Ação da Apae

Piada não é literal, diz juiz ao absolver Rafinha Bastos

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24 de fevereiro de 2014, 18h31

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Uma piada não deve ser interpretada de forma literal, pois é preciso levar em conta que o humor utiliza o exagero e o absurdo para provocar o riso. Assim, um humorista que faça piada sobre pessoas com deficiência não pode ser visto como alguém que deseja o mal a tais pessoas, até porque quem faz piadas sobre portugueses ou loiras também não deseja mal a eles. Este foi o entendimento do juiz Tom Alexandre Brandão, da 2ª Vara Cível de São Paulo, ao absolver o humorista Rafinha Bastos em Ação Civil Pública ajuizada pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais.

A Apae pediu que o humorista deixasse de fazer duas brincadeiras que constam do DVD “A Arte do Insulto”. A primeira, que cita expressamente a Apae, é a seguinte: “Um tempo atrás eu usei um preservativo com efeito retardante … efeito retardante… retardou… retardou… retardou … tive que internar meu pinto na APAE … tá completamente retardado hoje em dia … eu tiro ele prá fora e ele (grunhidos ininteligíveis)”.

A segunda, que atinge os direitos tutelados pela Constituição, de acordo com a petição da Apae, envolve o posicionamento do humorista em relação à fila preferencial. “As pessoas na cadeira de rodas … ah, fila preferencial! Haha adivinha amigo, você é o único que tá sentado. Espera quieto! Cala essa boca!”.

A associação apontou que não há arte ou humor nas frases, apenas insultos à honra e imagem das pessoas com deficiência. O pedido para que Rafinha Bastos deixasse de fazer as piadas em shows e não vendesse o DVD de seu espetáculo, ou retirasse a menção à Apae e às pessoas com deficiência, foi acolhida em caráter liminar, e este entendimento foi mantido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Durante a análise do mérito pela 2ª Vara Cível, o juiz Tom Brandão acolheu a preliminar de inadequação da via eleita feita pelos advogados Thais Colli de Souza Mascarenhas, Rogerio Barion, Alexandre Amorim Arroyo e Gustavo Amorim Arroyo, que defenderam o humorista.

De acordo com a sentença, “a Ação Civil Pública não poderia deduzir pretensão de natureza individual e particular da associação autora”, o que impede o pagamento da indenização de R$ 100 mil pedida pela Apae. Ao analisar a alegação da Apae, ele disse que o humor deve ser tratado como manifestação artística e cultura, fruto da expressão da inteligência e do espírito, e a manifestação humorística não pode ser confundida com uma simples opinião. Para o juiz, no entanto, “qualquer pessoa tem capacidade de discernir, com um pouco de boa vontade e um mínimo de inteligência”, entre as duas situações.

Ele disse que as manifestações não podem ser tomadas de forma literal, já que muitas vezes o humor é marcado por uma expressão exagerada e grotesca, algo que “não pode gerar qualquer violação a direitos da personalidade”. Brandão citou a defesa cada vez maior do politicamente correto, com a sociedade rejeitando o que chamou de humor chulo, e deu exemplos da mudança em relação ao passado. Para o juiz, seria impensável que um personagem como o Mussum, de Os Trapalhões, existisse atualmente, já que a figura fazia referência preconceituosa aos negros.

Caso as piadas fossem feitas atualmente, segundo a sentença, “certamente gerariam enorme grita, quiçá com repercussão criminal”. Outro exemplo dado foi o da piada feita por Danilo Gentili durante a polêmica sobre a instalação de uma estação do Metrô no bairro de Higienópolis. Gentili utilizou a internet para dizer: “Entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô. A última vez que eles chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz". O juiz afirmou que, sem entrar no mérito da piada, não houve qualquer ato ilícito. De acordo com Brandão, “afirmar que ele corroborou a prática nazista seria uma conclusão absolutamente ridícula, hipócrita e desconectada com a realidade”.

Em relação ao caso de Rafinha Bastos, a sentença informou que não é possível cogitar que o humorista tenha algo contra pessoas com deficiência mental, já que até a piada mais singela pode gerar tal reação. O juiz apontou para uma piada feita por sua própria avó, segundo a qual “mulher no volante, perigo constante”, já que o piadista em questão pode ser visto como machista, sexista e insensível às conquistas das mulheres. Para ele, uma piada é apenas isso, sem ofensa a quem for, em regra, e “a pior consequência de uma piada infeliz, que cruza os limites toleráveis da audiência, é o desprezo, o silêncio”.

Fazer com que o Judiciário tenha de se manifestar sobre uma piada, de acordo com o juiz, “equivale a propor uma ação de divórcio de Bentinho e Capitu, a instaurar um inquérito policial para investigar a morte de Odete Roitman ou, ainda, determinar a prisão dos atores que atuaram como mafiosos no filme ‘O Poderoso Chefão’ por formação de quadrilha”. Tom Alexandre Brandão apontou que o humor não é excludente de responsabilidade em toda e qualquer manifestação, sendo intolerável quando direcionado diretamente a uma pessoa e causando constrangimento perante um grupo, caracterizando abuso da liberdade de expressão. Na visão do juiz, isso não ocorreu no caso de Rafinha Bastos, protegido pela liberdade de expressão e manifestação artística.

Clique aqui para ler a sentença.

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