Prioridade à orientação

"Função do corregedor-geral de Justiça não é punir"

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23 de fevereiro de 2014, 7h21

Spacca
Orientar em vez de punir. Este é o centro do modelo que o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Hamilton Elliot Akel quer implantar na Corregedoria-Geral de Justiça. Eleito em dezembro de 2013, ele ocupará o cargo até outubro de 2015, quando se aposentará por completar 70 anos. Durante os quase dois anos, o objetivo do novo corregedor da Justiça paulista é corrigir os problemas da primeira instância por meio da ajuda, e não da punição aos juízes.

Se sua eleição preocupou alguns magistrados do interior, que o consideram rígido, o primeiro projeto de Akel mostra que o cenário pode ser outro. Decidido a fazer com que a cordialidade seja regra no Judiciário, ele pediu aos juízes que adotem tal postura na relação com as partes, advogados e promotores, incluindo o respeito aos horários marcados para as audiências e julgamentos.

Ainda se atualizando sobre a situação na primeira instância paulista, o corregedor garante que, em muitos casos, “o problema não é porque o juiz trabalha menos. Como regra, eles trabalham bastante e trabalham bem. Mas é problema de métodos”. A solução passa pela orientação do órgão que comanda, incluindo novos procedimentos adequados para cada situação.

Defensor da desjudicialização, ele diz que é contra a “cartorarização” do Judiciário, mas promete ouvir advogados e cartorários para resolver uma das grandes batalhas de 2013, a promoção de mediação e conciliação em cartórios sem a necessária participação de advogados. Os próprios cartorários admitem que a falta de contato entre eles, advogados e magistrados levou a situação ao estágio atual, e a solução pode passar pela intermediação por Akel.

Entusiasta dos avanços tecnológicos, o desembargador pede cautela com o uso do Skype — programa de telefonia via internet — para audiências e recebimento de advogados, pois crê que o próximo passo seria tomar depoimentos desta forma. Um dos desafios, diz, é que seria mais difícil, segundo ele, “olhando para a testemunha, dizer se ela está mentindo”, sentido que diz ter desenvolvido durante sua atuação como juiz cível. Hamilton Elliot Akel recebeu a reportagem da revista Consultor Jurídico em seu gabinete, no Palácio de Justiça, na tarde do dia 30 de janeiro.

ConJur — Logo após a eleição, o senhor disse que queria tomar pé da situação antes de apresentar projetos. Isso já ocorreu?
Elliot Akel — Sim. Antes de tomar posse, eu tive reuniões, formei uma equipe de assessores. A assessoria da corregedoria é grande, complexa, formada por 19 juízes, cinco no gabinete, oito na equipe judicial, cinco na extrajudicial e o coordenador do Dipo — Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária —, uma função complexa, porque trata com mais de 100 distritos policiais. Durante as reuniões, eu apresentei as minhas linhas de pensamentos gerais, aquilo em que eu acredito, e pedi que durante o recesso, os auxiliares pensassem e me trouxessem projetos, planos de ação.

ConJur — Foi mantida a equipe do desembargador José Renato Nalini?
Elliot Akel — Uma parte da assessoria sim, mas outros são novos. Os assessores de gabinete são novos, em sua maioria, na equipe judicial há alguns da gestão anterior e alguns novos, e no extrajudicial o coordenador continuou, que é o Gustavo Marzagão.

ConJur — Já foi possível examinar a produtividade da primeira instância e concluir o que fazer para melhorar a performance?
Elliot Akel — É difícil generalizar. Existem ilhas de excelência, de alta produtividade, e existem círculos de deficiência. No entanto, não adianta identificar os problemas e não a causa. Por isso eu pretendo fazer correições nas dez regiões administrativas de São Paulo em 2014 e também em 2015. Eu vou levar uma equipe grande e, enquanto estiver em uma comarca, os juízes assessores e funcionários estarão ramificados nas comarcas da mesma circunscrição examinando os cartórios do judicial e do extrajudicial. Pretendo com isso identificar os problemas de cada região. Mas agora no geral, de zero a dez, eu daria uma nota seis, querendo chegar a oito até o fim da gestão.

ConJur — Outros desembargadores podem ajudar nas visitas?
Elliot Akel — Talvez. Posso até convidar colegas desembargadores, para me acompanhar quando eu for visitar a circunscrição de que aquele desembargador seja coordenador. Mas a presença do corregedor é importante. No começo da minha carreira, o corregedor era um sujeito inacessível. Eu quero estar em contato, conversar, ver quais são os problemas e levar os projetos que estão sendo desenvolvidos. Eu não me pretendo a restringir a visitas correcionais, tanto que será dispensada a sessão de instalação, para não perder tempo.

