A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente atribuíram à família, ao Estado e à sociedade o dever de assegurar a efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Ante essa multiplicidade de sujeitos envolvidos na defesa desses direitos, discorra sobre a atuação do Ministério Público na defesa de interesse individual indisponível de uma única criança ou adolescente (Prova discursiva do concurso público para provimento de vagas e formação de cadastro de reserva no cargo de promotor de Justiça do estado do Espírito Santo).
Não é pacífica a orientação do Supremo Tribunal Federal a respeito dos limites da legitimação do Ministério Público para promover a tutela coletiva de outros interesses e direitos individuais homogêneos, que não nas hipóteses acima referidas[1]. Podem-se identificar pelo menos três orientações distintas: 1ª) a expressão “outros interesses difusos e coletivos”, prevista na parte final do artigo 129, inciso III, da Constituição da República credencia o Ministério Público para agir na defesa coletiva de qualquer grupo lesado em seus direitos homogêneos (STF RE 163.231) [2]; 2ª) a expressão “outros interesses difusos e coletivos” é indefinida e, assim, depende de lei que venha a definir o seu alcance, dentro dos limites traçados pelo texto constitucional (STF RE 195.056)[3]; 3ª) a legitimidade do Ministério Público para tutelar coletivamente em juízo “outros interesses difusos e coletivos” há de partir de identificação do seu assentamento na parte final do artigo 127 da Carta Maior (“incumbindo-lhe a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis”) e na sua correspondência à persecução dos objetivos fundamentais da República (STF RE 213.631)[4].
O fato é que, em se tratando de ação coletiva que vise resguardar pessoa individualmente considerada, a legitimidade ativa do Ministério Público, de início, só deveria ser afirmada se a espécie versasse a tutela dos interesses e direitos individuais indisponíveis a que se referem os artigos 201, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescente e 74, inciso I, do Estatuto do Idoso, os quais não devem ser confundidos com aqueles relativos a interesses e direitos individuais homogêneos (STJ REsp 933.974). É por serem indisponíveis (e não por serem homogêneos), que tais interesses individuais podem ser tutelados pelo Ministério Público (STJ EREsp 466.861). Isso se dá porque, diferentemente da homogeneidade, a indisponibilidade está relacionada com o objeto material e não com os sujeitos da relação jurídica envolvida, muito embora a pluralidade, nos direitos individuais homogêneos, também diga respeito ao conteúdo do interesse ou do direito em questão. A discussão, ressalte-se, não alcança a possibilidade de o referido Órgão vir a propor a respectiva ação individual, ante o disposto no supra mencionado artigo 127 da Constituição da República.
A jurisprudência, contudo, destoa dessa perspectiva, ao admitir o uso do processo coletivo, pelo Ministério Público, na defesa de interesses e direitos individuais indisponíveis para além dos dois únicos casos em que a legislação o autoriza a atuar como substituto processual – os alusivos à proteção da infância e da juventude e do idoso -, desde que demonstrada a presença de “interesse social relevante” (STJ REsp 946.533). Nesse sentido, tem se afirmado a legitimidade de o Ministério Público propor o inquérito civil e a ação civil pública para garantir o fornecimento de prótese auditiva a portador de deficiência (STJ REsp 931.513); medicamento a pessoa que não tem condições financeiras de arcar com o tratamento médico (STJ AgR-REsp 1.297.893); avaliação de tratamento médico a pessoa portadora de varizes nos membros inferiores com insuficiência venosa bilateral (STJ REsp 817.710), entre outras hipóteses.