Ferramenta de controle

Monitoramento eletrônico parece um caminho viável

Autores

  • Neemias Moretti Prudente

    é assessor jurídico do Ministério Público Federal professor de Processo Penal da Escola da Magistratura do Paraná e de Legislação Penal Especial do Instituto Paranaense de Ensino mestre e especialista em Direito Penal e Criminologia.

  • Alexandre Morais da Rosa

    é juiz de Direito de 2º grau do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) e doutor em Direito e professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

25 de fevereiro de 2014, 10h04

Com o objetivo de reduzir a superlotação carcerária, os custos penitenciários e a taxa de reincidência, surge o Monitoramento Eletrônico (ME) ou Vigilância Eletrônica (VE), como uma alternativa tecnológica (à prisão) utilizada em diversas partes do mundo, nas suas diversas modalidades de aplicação, com resultados nitidamente positivos e esperançosos, inclusive sendo recomendado seu uso pela ONU, como uma “medida alternativa ao encarceramento” (Declaração de Salvador, 2010, ponto 43).[1]

O ME consiste, em regra, no uso de um dispositivo eletrônico pelo infrator (v.g tornozeleira, pulseira) que passaria a ter a liberdade controlada/mitigada, evitando que se distancia/aproxime de locais predeterminados pelo sistema de justiça. Caso haja descumprimento das obrigações (v.g. se o infrator tenha violado o dispositivo ou se ausentado da área delimitada) é notificado o juiz (ou outra autoridade encarregada), para que adote as providências cabíveis.

Não obstante as experiências realizadas ao longo dos anos em outros países (desde a década de 80), a discussão sobre o ME no Brasil se iniciou apenas no ano de 2001. Mas foi só em 2010 que o ME foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, através da Lei 12.258/2010, que possibilita a aplicação do ME na fase de execução penal, nas hipóteses de saída temporária ao preso que estiver cumprindo penal em regime semiaberto e quando a pena estiver sendo cumprida em prisão domiciliar (art. 146-B, inc. II e IV, da LEP). Posteriormente, através da Lei 12.403/2011, o ME passou também a ser previsto como uma medida cautelar pessoal, alternativa a prisão provisória, visando impedir o encarceramento antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 319, IX, CPP).

Visando regulamentar o uso do ME no território nacional, entrou em vigor o Decreto 7.627/2011, estabelecendo, entre outros, o conceito de ME, os direitos e deveres da pessoa monitorada, os órgãos encarregados pela gestão do ME, o modo de utilização.

Paralelamente, a proposta do novo Código de Processo Penal (PL 8.045/2010, em trâmite na Câmara dos Deputados) também prevê a adoção do ME como medida cautelar pessoal (artigo 533, inciso IV) “nos crimes cujo limite máximo da pena privativa de liberdade cominada seja igual ou superior a 4 (quatro) anos.” (arts. 591-594).

Recentemente, com o objetivo de mudar “a cultura do encarceramento” que existe no país, o Supremo Tribunal Federal (STF) apresentou (no dia 31/01/2014) ao Ministro da Justiça uma sugestão de mudança do Código de Processo Penal (CPP). O texto propõe que o juiz, antes de determinar uma prisão preventiva ou decidir sobre a manutenção de uma prisão em flagrante, seja obrigado a explicar por qual motivo não concede uma medida cautelar alternativa, como a utilização do monitoramento eletrônico.

Todavia, observa-se que a maioria dos Estados brasileiros ainda não colocou em prática o sistema de ME, pois alegam uma série de obstáculos (v.g financeiros, estruturais, organizacionais, ideológicos, operacionais e geográficos). Não obstante, estes obstáculos devem ser superados. O ME deve ser adequadamente aplicado, inclusive a opção de usá-lo deve ficar a cargo infrator. Além disso, é necessário mais investimentos para aquisição de equipamentos e dispositivos (menores possíveis, a fim de evitar a estigmatização do infrator), bem como implantação de centrais de monitoramento e capacitação de pessoal para que se possa utilizar dessa nova ferramenta. Ainda, o ME deve ser empregado juntamente com programas de acompanhamento social, se houve demanda por parte do agente (desintoxicação, acompanhamento psicossocial, encaminhamento laboral etc.), bem como uma política de reparação de danos em favor da vítima, para ter um resultado mais positivo. Por que também não ampliar seu uso, como uma pena autônoma (como consequência jurídica do delito) ou como pena restritiva de direitos? Ou também como medida de afastamento em casos de violência doméstica?

O argumento de que é caro e, por isso, inviável, beira ao cinismo. As pessoas continuam e continuarão a ser presas. Logo, ou o Estado é inteligente e reduz seus custos ou, como regra, afunda na mesmice de colocar gente em lugar que não cabe mais ninguém. O ME não é a solução de todas as questões, embora possa evitar o cárcere e seus fatores deletérios, de maneira inteligente, atual e sofisticada.

Por fim, observa-se que o ME é uma ferramenta tecnológica de controle, que pode, por um lado, auxiliar o Estado no que diz respeito à fiscalização quanto ao cumprimento das decisões judiciais impostas, e, por outro, afastar o sujeito das mazelas provocadas pelo cárcere. Merece ter, assim como em outros países de tradição garantista, uma chance em nosso ordenamento. O perigo é relegitimar o sistema, bem sabemos. Todavia, como redução de danos, parece um caminho viável.


[1] Uma grande vantagem decorre da economia gerada aos cofres públicos. O custo mensal de cada preso hoje, na cadeia, gira em torno de R$ 1,8 mil. Com o ME esse gasto cai, em média, para R$ 500/mês.

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