ConJur — E já há algum projeto definido?
Elliot Akel — O primeiro projeto que está sendo lançado é o da Justiça Cordial. Me incomoda muito a falta de cordialidade no tratamento entre os magistrados e os funcionários, magistrados e advogados, juízes e partes, o Ministério Público. Eu estou em contato com a Ordem dos Advogados do Brasil, com o Ministério Público e a Defensoria Pública para lançar em conjunto o projeto da Justiça Cordial. Há um ditado árabe que diz que a cordialidade abre todas as portas, e é preciso exercitar essa cordialidade no dia a dia da Justiça. Isso quebra barreiras e facilita o trabalho de todos. Quem se dirige ao Judiciário querendo a garantia ou restauração do seu direito deve ser recebido e tratado com cordialidade.

ConJur — Como seria garantida essa cordialidade?
Elliot Akel — A pontualidade é uma manifestação de cordialidade. O juiz que marca uma audiência para as 13h30 e chega ao fórum às 14h não está sendo cordial com as partes, os advogados e as testemunhas. Isso não pode acontecer. Para mim, a duração exagerada do processo é falta de cordialidade. E isso me afeta muito. Está sendo divulgado o primeiro comunicado, incitando todos os juízes a serem cordiais e lembrando que a pontualidade é manifestação de cordialidade.

ConJur — O principal problema atribuído à Justiça é a morosidade, por conta da falta de rigor. Essa cordialidade não pode ser vista como um fator de alimentação da morosidade?
Elliot Akel — Não. Ser cordial não é ser menos rigoroso, e sim procurar entender o outro, ver no outro uma pessoa que, naquele momento, precisa de você. A Corregedoria está muito atenta, por exemplo, aos problemas de produtividade. Eu não tenho como controlar a produtividade de juízes do estado inteiro, de examinar 1,6 mil planilhas, mas há uma equipe que faz isso. Quando é verificado um problema na vara, a situação será analisada.

ConJur — Isso é sempre culpa do juiz?
Elliot Akel — Muitas vezes o problema não é porque o juiz trabalha menos. Como regra, eles trabalham bastante e trabalham bem. Mas é problema de métodos. Muitas vezes, um cartório tem um diretor antigo no cargo, por exemplo. Quando se sugere a ele alterar o método de trabalho, a primeira reação é extremamente negativa, porque aquela situação, por enquanto, ele domina. E tudo que é novo causa medo, a quem exerce alguma forma de poder, de perder este poder.

ConJur — Como atua a corregedoria nestas situações?
Elliot Akel — Uma equipe de juízes e funcionários experientes é enviada à vara, para ensinar o novo método. Existe, por exemplo, a Nova Estratégia de Produção, a NEP. Quando ela é implantada, o sistema de trabalho do cartório é alterado. Um cartório de vara cível geralmente tem uma sessão de ordinárias, uma sessão de sumários, uma sessão de execução e uma sessão de procedimentos especiais. Os escreventes da sessão de ordinários, normalmente, só sabem fazer aquele tipo de processo. Se faltar alguém, a sessão ou para ou atrasa. Com a nova sistemática da NEP, a divisão é feita por trabalho. Em uma sala, se faz a juntada, em outra a minutagem, e assim por diante. Isso dá um dinamismo muito maior ao processo. Por outro lado, por conta da deficiência de funcionários, não dá para a corregedoria querer implantar o NEP em todas as varas.

ConJur — O senhor concorda que, para o cidadão, a orientação da Corregedoria é mais importante do que a investigação?
Elliot Akel — A corregedoria deve corrigir distorções, e isso ocorre com orientação no sentido de procedimentos adequados. Quando eu fui eleito, alguns juízes e cartorários do interior manifestaram um certo temor, porque a minha fama era de ser muito rígido. Eu realmente sou rígido em matéria de princípios, há coisas que eu acho intoleráveis. Mas não acho que a função do corregedor é punir.

