Agulhas no palheiro

Suprema Corte dos EUA aceita só 1% dos processos recebidos

Autor

3 de janeiro de 2014, 14h25

Desde meados da década de 80 que os ministros da Suprema Corte dos EUA não sabem o que é sobrecarga de trabalho. O problema atual da corte é o inverso: a falta de casos. Mais exatamente, faltam dez casos para preencher a pauta de audiências de fevereiro e março, de acordo com o site SCOTUSblog, que faz as estatísticas da Suprema Corte.

Normalmente, os ministros da corte dedicam duas semanas por mês às audiências, com uma pauta total de 12 casos para o período. As duas semanas restantes são dedicadas à produção de decisões e triagem de casos que chegam à corte – um trabalho que, em grande medida, é feito pelos assessores dos ministros.

As audiências servem para as partes, obviamente advogados e procuradores, defenderem seus casos. Porém, mais que isso, servem para os ministros interrogarem as partes, para ajudá-los a entender o caso e formar uma opinião – e para as criticar as partes, quando a causa não é razoavelmente justificada. Essa é, aliás, a parte do trabalho que os ministros mais apreciam. Como definiu a ministra Sonia Soutomayor, é o momento em que os ministros representam o “advogado do diabo”, sempre se colocando em uma posição contrária à da parte da vez.

A cada ano judiciário – de outubro a junho nos EUA – são protocolados cerca de 7.500 processos na Suprema Corte, para os quais os ministros garantem certiorari (ou writ of certiorari – uma ordem de remissão de autos) a cerca de 75 casos – isto é, a apenas 1% dos pedidos que chegam à corte.

No último ano, foram protocolados 7.509 processos. Os ministros deferiram certiorari a apenas 78. Para o advogado Stephen Shapiro, que escreve sobre a Suprema Corte, o maior volume de trabalho do tribunal “é o de encontrar agulhas no palheiro”.

Para se ter uma ideia, o Supremo Tribunal Federal, no Brasil, registrou 72.067 processos protocolados em 2013 — sendo 44.170 distribuídos ao longo do ano. O volume de produção dos ministros brasileiros também é alto: foram 78.411 julgamentos no ano passado e 13.156 acórdãos publicados. 

A Suprema Corte dos EUA lidou com sobrecarga de trabalho, como tantos outros tribunais superiores do mundo, até meados da década de 80. Nessa época, o Congresso americano aprovou uma lei que concedeu aos ministros o poder discricionário de deferir ou indeferir certiorari aos processos protocolados na corte – em oposição à aceitação obrigatória que valia até então. No Brasil, para reduzir o número de casos que chegam ao Supremo, a repercussão geral — que guarda semelhanças com o certiorari — só foi instituída com a Reforma do Judiciário, em 2004.

Esse poder discricionário, que permite a juízes fazer a triagem dos processos que serão examinados ou não, se estende a todos os tribunais de recursos do país. Isso traz vantagens e desvantagens para o sistema. Uma vantagem é que o tribunal pode concentrar seus recursos limitados no desenvolvimento de um corpo coerente de jurisprudência. Uma desvantagem é que reduz a habilidade dos litigantes de buscar revisão de decisões de tribunais inferiores que consideram incorretas.

Bom ou ruim, a prática desencoraja as partes a explorar, por exemplo, erros técnicos em cada grau do sistema judicial. Ao contrário, força as partes a buscarem com maior empenho a decisão certa em primeiro grau, em vez de contar com a ideia de que qualquer decisão desfavorável poderá ser remediada em segundo grau. Na opinião dos juízes, isso aumenta a eficiência geral do sistema judicial.

O trabalho da Suprema Corte dos EUA também é substancialmente aliviado pela atuação dos tribunais de recursos e Supremas Cortes estaduais. Para diversos tipos de causa, relacionados com a Justiça estadual, a Suprema Corte de um estado pode ser a última instância.

O indeferimento de certiorari pelos ministros da Suprema Corte dos EUA é anunciado, na maioria das vezes, sem qualquer explicação. Com raras exceções. No ano passado, entre os milhares de casos que foram rejeitados, nove apenas vieram acompanhados de justificativas, de acordo com o National Law Journal.

O trabalho de ler todas as petições e recomendar o deferimento ou indeferimento de certiorari é feito pelos assessores dos ministros, obedecendo a uma distribuição de processos. Normalmente, os assessores de um ministro propõem uma decisão, o ministro a apresenta aos demais ministros. E todos acompanham essa decisão. O ministro Samuel Alito é o único que faz seus assessores lerem todas as petições e toma sua própria decisão.

O frequente indeferimento de certiorari é largamente criticado pela comunidade jurídica, que acusa a Suprema Corte de se excusar do exame de questões realmente importantes para a população e para o país. Em alguns casos, os próprios ministros criticam, isoladamente, a decisão da maioria, por esse mesmo motivo. Críticas foram feitas no ano passado pelos ministros Samuel Alito, Anthonin Scalia e Sonia Sotomaior.

Em novembro de 2013, a ministra Sonia Sotomayor protestou contra a decisão dos demais ministros da corte de indeferir o pedido de certiorari, sem maiores explicações, de um processo que iria examinar a prática, por juízes do estado de Alabama, de converter em pena de morte veredictos do júri que recomendavam a prisão perpétua. A ministra escreveu que essa aberração persiste na Justiça do estado por fins eleitoreiros: sentenças de pena de morte rendem votos nas regiões mais conservadoras.

O ex-ministro William Rehnquist dizia que a Suprema Corte decidia que casos valiam um certiorari mais por um intuição do que por julgamentos sustentáveis juridicamente. Porém, os ministros da Suprema Corte têm vários critérios para decidir se aceitam ou não um caso. E também fazem uma queixa: o Legislativo produz muito pouco e, portanto, não há muitas leis para serem interpretadas. 

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!