AP 470

Cunha não pode ser condenado por lavagem, diz parecer

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25 de fevereiro de 2014, 13h49

O recebimento de dinheiro através de pessoas com as quais se tem relação clara e evidente não é capaz de impedir ou colocar obstáculos a qualquer atividade da Justiça. Lavar dinheiro é retirar suas manchas e suas ligações com o crime precedente, por isso, o fato de o ex-deputado estadual João Paulo Cunha ter recebido quantias pelas mãos da própria mulher não implica no encobrimento de um crime.

Esse é um dos argumentos que serão apresentados pelo advogado Pierpaolo Cruz Bottini na quinta-feira (27/2) ao sustentar que o ex-deputado petista não pode ser condenado por lavagem de dinheiro na Ação Penal 470, o processo do mensalão.

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A pedido do advogado Alberto Zacharias Toron, responsável pela defesa do ex-deputado, Bottini fará a sustentação oral na sessão que julgará os Embargos Infringentes apresentados por João Paulo Cunha (foto). Em seu parecer, o advogado explica que a lavagem de dinheiro é um delito complexo, que exige crime antecedente, o que não aconteceu no caso do ex-deputado.

Crime contra o sistema financeiro
De acordo com o Bottini, o antecedente de crime contra o sistema financeiro não pode ser aplicado ao ex-deputado pois não há nos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal a menção expressa ao dolo de João Paulo Cunha, essencial para configuração do crime de lavagem.

“Por mais que uma pessoa seja responsável por determinada esfera de organização, somente será responsável pelos crimes de lavagem cometidos nessa seara se for demonstrada sua relação psíquica com aqueles fatos, o conhecimento dos elementos típicos e a vontade de executar ou colaborar com sua realização”, explica o advogado.

Corrupção passiva
Em sua argumentação, ele expõe que não é possível considerar que houve crime de corrupção passiva como antecedente. Segundo Pierpaolo Bottini, há concurso material de crimes quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. No caso, segundo ele, o ex-deputado foi condenado pela prática dos crimes de corrupção passiva (CP, artigo 317) e lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98), que são concorrentes, ocasionando a consução.

“Dos textos legais expostos, e das premissas fixadas, tem-se que se a lavagem de dinheiro for meio ou estiver contida no crime de corrupção passiva não existirá concurso de crimes, mas concurso aparente de normas, resolvido pela consunção da segunda na primeira”, afirma.

João Paulo Cunha foi condenado por receber R$ 50 mil — caracterizados como vantagem indevida obtida em razão de sua função (presidente da Câmara dos Deputados) — com o emprego de lavagem de dinheiro, uma vez que o valor foi retirado por sua esposa em uma agência bancária.

Nelson Jr./SCO/STF
Entretanto, para Pierpaolo Bottini (foto) o fato de o dinheiro ter sido recebido por outra pessoa não configura a lavagem, pois no caso faz parte do crime de corrupção. “A nosso ver, o uso de ‘interposta pessoa’ — ato indicado pelos votos em análise como lavagem de dinheiro — integra expressamente o tipo penal de corrupção passiva, uma vez que a redação do artigo 317 prevê — como conduta delitiva — o recebimento indireto da vantagem indevida”, aponta.

O advogado sustenta ainda que João Paulo Cunha não teve o objetivo de ocultar ou dissimular o dinheiro. “O recebimento de dinheiro por meio da esposa não caracteriza objetivamente a lavagem de dinheiro por dois motivos: (i) não se trata de comportamento apto a ocultar o bem, e (ii) mesmo que se considere ocultação, não restou demonstrado o contexto de lavagem, uma vez que inexiste qualquer elemento que vincule o recebimento a uma pretensão de reinserção dos valores na economia, com aparência de licitude”, afirma.

Movimentação irregular
Em seu parecer, Bottini ainda analisa o voto do ministro Joaquim Barbosa, que entendeu que a ocultação não decorreu do uso de “interposta pessoa”, mas do uso de movimentos financeiros irregulares. Segundo o ministro, mesmo que o sacador do dinheiro fosse João Paulo Cunha, ainda existiria lavagem de dinheiro, porque seu elemento central foi o escamoteamento da origem via instituição financeira, independente que quem recebesse os valores.

Porém, para o advogado, esse entendimento inverte a lógica da lavagem de dinheiro prevista na Lei 9.613/98. “A lavagem de dinheiro se identifica pelo uso de sistemas para encobrir o capital produto de infração, ou seja, ela acontece após a prática delitiva antecedente. Por isso, qualquer mecanismo de dissimulação que anteceda o delito de corrupção não pode ser imputado a titulo de lavagem de dinheiro, ao menos em relação ao corrompido”, explica.

Clique aqui para ler o parecer.

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