ConJur — Quando o problema passa do método para o profissional, é possível corrigir?
Elliot Akel — É preciso distinguir o que é jurisdicional do que não é jurisdicional. A Corregedoria recebe diariamente dezenas de representações, e 90% dizem respeito à matéria jurisdicional. O juiz julgou improcedente a ação, e isso é injusto. Não é questão que a corregedoria possa interferir. Se o juiz deixa o processo paralisado, ou não cumpre sua obrigação, a Corregedoria pode interferir. Tudo que for jurisdicional deve ser arquivado, não há como propor a instauração de um procedimento administrativo porque o juiz julgou mal. Não posso. Isso não é problema da Corregedoria. Eu posso eventualmente aconselhar, sem colocar no processo, sugerindo que ele veja a jurisprudência do tribunal sobre este assunto.

ConJur — O comitê de ética que o TJ-SP criou pode ser uma chave para resolver esse tipo de questão jurisdicional?
Elliot Akel — Claro que pode. O problema ético nos preocupa muito. A questão ética está muito ligada também à função correicional. Mas ele não deve reduzir o número de representações, porque quem busca a Corregedoria são partes, advogados, promotores que se sentem de alguma forma afetados. A comissão de ética deve ser acionada pelos juízes, pedindo orientação.

ConJur — Há algum outro projeto em andamento?
Elliot Akel — A corregedoria tem um projeto de ressocialização dos presidiários. Recentemente, foi concluído um curso com o Alex Atala para presas em regime semi-aberto. Assim, quando beneficiadas com a progressão de regime, elas já terão emprego. Os mutirões carcerários também serão incentivados, porque existem em São Paulo 35 mil pedidos de benefícios aguardando decisão. Isso cria, dentro do presídio, uma panela de pressão, que uma hora explode. A pedido do governador e do secretário de Administração Penitenciária, a corregedoria organizou três mutirões, um em Taubaté, um em Campinas e um em Bauru.

ConJur — Dos presos brasileiros, 40% estão atrás das grades por conta da prisão preventiva, e a maioria por crimes com penas alternativas. Ao mandar prender por acusação que não leva ao encarceramento, o juiz não comete uma irregularidade?
Elliot Akel — Não, ele comete uma ilegalidade, e a Corregedoria não pode coibir a ilegalidade, só a irregularidade. O juiz está decidindo de forma equivocada. Se ele deixa de apreciar um pedido de relaxamento, o problema é da corregedoria, se ele nega o relaxamento, o problema não é da corregedoria, é jurisdicional. Quando a Corregedoria percebe que uma determinada vara está com problema, excesso de processos, demorando muito para decidir, os funcionários vão à vara, verificam o que ocorre e sugerem um novo método de trabalho.

ConJur — O desembargador Luis Fernando Ribeiro de Carvalho, do Rio de Janeiro, publicou um artigo no jornal O Globo dizendo que as regras de condução do Conselho Nacional de Justiça não contribuem para o aperfeiçoamento da Justiça como se imaginava. O senhor concorda?
Elliot Akel — A criação do CNJ foi importante, mas às vezes eu acho que o CNJ extrapola o que sempre se entendeu que deveria ser sua área de atuação. Houve períodos em que isso ocorreu de forma mais pronunciada, agora a situação melhorou um pouco. Vou exemplificar. O CNJ traça as metas que devem ser observadas na administração do Judiciário. A realidade de São Paulo e a do Acre são totalmente diferentes, a única semelhança é que os juízes dos dois estados devem julgar bem e rápido. Um juiz de São Paulo dá milhares de sentenças em um ano, e um juiz do Acre não dá na vida inteira o número de sentenças que o juiz paulista dá em um ano.

ConJur — A intromissão prejudica o Judiciário?
Elliot Akel — O CNJ proibiu o Judiciário de utilizar funcionários cedidos pela prefeitura, e determinou a devolução dos servidores. Em São Paulo, há milhões de execuções fiscais municipais, que representam 90% das execuções fiscais do estado. Os prefeitos desovam as execuções principalmente no ano anterior à eleição, para não cair na Lei de Improbidade Administrativa, e os funcionários municipais estavam sendo utilizados exatamente no processamento das execuções fiscais municipais. O TJ-SP teve de devolver os servidores, o que causa um trauma grande.

ConJur — O CNJ também interfere nos concursos?
Elliot Akel — O CNJ atrasou a conclusão do ultimo concurso para magistratura em um ano, e o Tribunal está com falta de juízes no interior. Qual foi a razão? Aqui em São Paulo, normalmente os candidatos passam por uma primeira prova escrita, depois uma prova escrita dissertativa, exame oral, uma entrevista que não é classificatória, exame psicotécnico e psiquiátrico. O CNJ entendeu que não poderia ter ocorrido a entrevista. Ela é feita desde que existe concurso público para juiz em São Paulo. O contato do examinador com o candidato e importante, para ver a postura.

