Juros de mora

Decisão do STJ apontará futuro da Ação Civil Pública

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24 de fevereiro de 2014, 14h01

No contexto da redemocratização do país, surgiu em 1985 a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347), como instrumento transformador de defesa de direitos coletivos lato sensu e de facilitação de acesso à Justiça. Fruto de intenso trabalho de juristas notáveis, como Ada Pellegrini Grinover, Antonio Herman Benjamin e Nelson Nery Junior, nasceu como forma de combater uma ameaça ou lesão a direito pertencente a uma coletividade. Por meio de uma ACP é possível reivindicar a condenação de uma empresa poluidora, a anulação de cláusula contratual abusiva de certa operadora de plano de saúde, a redução de reajuste em desconformidade com a lei, a responsabilização do governo pela deficiência de um serviço público, a proteção de bem de valor histórico, entre outras tantas possibilidades de atingir todos os lesados com uma única decisão.

Este relevante instituto processual, aperfeiçoado pelas regras processuais introduzidas pela Lei 8.078 de 1990, foi responsável pelo fortalecimento da atuação do Ministério Público, pela organização da sociedade em associações, também pela redução do número de ações idênticas que sufocam a Justiça e pela diminuição de decisões conflitantes de modo a proporcionar mais segurança aos jurisdicionados. A Ação Civil Pública só não agrada àquelas empresas e governantes de atitude desdenhadora que apostam na inércia dos cidadãos.

Apesar da constante ameaça das instituições financeiras, que muito investiram para afastar o direito dos consumidores à recuperação sofrida com os planos econômicos, as Ações Civis Públicas ainda assim se consolidaram. Além de batalhar para excluir os serviços bancários da aplicação do Código de Defesa do Consumidor — pretensão enterrada pelo Supremo Tribunal Federal —, os bancos espernearam para que o Judiciário não reconhecesse a legitimidade das associações para a defesa dos poupadores, propondo todas as medidas e recursos ao seu alcance. Discutiram também a limitação da abrangência das decisões e dos beneficiados.

Quando finalmente restou consagrado o direito dos consumidores a reaverem as perdas sofridas nas poupanças e as decisões proferidas em Ações Civis Públicas passaram a embasar as execuções individuais dos poupadores, os bancos voltaram a atacar.

Derrotadas no mérito, as instituições financeiras vêm alcançando no Superior Tribunal de Justiça vitórias que subtraem, na prática, o direito legítimo reconhecido por unanimidade à recuperação das perdas das poupanças nos planos Bresser e Verão. Maior exemplo é o acórdão proferido no julgamento do Recurso Especial 1.070.896, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, que reduziu de 20 para cinco anos o prazo prescricional para o ajuizamento das ações coletivas. Para chegar a essa conclusão, a Segunda Seção do STJ entendeu por bem aplicar por analogia o prazo previsto na Lei de Ação Popular. Com todo o respeito, a decisão desafia a lógica e dificilmente será algum dia compreensível que, para pleitear as perdas nas poupanças individualmente, o cidadão tem o prazo de 20 anos, enquanto para pleitear o mesmo direito coletivamente, o prazo se encerra 15 anos antes. O resultado concreto, muito comemorado pelos bancos, foi a extinção de mais de 1 mil ações movidas pela Defensoria Pública e outros legitimados.

Outra importante derrota imposta aos cidadãos foi a limitação do prazo prescricional para ajuizar uma execução individual lastreada em sentença proferida em Ação Civil Pública. Sob a relatoria do ministro Sidnei Beneti, que foi acompanhado pelos ministros Ricardo Villa Boas Cueva, Raul Araujo Filho e Maria Isabel Galloti, no julgamento do Recurso Especial 1.273.643, ocorrido em 27 de fevereiro de 2013, o prazo foi limitado a cinco anos, encerrando o direito de milhares de poupadores — apesar dos votos divergentes da ministra Nancy Andrighi e dos ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Marco Buzzi.

Somando vitórias expressivas, as “derrotadas” instituições financeiras agora assistirão ao julgamento mais impactante. O Superior Tribunal de Justiça, por provocação do Banco do Brasil, irá definir se a incidência dos juros de mora em uma Ação Civil Pública deve adotar sistemática distinta daquela adotada para as demais ações. O Banco do Brasil quer ver adiada a aplicação dos juros de mora para tão somente a fase de execução individual, tese essa que desafia a jurisprudência pacífica dos tribunais do país que declaram que os juros moratórios devem ser computados a partir da citação do réu na ação de conhecimento.

Se acolher a tese do Banco do Brasil no julgamento do Recurso Especial 1.370.899, de relatoria do ministro Sidnei Beneti, afetado para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, o STJ condenará os poupadores a uma vitória meramente simbólica, já que receberão apenas um terço do valor devido. De acordo com cálculos do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), associação que ajuizou a Ação Civil Pública contra o Banco do Brasil em 1993, um poupador que tinha na época R$ 1 mil para receber, deve receber R$ 2.910, se computados juros desde a citação do banco, ou seja, quase 200% a mais que o valor original.

Às vésperas de completar 30 anos, uma decisão favorável ao Banco do Brasil representará uma sentença de morte para o instituto da Ação Civil Pública. Afinal, nenhum cidadão em sã consciência abdicará de receber algo em torno de dez anos de juros de mora, direito legalmente previsto em nosso Código Civil, porque já vai ter aprendido com o STJ o que é “ganhar mas não levar”.

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