Justiça Tributária

No Brasil, temos os piratas da cara de pau

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

24 de fevereiro de 2014, 8h00

Spacca
O Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa de Rodrigo Fontinha registra que pirata é palavra de origem grega, pronunciando-se peiratés, cujo sentido literal é “eu tento”. Mas em português é o “ladrão do mar, o corsário; pessoa que atravessa os mares, dum lado a outro, única e exclusivamente para roubar; indivíduo que defrauda ou exerce espoliação sobre.”

O leitor deve estar se perguntando a esta altura o que isso tem a ver com a luta que se trava neste país pela obtenção da Justiça Tributária. Em coluna que publicamos em 28 de janeiro de 2013 (clique aqui para ler) demonstramos que há fortes indícios de que no Brasil os tributos são arrecadados, administrados e fiscalizados apenas para que sejam atirados ao lixo, uma vez que o produto da arrecadação ou é alvo de pirataria ou utilizado por incompetentes que não sabem cuidar do nosso dinheiro, do qual são meros depositários.

Diariamente acumulam-se notícias de mau uso do dinheiro público. O pior de tudo é que isso não é prática usual deste ou daquele grupo de homens públicos, mas parece ser a norma absoluta, costume secular.

Veja-se, por exemplo, a notícia segundo a qual o Incra seria proprietário de inúmeros terrenos valiosos em Brasília, adquiridos para a construção de residências oficiais e que jamais foram utilizados para coisa alguma, permanecendo abandonados, apenas gerando despesas de manutenção.

Enquanto isso, neste estado, há diversas ações de desapropriação que não se resolvem apenas porque tal organismo não quer, com processos se arrastando há décadas na Justiça Federal, com grandes prejuízos para o erário, pois os valores depositados vencem juros e com prejuízos para os ex-proprietários, muitos dos quais morreram sem receber o que lhes era devido.

De onde veio e de onde vem o dinheiro do Incra? Do bolso do povo, claro. Assim, não pode ser jogado no lixo, não pode ficar enterrado em áreas inúteis, quando faltam escolas, creches, hospitais, etc.

Mesmo na maior cidade do país há prédios pertencentes ao poder público, isto é, aos contribuintes, totalmente abandonados, sem qualquer uso ou destino. Não estamos falando da periferia, mas da Avenida Nove de Julho, onde há imóveis pertencentes ao INSS que nada faz com eles.

Quando o governo federal constrói conjuntos habitacionais, as autoridades que deveriam cuidar do patrimônio público permitem que fiquem eles desocupados, à espera de inevitáveis invasões, muito bem orquestradas e organizadas, dando-nos a impressão de que se pressiona o uso da força para a retomada daquilo que já deveria estar ocupado pelos seus legítimos destinatários, os inscritos nos programas habitacionais.

O uso da força policial para cumprimento de ordem de reintegração é inevitável e pode viabilizar atos de violência que não ocorreriam não fosse a omissão da autoridade que tem a obrigação de entregar com rapidez o imóvel pronto. Quando e se houver alguma vítima fatal nesses confrontos, nenhuma providência, discurso ou oração trará o morto de volta.

Nos recentes episódios de violência e vandalismo ocorridos em São Paulo, a Caixa Econômica Federal, com dinheiro que direta ou indiretamente vem do bolso do povo (do FGTS inclusive), terá de gastar alguns milhões para consertar os danos causados ao conjunto habitacional. Não adianta prender alguns ou mesmo todos os vândalos. Não adianta criar novas leis para aumentar as penas. Se as penas aumentadas colocarem alguém preso, a despesa vai aumentar, pois um preso custa mais que a ajuda que se possa dar a um necessitado.

A democracia é o governo do povo e a alternância de poder é necessária. Qualquer órgão, público ou privado, que permaneça conduzido pelo mesmo grupo por muito tempo não vai se aperfeiçoar com um prazo alongado da mesma direção. Vai se deteriorar.

Poder é anagrama de podre, porque todo poder que se dá sem adequado controle torna podre a pessoa que o recebe. Veja-se o que acontece nas ditaduras. Nenhuma delas progride por muito tempo. A história contemporânea deve ser melhor estudada para encontrarmos os exemplos adequados.

Todos esses erros aqui mencionados não são novidade. A história do Incra já tem 40 anos! É do tempo da ditadura, o que comprova que não será fora da democracia que encontraremos solução para nossos problemas. O que não podemos, nós que almejamos Justiça Tributária para termos um país melhor, é continuar votando em piratas, principalmente em piratas da cara de pau.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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