ConJur — Como resolver isso?
Elliot Akel — Eu acho interessante estabelecer diretrizes gerais de administração do Judiciário. O problema é quando também o CNJ começa a julgar, a entrar no campo jurisdicional. Assim como a corregedoria não pode entrar no campo jurisdicional, eu acho que o CNJ também não pode. Nem no campo do Legislativo. O CNJ às vezes legisla e executa. Mas eu acho importante a função do CNJ.

ConJur — O senhor pretende aumentar o contato com a corregedoria nacional?
Elliot Akel — Sem dúvida. Eu admiro o ministro Francisco Falcão, que não é midiático. Eu acho que deve haver esse contato, para resolver situações como quando o corregedor busca uma atitude um pouco mais efetiva e sofre ameaça de representação no CNJ.

ConJur — Alguns cartorários afirmaram que durante a gestão passada, faltou contato com os advogados, e isso causou a divergência sobre o provimento da conciliação e mediação, por exemplo, que era benéfico para todos. O senhor concorda?
Elliot Akel — Eu me reuni com as associações representativas dos cartórários dias atrás, e eles disseram isso. Com relação à conciliação extrajudicial em cartórios, eu sou a favor da desjudicialização dos conflitos, porque toda forma de desjudicializar o conflito é sempre mais conveniente, acaba com o litígio. Mas sou contra a cartoriarização dos conflitos, o inchaço da atividade cartorária não se justifica como forma de desjudicializar.

ConJur — Então é válido o incentivo à conciliação?
Elliot Akel — A transação é um meio de extinção da obrigação, um negócio jurídico. Duas pessoas capazes podem transacionar quando quiser, sem precisar ir ao Judiciário. Elas podem celebrar entre si um acordo e reduzir ele a termo, por instrumento particular ou público. Se for público, vão para o cartório e lá fazem uma escritura. A minha preocupação em relação à conciliação extrajudicial passa pela existência de pessoas capacitadas no cartório para fazer a mediação, porque uma mediação mal feita pode aumentar o conflito.

ConJur — Além de não resolver, cria mais problemas?
Elliot Akel — Uma conciliação feita por pessoa sem capacitação pode criar um problema muito maior, que deverá ser resolvido depois. Quando era juiz de primeira instância, eu conseguia muitos acordos na audiência, mas sempre fazia questão de ouvir as partes, ditar os termos do acordo e perguntar: “É isto?”. Porque eu sabia o que eu tinha que colocar ali no termo de transação, para evitar problemas na execução. Eu pedi ao colégio notarial a relação das unidades cartorárias em que há escrivão, substituto ou preposto capacitado em curso reconhecido de conciliadores e mediadores. A primeira estimativa é de cerca de 400 unidades, o que significa que não há profissional capacitado em todas.

ConJur — A advocacia já foi informada?
Elliot Akel — Realmente houve esse distanciamento com relação aos advogados e eu estou procurando resolver isso. Os advogados se sentiram alijados da conciliação, porque a conciliação no cartório não exige a presença deles advogado. Então, aí são dois lobbys. A mim isso não afeta, porque comigo lobby não funciona. Mas de um lado há o interesse dos advogados, de não perder mercado de trabalho, e de outro lado o interesse dos notários, de ter um campo de atuação maior. Eu acho que isso dá para ser conciliado, porque os cartorários estão inclusive dispostos a alterar a sistemática para incluir a advocacia.

ConJur — Como está a situação da distribuição em cartórios?
Elliot Akel — A lei não permite a distribuição. Quando foi corregedor o desembargador Luiz de Macedo, os cartórios de registro de títulos e documentos da capital fizeram um acordo e pediram ao corregedor a criação da Central de Distribuição de Títulos. Por conta da unanimidade, o desembargador aprovou. Em 2011, o desembargador Maurício Vidigal, que era o corregedor, baixou outro provimento, mantendo a distribuição, mas a parte interessada poderia procurar o cartório que preferisse, sem compensação. O Nalini baixou, depois, um provimento admitindo a compensação de títulos, mas não de valores.

ConJur — E a questão chegou a Brasília?
Elliot Akel — A associação dos notários entrou com um Pedido de Providências no CNJ, que acolheu o pedido e liberou a compensação. A Associação dos Advogados de São Paulo foi ao STF, e o ministro Ricardo Lewandowski acolheu o Mandado de Segurança em caráter liminar, suspendendo os efeitos da decisão do CNJ. A portaria do Nalini transcreve ipsis literis o dispositivo do acórdão do CNJ que teve a eficácia suspensa pela liminar do STF. Eu decidi, então, revogar a portaria e restabelecer o provimento do desembargador Mauricio Vidigal, que valida a distribuição, mas não impede que a parte se dirija ao cartório que quiser. Essa é uma atividade pública exercida por órgão privado, por delegação do poder público. Se o valor é igual, a competição, a concorrência, dependem da qualidade do serviço, do atendimento.

