Ideias do Milênio

"Capitalismo é só um jeito ruim de organizar o comunismo"

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28 de fevereiro de 2014, 8h51

Entrevista concedida pelo antropólogo norte-americano David Graeber ao jornalista Silio Boccanera, para o programa Milênio, da Globo News. O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30.

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Protestos de rua tomaram os centros de cidades pelo mundo em tempos recentes com tamanho e estilo diferentes das manifestações parecidas no passado. Incluem desde os indignados que tomaram a Plaza del Sol em Madri, até o Occupy Wall Street que se instalou no centro financeiro de Nova York. Chegou-se à erupção repentina as cidades brasileiras no ano passado, com as periódicas explosões de violência por alguns subgrupos, como os Black Blocs. Protestos começam com uma ou outra causa específica para atacar — desemprego na Espanha, preço de ônibus no Brasil, corrupção na Ucrânia — e logo se ampliam para questionar muito mais. A mídia busca líderes, mas não encontra. Porta-vozes: qualquer um. Listas de reivindicações específicas para negociar não aparecem. Partidos políticos tradicionais são rechaçados. Os manifestantes operam conforme o que alguns chamam de horizontalidade, se ampliando para os lados em contraste com a hierarquia vertical de movimentos semelhantes no passado. Em conjunto, os protestos exibem um aspecto anárquico, parte desobediência civil, parte agressão, parte ocupação de espaço público. O antropólogo americano militante David Graeber, professor da London School of Economics é uma inspiração teórica internacional para muitos dos participantes desses movimentos de rua. Foi ele que cunhou a expressão “nós somos os 99%”, referindo-se à maioria da população contra o 1% da elite. Conhecido pelos artigos e livros que tratam do assunto, Graeber se autoclassifica como anarquista, não no sentido popular da palavra entendida como bagunça e confusão, mas como conceito político. O Milênio foi conversar com Graeber em seu apartamento de Londres.

Silio Boccanera — A explosão no Brasil veio depois de protestos de ruas em vários lugares, no mundo árabe, na Europa, Occupy Wall Street, no qual você teve um grande envolvimento. Quando você olha para estas explosões simultâneas, você encontra mais elementos em comum do que elementos que os diferenciem?
David Graeber — Com certeza. Acho que temos um novo paradigma para o que um movimento democrático significa. Isso começou a acontecer com a primavera árabe, como você disse, e houve um contágio e se espalhou pelo sul da Europa e quando chegou na América se tornou viral para todos os lugares. Vimos o Occupy Nigéria, África do Sul, Paquistão, Hong Kong, quase todos os cantos do planeta. Houve um amplo movimento de repressão, principalmente nos Estados Unidos, mas algo aconteceu depois de 2011. Houve uma ruptura fundamental porque acho que o que aconteceu — e isso mostra porque os protestos no Brasil e na Turquia e em outros lugares que se seguiram tomaram a forma que tomaram — foi que as pessoas abandonaram a ideia de que um movimento democrático significa formar um partido político e participar no processo político formal. Acho que as pessoas reconheceram que o processo político formal não é realmente democrático e não pode ser. Não importa em quem você vota, as políticas são determinadas por uma burocracia global que obedece às finanças e ao capital. Realmente não faz diferença. Não dá para reformar a estrutura. Então, de agora em diante, parece que quando houver um movimento democrático, ele terá a forma de uma democracia direta, de ação direta auto-organizada e as pessoas tentando resolver seus próprios problemas, envergonhando os políticos e, ao fazer essas coisas, demonstrando a irrelevância deles.

Silio Boccanera — Algumas pessoas criticam o fato que esses movimentos não possuem líderes, não têm uma lista de demandas, que não é o modo tradicional de fazer as coisas e que isso não trará nenhum resultado. Você acha que isso é essencialmente parte deles?
David Graeber — Eu posso falar do Occupy Wall Street e foi por isso que funcionou. Houve esforços atrás de esforços para seguir o caminho tradicional. Fazer uma lista de demandas, ter porta-vozes, mesmo no Parque Zuccotti, em Nova York, houve uma tentativa de ocupar o Parque Zuccotti seis meses antes de nós que fez exatamente isso. Eles tinham uma lista de 27 demandas para o governo, tinham porta-vozes, tinham equipes de mídia treinadas, tinham uma organização hierárquica, eles tomaram o rumo convencional e 10 pessoas compareceram. Não deu em nada. Ninguém mais quer fazer isso porque ninguém acredita que vai funcionar. Quando aparecemos com democracia direta, todos participando igualmente e recusando participar no processo político — que vimos como essencialmente corrupto — de repente, milhares de pessoas apareceram. De repente, tínhamos 800 ocupações espalhadas pelos Estados Unidos.

