos de dados:

— Em junho de 2013, a NSA, Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos foi acusada de espionar registros telefônicos, conversas de vídeo, fotos, e-mails e arquivos de usuários da internet. Este é o maior caso de invasão de privacidade dos últimos anos nos Estados Unidos. A população norte-americana demonstra insatisfação com o caso. Grupos de liberdades civis e empresas de Internet já enviaram uma série de cartas abertas pedindo o fim do PRISM e a manutenção de leis que garantam a privacidade e liberdade de expressão da população no ambiente digital.

— Em abril de 2011, jogadores do mundo todo quase tiveram um ataque de nervos ao saber que a PlayStation Network estava fora do ar. A operação foi motivada pelo processo que a Sony moveu contra o jovem George Hotz (Geohot), responsável pelo desbloqueio do Playstation 3. Na ocasião, 77 milhões de pessoas ficaram sem acesso ao serviço da empresa. Além disso, os dados de mais de 24 milhões de contas foram roubados, contendo informações valiosas e que não estavam protegidas por criptografia, como números de cartões de crédito, senhas e histórico de compras. O prejuízo para a Sony foi de US$ 24 bilhões.

— Em 2006, a AOL liberou um arquivo com informações das pesquisas respondidas por mais de 650 mil usuários do seu sistema de busca. A divulgação desses dados foi intencional e realizada com o nobre propósito de servir como base de dados para fins diversos, como estudos acadêmicos.

— A TJX Companies é um grupo varejista que está por trás de 2 mil lojas de marcas, como TJ Maxx e Marshalls. Mas todo esse tamanho não foi o suficiente para livrar a companhia de um dos maiores vazamentos de dados de todos os tempos: em dezembro de 2006, informações de 94 milhões de clientes foram parar nas mãos de desconhecidos. Entre as vítimas estavam, inclusive, contas internacionais, contendo dados como números de cartões de crédito e de débito.

Cade: investigações contra o Google
Em outubro, o Cade instaurou três Processos Administrativos contra o Google, a partir de pleitos apresentados por Buscapé Company e Microsoft. Tratou-se de uma decisão relevante para a jurisprudência brasileira que demonstrou, inclusive, sinergia com o cenário internacional.

— Processo Administrativo nº 08012.010483/2011-94: em virtude de representação feita pelo site brasileiro Buscapé, o Google Buscas terá que se defender sobre estar inadequadamente privilegiando, nos resultados da busca orgânica, os seus próprios sites temáticos, como o Google Shopping, em detrimento de sites concorrentes. Dentre outros abusos, o processo investiga, ainda, se o Google Buscas diminui o espaço da busca orgânica em relação à patrocinada e se adota mecanismos para confundir o usuário na identificação dos resultados de busca orgânica e patrocinada, com potenciais efeitos anticompetitivos. Outra conduta investigada nesse processo relaciona-se ao fato do Google Buscas, de forma potencialmente discriminatória, permitiria a veiculação de anúncios com foto – de forma mais atraente de exposição – pelo Google Shopping, mas não por sites temáticos concorrentes. O Google terá que responder sobre a recusa de venda de espaço para anúncio com foto à concorrência, e, posteriormente, exigido o fornecimento de dados concorrencialmente sensíveis do concorrente para permitir o anúncio;

— Processo Administrativo nº 08700.009082/2013-03 também originário de representação feita pelo Buscapé Google é investigado por prática denominada “scraping”. Prática de “raspagem”, pelo Google, de conteúdo concorrencialmente relevante de sites temáticos rivais para uso em seus buscadores temáticos;

— Processo Administrativo nº 08700.005694/2013-19: apura supostas restrições anticompetitivas do contrato de prestação de serviços da plataforma de publicidade online do Google, conhecida como Google AdWords. Por meio dessa plataforma, os anunciantes que compram espaços publicitários na página do Google gerenciam suas campanhas publicitárias, definindo, por exemplo, as palavras-chaves às quais querem associar seus anúncios, de modo que apareçam nos resultados de buscas por determinadas expressões, tais como “televisão” ou “celular”. Também é por meio dessa plataforma que são selecionados os anunciantes que aparecem no espaço limitado de links patrocinados do Google, disputa essa que ocorre por mecanismo de leilão, segundo critérios como valor do lance e qualidade do anúncio. De acordo com a Microsoft, Google teria imposto restrições que dificultam que os anunciantes gerenciem suas campanhas publicitárias, simultaneamente, no Google e em outros buscadores concorrentes – tipo de interoperabilidade denominada, em inglês, multihoming. Segundo as alegações trazidas ao Cade, o multihoming facilita e diminui os custos de montar e gerenciar campanhas nas diferentes plataformas de busca, e possibilita comparar o desempenho de cada plataforma. Ainda segundo a denúncia, ao impor restrições de compartilhamento de informações nas plataformas de anúncios, o Google acabaria por desestimular os anunciantes a também veicularem campanhas em buscadores rivais, prejudicando o desenvolvimento desses concorrentes, já com reduzida fatia do mercado. 

Vale ressaltar a posição do Cade, de acordo com nota divulgada à imprensa: “as condutas investigadas, caso comprovadas, podem dificultar a entrada e o desenvolvimento de concorrentes no mercado brasileiro de buscas online, além de incrementar o já elevado poder de mercado do Google nesse segmento — próximo a 99% segundo algumas análises. Desse modo, resultariam em obstáculos a inovações, menos opções de empresas, produtos e serviços aos usuários e, eventualmente, impactos nos preços de produtos e serviços ofertados aos consumidores on-line”.

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    é advogada, vice-presidente jurídica para América Latina no Buscapé Company, professora da Universidade Buscapé Company, sócia do neolaw. e fundadora do Instituto Brasileiro de Administração Judicial (Ibajud).

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