ConJur — Desembargador, porque há tantos problemas com cartório no Brasil?
Elliot Akel — A situação hoje é muito melhor. Todos os notários e registradores habilitados em concurso são bacharéis em Direito. Eles passam por um concurso muito difícil, porque a concorrência é muito grande, já que o retorno financeiro também é muito grande. A tendência é de evolução e de profissionalização da atividade.

ConJur — É preciso rever o entendimento do que caracteriza impedimento ou suspeição?
Elliot Akel — O direito é uma coisa dinâmica, uma coisa viva, e as causas de impedimento e suspeição estão previstas. Algumas expressões da lei são ambíguas, conceitos legais indeterminados. Por exemplo, a lei fala em amigo íntimo ou inimigo figadal. O que é amizade íntima? O que é um inimigo figadal? Não é uma pessoa com quem eu não simpatize. E hoje, por exemplo, existe o amigo virtual. Um amigo virtual tem que estar no Facebook? Eu estou até pensando em sair do Facebook para evitar esse problema.

ConJur — O desembargador é a favor de audiências por Skype, como faz a ministra do STJ Nancy Andrighi?
Elliot Akel — Eu acho que no caso do STJ, que julga processos do Brasil inteiro e questões apenas e exclusivamente de Direito, é válido. Porque é razoável que um advogado de Manaus fale com a ministra pelo Skype, sem ter que se locomover. Mas em uma comarca, tem que existir o contato direto com o juiz. Atender o advogado pelo Skype tudo bem, mas me preocupa a generalização, interrogar réu e testemunha por Skype.

ConJur — Qual é a vantagem do contato pessoal?
Elliot Akel — Eu sempre fui juiz cível. Nunca fui adivinho, mas acho que sei, olhando para a testemunha, dizer se ela está mentindo, separar isso da timidez e perceber se ela está falando a verdade. Esse olho no olho eu acho importante.

ConJur — A informatização do Judiciário pode impulsioná-lo a ser mais eficiente?
Elliot Akel — Toda novidade enfrenta uma reação inicial. Quando foi implantado o processo digital na Seção de Direito Privado, a reclamação foi geral. Eu inclusive interpelei um juiz que assessorava a presidência para perguntar se o nosso equipamento era obsoleto para isso. Realmente era, mas a situação melhorou depois. Eu sou meio antenado com os avanços da informática, e gosto do processo digital. No começo, é difícil ler um processo inteiro na tela do computador, algo que fica mais fácil com determinadas táticas, como o sistema de marcadores, que chama sua atenção para determinadas partes do processo.

ConJur — Como está a implantação na primeira instância?
Elliot Akel — A Corregedoria já pode socorrer a primeira instância por meio digital, sem precisar ir até a vara ou cartório, dando o suporte à distância. Diariamente, a Corregedoria recebe dezenas, centenas de consultas de juízes, diante de alguma dificuldade, sobre como devem proceder, o que fazer no processo digital, porque os magistrados não têm para quem perguntar.

ConJur — O juiz precisa passar o dia inteiro no fórum?
Elliot Akel — Não. Eu estou baixando uma recomendação para que, na medida do possível, o juiz permaneça no fórum entre 13h e 19h. O juiz que mora fora da comarca deve cumprir período entre 11h e 19h, mas não existia qualquer recomendação para o juiz que reside na comarca. Eu estou propondo um tratamento igual, e recomendo a partir das 13h porque não é possível constranger o juiz a almoçar fora de casa. Se ele chega às 13h, seja na capital, seja no interior, ele teve tempo de almoçar em casa. Das 13h às 19h está de bom tamanho, porque o juiz não trabalha só no fórum.

ConJur — É regra que o juiz de primeira instância more na comarca?
Elliot Akel — A regra impõe, mas é possível excepcionar. Existe um Provimento do CNJ admitindo e existe uma resolução do TJ-SP admitindo. Quando é feito o pedido, a Corregedoria emite um parecer, levando em conta a distância entre as comarcas, que deve ser de até 50 quilômetros, a produtividade, se o juiz tem processos em atraso, se ele leciona e se há estrada ligando as duas comarcas. O caso vai para um desembargador que integra o Órgão Especial, ele dá seu voto e o Órgão Especial decide, sendo que 90% das solicitações estão sendo acolhidas.