Silio Boccanera — Você é um defensor do anarquismo como uma posição política, como uma política, não anarquismo no sentido de um levante descontrolado, como as pessoas parecem entender, mas como um conceito histórico e político. Até que ponto você acha que o anarquismo político está presente nestas manifestações?
David Graeber — Acho que é uma inspiração essencial. Claro que tem que ter em mente que o anarquismo que falamos hoje é muito diferente do tipo de anarquismo que tínhamos em 1890 ou em 1930. Está permeado de feminismo, como, por exemplo, nos processos de consenso, que são vistos como processos anarquistas, mas vêm do feminismo. Há também tradições espirituais que foram importantes, mas o compromisso básico do anarquismo — eu gosto de pensar como uma questão de horizontes — nós desejamos um mundo sem estruturas sistemáticas de coerção violenta. Sem política, sem tribunais, sem prisões.

Silio Boccanera — Sem o Estado, sem o governo.
David Graeber — Sem o Estado. Sem o Estado não quer dizer sem um sistema de saúde, mas não seria gerido por uma estrutura centralizada de coerção burocratizada. O problema agora é que há Estados que insistem que são os únicos que podem gerir tais coisas. Achamos que as pessoas podem geri-las democraticamente por si mesmas. Para mim, o que o anarquismo significa é o compromisso de criar esse tipo de mundo. A verdadeira essência do anarquismo para mim é a rejeição da noção de que o fim justifica os meios. A rejeição da ideia de que é possível criar uma sociedade livre ao dar mais poder para a polícia, que é possível criar uma sociedade livre por meio da coerção, que se pode criar uma sociedade mais democrática centralizando o poder, que temos que ir para um sistema mais autoritário para criar um sistema mais livre. Isso fracassou em todos os lugares. Nunca funcionou e não há nenhuma razão para acreditarmos que vai funcionar algum dia. Temos que começar por criar as instituições de uma sociedade livre agora. É por isso que os anarquistas falam de democracia direta e também de ação direta. Gosto de pensar nisso como uma insistência desafiadora em agir como se já fosse livre. Vamos tentar criar as estruturas que poderiam existir sem coerção agora.

Silio Boccanera — Isso requer muita confiança nas pessoas, que elas sem um Estado, sem um governo, sem estas instituições repressivas, se comportariam corretamente. Você espera que elas façam isso?
David Graeber — Na verdade, eu tenho provas empíricas disso. Eu sou um antropólogo. Vivi em um lugar assim. Estava em uma parte do mundo, em Madagascar, em que a polícia tinha saído de lá 10 anos antes e, na verdade, o governo não estava funcionando, fornecia professores escolares, mas era apenas isso. O mais incrível é que levei seis meses para descobrir o que estava acontecendo, porque essas pessoas continuaram a viver como se o governo estivesse lá e esperavam que ninguém notasse.

Silio Boccanera — No outro extremo, ainda na África, não muito longe de Madagascar, temos o exemplo da Somália em que o Estado desapareceu e o que tivemos foi o caos total.
David Graeber — O Estado não desapareceu na Somália. O que aconteceu foi que o Estado desapareceu em 80 pequenos estados. Se a autoridade estatal se dissolve enquanto as pessoas já estão no meio de uma guerra civil, que foi o que estava acontecendo, é provável que a guerra civil não pare imediatamente. A ironia é que, pelo que sei, os padrões de vida, expectativa de vida, mesmo na Somália, que é o pior cenário possível, na verdade melhorou desde que o Estado se dissolveu.

Silio Boccanera — No seu livro “Democracia” há um momento que você diz, perto do final, que é necessário resgatar o comunismo. Você claramente não está falando sobre a linha da Coreia do Norte ou dos soviéticos.
David Graeber — Isso é o oposto do que o anarquismo acredita.