ConJur — Existe limite para o magistério?
Elliot Akel — Existe, são 20 horas por semana, sem limite do número de instituições. Não há limitação em relação às escolas dos Tribunais, como a Escola Paulista da Magistratura, porque o juiz pode participar como formador nas escolas dos tribunais, portanto a carga dele pode eventualmente superar isso.

ConJur — E há uma recomendação para que ele fique na mesma cidade, na mesma circunscrição?
Elliot Akel — Não. Mas para dar aula, o juiz deve pedir autorização da Corregedoria e apresentar o plano de aulas. Então, se ele deve estar na comarca às 19h, não tem como começar a aula meia hora depois em uma cidade a 60 quilômetros de distância. Para dar a autorização, a Corregedoria faz um levantamento estatístico, analisa se há processo em atraso, a distância entre o lugar que ele vai dar aula e o fórum, o horário em que dará aula. As informações vão para o vice-presidente do TJ-SP, que é o relator perante o Conselho Superior da Magistratura.

ConJur — O TJ-SP foi visto durante muitos anos como muito formalista. O senhor acha que isso está mudando?
Elliot Akel — Sim. Eu lembro como era o TJ-SP com 25 desembargadores, depois passou a 36, foi aumentando e chegou a 360. Isso provoca uma democratização. A carreira é hierarquizada, existe uma primeira instância, uma segunda instância e, dentro dela, um órgão com poder delegado, o Órgão Especial. Além da presidência, vice-presidência, corregedoria e do órgão de cúpula, o Conselho Superior da Magistratura. Hierarquizado não significa afastado, ou de costas para os demais, mas ela a hierarquia existe e deve ser observada. É impossível um Judiciário totalmente equalizado, isso não seria humano.

ConJur — É viável que os juízes de primeira instância participem da eleição para os cargos de direção do TJ-SP?
Elliot Akel — Isso não depende do tribunal, e sim de uma lei mas, particularmente, eu sou contra, e não porque queira uma reserva de poder para os desembargadores. Eu fui promotor por três anos, conheço o Ministério Público por dentro. A eleição direta fez muito mal para o MP, politizou a questão. No projeto que tramita na Câmara dos Deputados a eleição é direta, exceto para corregedoria. Como um juiz que ingressou há dois anos vai conhecer os candidatos aos órgãos de direção do Tribunal?

ConJur — Se vier de Brasília, não há como evitar?
Elliot Akel — Se for lei federal não há. Como, por exemplo, a eleição de metade do Órgão Especial, algo que foi bom, arejou o Órgão Especial, que eu integro já há anos, mas por antiguidade. A eleição arejou, trouxe nova força.

ConJur — O senhor se aposenta em outubro de 2015, dois meses antes de terminar o mandato. O que vai fazer depois? Pretende atuar como advogado?
Elliot Akel — Não. Eu me aposentei como professor, mas tenho a minha cadeira, apenas pedi afastamento por dois anos, e a cada dois anos, renovo o pedido. Lecionei durante décadas na Unifieo, de Osasco, e me afastei quando morreu o reitor, professor Luis Carlos de Azevedo, de quem eu gostava muito. Talvez eu escreva, tenho um curso de Direito Civil que está pronto há muitos anos, mas que precisa ser atualizado, revisado.

ConJur — O que o senhor pensa sobre a decisão da OAB, que está suspensa, de estender a quarentena a todos os advogados do escritório em que o juiz aposentado trabalhar?
Elliot Akel — Isso é absurdo, é inconstitucional, porque significaria impor uma penalidade sem qualquer irregularidade. Para mim, não faz a menor diferença se o advogado é ou não um desembargador aposentado. Por isso que eu não penso em advogar, sou contra usar o desembargador aposentado para ter acesso ao gabinete, fazer dele um portador de memorial, acho deprimente.

ConJur — Não parte-se da presunção de desonestidade?
Elliot Akel — Eu recebia todos os advogados que queriam falar comigo, e nunca foi alegada a minha suspeição. Uma vez, um advogado me disse que era uma enorme desvantagem ser meu amigo, porque eu era muito mais rigoroso com os amigos do que com aqueles que não são. Isso é uma tendência normal do juiz. Como ele quer mostrar sua isenção, é muito mais rigoroso com os amigos do que com os desconhecidos.

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