Silio Boccanera — Exatamente. Que comunismo é esse que você quer resgatar?
David Graeber — De certa forma, o comunismo é algo que estamos fazendo o tempo todo. O slogan do comunismo no século XIX era para cada um de acordo com suas habilidades, para cada um de acordo com suas necessidades. Se você pensar, muito do que você faz é baseado nisso. Se você está cooperando com alguém para resolver um problema, mesmo se você estiver trabalhando para Exxon Mobil ou Bechtel ou alguma corporação capitalista, se digo a alguém “você pode me passar a chave de fenda?”, eles não respondem. “O que eu ganho com isso?”. Você opera nas bases de que isso é o que eu preciso, isso é o que eu tenho… É a única coisa que funciona. É prático. Nesse nível acho que muito do que fazemos tem um certo nível de comunismo e parte do que fazemos é puramente baseado no comunismo. Somos todos comunistas com nossos melhores amigos, com familiares e em toda sociedade em que as pessoas lidam umas com as outras com qualquer nível de civilidade há um mínimo de comunismo. Eu chamo de comunismo de base. Então, seguindo essa linha, eu diria que todas as sociedades são baseadas no comunismo, mesmo corporações, internamente, são baseadas no comunismo. De certo modo, o capitalismo é apenas uma maneira ruim de organizar o comunismo. Então, o que me interessa é encontrar um jeito melhor de organizar o comunismo.

Silio Boccanera — Essa transformação, essa revolução, quem a liderará? Quem estará à frente do movimento? Trabalhadores, desempregados, estudantes.
David Graeber — Se você olhar para a história das revoluções, o presidente Mao, um fazendeiro rico que se tornou bibliotecário, encontrou Zhou Enlai. Castro encontra Che Guevara. Eu imagino que sempre haverá alianças similares sendo criadas e você viu muito disso no Occupy Wall Street, por exemplo. Havia estudantes que tinham um passado de pobreza, trabalharam duro, se formaram na faculdade e acabaram com dívidas enormes e sem conseguir empregos porque alguns banqueiros acabaram com a economia. Havia algumas pessoas que nasceram naquela classe e que rejeitaram os valores dos pais e entraram no movimento. Esses tipos de alianças sempre existem.

Silio Boccanera — Em movimentos como o Occupy Wall Street, assim como nas manifestações do Brasil e em muitos outros lugares, há sempre um grupo que é mais ativo. Às vezes mais violento, mais militantes, os Black Blocs e tudo isso. Até que ponto estão seguindo o princípio do anarquismo no que fazem e no papel que exercem?
David Graeber — É importante lembrar que os Black Blocs, os que eu conheci aqui no Reino Unido e nos Estados Unidos, se consideravam não violentos, mas estão praticando uma forma muito mais militante de não violência. Um exemplo clássico: em 1999 muitas das pessoas que estavam nos Black Blocs em Seattle manifestavam contra o corte das árvores. Estavam praticando não violência gandhiana. Estavam defendendo as florestas. Florestas antigas haviam sido cortadas e, essencialmente, a polícia começou a usar táticas muito violentas. Uma pessoa morreu enquanto defendia uma árvore. Outras pessoas foram torturadas. Até chegaram a esfregar spray de pimenta nos olhos das pessoas que estavam presas. Normalmente, as táticas gandhianas funcionam ao demonstrar a violência do Estado. Mostram até que ponto vão contra pessoas não violentas e causam um escândalo. Por causa da natureza da mídia na América, você não pode reportar desta maneira. Basicamente, se a polícia faz algo que é autorizado de cima, aquilo não pode ser representado como violência, não importa o que for. As pessoas que estavam protestando ficaram tão escandalizadas que decidiram adotar outra tática agora. Ainda seremos não violentos, mas faremos algo tão dramático que não poderão ignorar. Então destruíram muitas janelas. Foram e pesquisaram todas as corporações mais irritantes, fizeram uma lista, descobriram onde elas estavam baseadas e fizeram uma quebra de vidros simbólica. Isso correu o mundo todo instantaneamente. Foi algo muito noticiado e, como resultado, as políticas mudaram. Foi uma tática eficaz naquele contexto específico.

Silio Boccanera — Então funciona porque atrai atenção.
David Graeber — Exatamente. E enquanto não ferirem ninguém ao fazer isso pode-se dizer que é um exemplo eficaz de ação direta não violenta.

Silio Boccanera — Não acha que, algumas vezes, os seus adversários ou os defensores do livre-mercado ou capitalismo de livre mercado levemente regulado podem estar vencendo a luta? Você olha para os bancos hoje, cinco anos após o começo da crise, os bônus, a situação em geral. Não tem a impressão de que estão ganhando?
David Graeber — Eles estão ganhando taticamente todas as batalhas, mas a questão é quem vence a guerra. Eu acho que as vitórias deles são cada vez mais empíricas. Eu acho que mesmo eles reconhecem isso. Quando você fala com as pessoas na classe dominante — que eu ocasionalmente tenho a oportunidade de fazer — o que eu vejo é que 90% deles, ou 95% deles, nem mesmo pensam no futuro. Eles apenas acreditam que as coisas vão se resolver. Todos aprendem nas escolas de negócios a ver o horizonte de três anos e é isso. Aqueles que pensam no longo-prazo estão aterrorizados. Eles percebem que, sim, venceram as batalhas, mas, ao fazer isso, destruíram a própria infraestrutura que torna a posição possível, em parte porque colocaram toda a ênfase na guerra ideológica e foram muito bons nisso. Conseguiram convencer as pessoas que nenhum outro sistema é possível e não apenas nenhum outro sistema além do capitalismo. Nenhum outro sistema além de um tipo muito específico de capitalismo financializado e militarizado que, por acaso, existe hoje e que é muito incomum historicamente. Esse é o único sistema que poderia existir, mas, ao mesmo tempo, coloca todo o esforço em tentar vencer a batalha ideológica e nenhum esforço em criar as fundações de um sistema que poderia existir no longo-prazo. Eu falei com algumas pessoas do FED, Banco Central Americano, que estavam prevendo, há um ano, que em dois ou três anos haveria uma crise pior do que 2008. Então, eu acho que pela ênfase em vencer a guerra ideológica, eles se colocaram em uma situação em que tudo ao redor deles está desmoronando. Temos esta circunstância estranha e anômala em que as pessoas estão olhando o sistema desmoronar e dizendo — espera… achei que era o único sistema que poderia existir. O que faremos agora?

Silio Boccanera — Mas você não acha que ao mesmo tempo, pela sua descrição, eles não demonstraram uma capacidade extraordinária de se adaptar, seguir em frente e sobreviver?
David Graeber — Isso é o que você diz sobre todo sistema até que ele acabe. Tenho certeza que se estivéssemos tendo esta conversa em 400 d.C. estaríamos dizendo isso do Império Romano. O Império Romano consegue absorver tudo. Todos estes bárbaros que entram, nós os transformamos em generais romanos. Nós os incorporamos ao sistema. O sistema vai absorver e adotar tudo o que jogarmos para ele. Até que um dia não funcionou mais.

Silio Boccanera — Como você reconheceria a mudança? Como você reconheceria que você está vencendo e eles não estão vencendo?
David Graeber — Eu reconheceria pelo que está acontecendo ao redor do mundo. Nós conseguimos mudar a ideia do que significa democracia. Isso é uma conquista histórica. Uma outra coisa que diria — e que pego de Wallerstein — é que ele diz que você sabe que há uma revolução quando há uma mudança no senso comum. É por isso que acho tão significante que movimentos democráticos não assumam a forma que tinham mesmo uma geração atrás. Os ideais e princípios anarquistas estão no centro do movimento democrático. Esta é uma grande mudança. O anarquismo era pensado como algo completamente insano. Você pode falar com as pessoas que estão organizando as coisas em campo e quase todas percebem que as ideias básicas de ação direta, democracia direta, rejeição de estruturas burocráticas institucionais para fazer mudanças, rejeição da ideia de tomar o poder estatal e mudar a sociedade por cima, quase todo mundo aceita isso e isso é uma mudança histórica mundial muito grande no senso comum político.

Silio Boccanera — Com esses princípios do anarquismo político em mente, como você avalia a esquerda tradicional? A esquerda na Europa, na América, ao redor do mundo?
David Graeber — Eu acho que a esquerda tradicional adotou uma política estúpida. Aqui você tem no Reino Unido uma esquerda que achou que para ser considerada razoável tinha que adotar simultaneamente o mercado e a burocracia. Veja o sistema educacional aqui. Você vê os resultados. É um pesadelo. É como o pior de todos os cenários possíveis. E ficam surpresos que os trabalhadores votam na direita. Acho que a esquerda convencional não mais representa os interesses da maioria do eleitorado tradicional. Com certeza não representa mais a classe trabalhadora. Com certeza, na América e na Europa, representa essencialmente o que chamam de classe profissional de gerência. Administradores, pessoas que sentam no escritório e administram as coisas. Profissionais, doutores e advogados. Jornalistas e acadêmicos também. Pessoas como nós. Esses é que são essencialmente representados por esses partidos. De certa maneira, acho que a ideia do que uma classe trabalhadora é está sendo reorganizada. O paradigma para o trabalho não é mais o indivíduo na fábrica. É uma enfermeira. Uma professora. Então, acho que há uma mudança na orientação de classes. O que a oposição é. Essas pessoas realmente estiveram muito presentes em movimentos como o Occupy porque incorporamos essa ideia de comunidade em que as pessoas se preocupavam umas com as outras. Esse era o principal símbolo.

Silio Boccanera — Com os seus princípios políticos e ideais quando você olha para o que está acontecendo ao redor do mundo. Além destes movimentos de rua que você descreveu e na sua apreciação pelo que eles fazem… O que lhe anima? O que você vê que pensa que tem um bom potencial?
David Graeber — Há uma série de movimentos acontecendo agora que parecem ter pernas. Os dois que estou envolvido são, primeiro de tudo, o cancelamento da dívida. Há um sentimento real compartilhado mesmo por aqueles nas classes dominantes que se preocupam com viabilidade de longo-prazo do sistema e que percebem que algo tem que ser feito. Você fala com eles sinceramente e, normalmente, dizem claro que o cancelamento da dívida vai acontecer. A questão é como, quando e quanto. Você tem que ter em mente que a resistência à dívida está acontecendo a todo momento. Um em cada sete americanos estão sendo perseguidos por cobradores de dívida. O nível de calote em hipotecas e em empréstimos estudantis é incrivelmente alto. Provavelmente, pelo menos um em cada quatro americanos está, simplesmente, não pagando as dívidas. De certa maneira, o que é praticar desobediência civil contra o capitalismo financeiro mais do que não pagar as suas dívidas? Então isso está acontecendo. A questão é como organizar isso. As pessoas estão começando a fazer isso. Há movimentos que podem estar começando aqui no Reino Unido, Estados Unidos, já existem exemplos muito fortes acontecendo na Espanha que acho que oferecem um modelo maravilhoso para o que podemos fazer. Então, há resistência à dívida. Isso é inspirador. Há a criação gradual das estruturas de democracia direta que vieram do Occupy, mesmo que os Estados Unidos tenham basicamente rejeitado a primeira emenda, pelo menos quando o assunto é liberdade de reunião. Não temos o direito de nos reunir em público mais, mas continuamos a nos organizar, estamos criando uma cultura de democracia direta. Houve momentos como o Furacão Sandy. Acho que foi muito inspirador. Quando aconteceu um desastre natural que afetou Nova York, quem foram as primeiras pessoas nas ruas trazendo auxílio? Não foi o governo, não foram as ONGs, fomos nós. Foi o Occupy. Tínhamos 40 mil pessoas lá. Quando você cria essa cultura de democracia direta, você tem o poder de fazer coisas que outros não conseguem. Podemos provar quantas vezes forem que nossas maneiras de se organizar são mais eficazes. Por fim, há iniciativas de renda mínima que estão se tornando cada vez mais populares e que eu acho muito interessantes. Um exemplo de porque eu acho que isso é importante: estou morando em Londres, no Reino Unido, e, desde os anos 1960, regularmente tivemos uma banda incrível depois de outra. Os Beatles e os grupos da invasão britânica, tudo do The Clash. Há centenas de bandas que vieram do Reino Unido. Parecia ter uma capacidade de gerar música incrível regularmente e, de repente, parou. Não há mais essas bandas incríveis britânicas e o que aconteceu? Perguntei a muitos dos meus amigos e eles disseram a mesma coisa. Eles cortaram a grana. Todas aquelas bandas viviam sob auxílio do governo. É assim que os jovens tinham tempo para se reunir e ensaiar. Agora eles têm todas essas demandas do trabalho. Todas as pessoas que poderiam ser John Lennon estão carregando caixas e fazendo tarefas menores em algum lugar. Como que a sociedade se beneficia disso? Se você der às pessoas a chance de fazer o que quiserem. As pessoas não são preguiçosas.

Silio Boccanera — Teremos os Beatles de novo?
David Graeber — Sim. Exatamente. As pessoas não são preguiçosas. As pessoas querem fazer algo para contribuir para a sociedade e algumas pessoas têm ideias incríveis sobre o que podem fazer se as deixarmos fazer o que quiserem.

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