Desequilíbrio federativo

Composição da Justiça Eleitoral precisa de mudanças

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19 de fevereiro de 2014, 8h33

Conforme os ensinamentos do Ministro Mário Guimarães, “o poder de julgar pertence à nação, que o exercita por meio de seus juízes. Chama-se a esse poder — jurisdição.”

A organização do Poder Judiciário está disciplinada nos artigos 92 a 126 da Constituição Federal. Seguindo a forma federativa clássica, pode ser classificado, basicamente, em federal e estadual. A Justiça Federal, por sua vez, pode ser classificada em comum e especial. Pertencem a esta última categoria a Justiça Eleitoral, do Trabalho e Militar.

A Justiça Eleitoral foi fruto da Revolução de 1930, tendo sido criada, em 1932, visando a moralizar as eleições e a evitar as práticas antidemocráticas, existentes até então. É, portanto, a guardiã do regime democrático adotado constitucionalmente, tendo como escopo permitir a realização de eleições livres e legítimas, sendo fundamental à ordem democrática e essencial ao Estado de Direito.

Nasceu inserida na estrutura federal, entretanto, à época, como ainda não havia sido criada a Justiça Federal, o que só ocorreu em 1966, os juízes estaduais exerciam a competência federal por delegação, incluindo a função eleitoral.

Não conta com quadro próprio de magistrados e servidores e, a despeito de já criada a Justiça Federal, estruturada e em condições de exercer a função eleitoral, até hoje, esta continua a ser desempenhada pelos juízes estaduais, em primeira instância.

De se ressaltar que parte da doutrina e jurisprudência reconhecem, expressamente, o caráter federal da Justiça Eleitoral. Nesse sentido, merece destaque o voto do ministro Marco Aurélio no pedido formulado pela Ajufe e outras associações perante o Tribunal Superior Eleitoral (Petição 332-75.2011.6.00.0000), bem como o voto do ministro Gilson Dipp, que, a despeito de desfavorável ao pleito, reconhece ter a Justiça Eleitoral relação unívoca com a Justiça Federal.

No tocante à segunda instância, existe um Tribunal Regional Eleitoral na capital de cada Estado da Federação, composto da seguinte forma: dois desembargadores do Tribunal de Justiça; dois juízes, escolhidos entre os juízes de direito, pelo Tribunal de Justiça; um juiz do Tribunal Regional Federal; dois juízes nomeados pelo Presidente da República (o que reafirma o caráter federal da Justiça Eleitoral), escolhidos entre os advogados, a partir de lista sêxtupla elaborada pelo Tribunal de Justiça.

Ou seja, dos sete membros dos Tribunais Regionais Eleitorais, quatro decorrem de escolha direta do Tribunal de Justiça, e dois, embora nomeados pelo Presidente da República, têm origem em lista também elaborada pelo Tribunal de Justiça, resumindo-se a participação da Justiça Federal com apenas um juiz, o que já revela, de plano, um desequilíbrio na composição de tais tribunais.

Há, portanto, atualmente, uma concentração excessiva da gestão dos processos eleitorais nas estruturas estaduais, na medida em que um único tribunal é responsável pelo preenchimento, ainda que indiretamente, de seis, dos sete membros.

Frise-se que a Justiça Eleitoral é federal, o que reforça ainda mais a necessidade de se corrigir o déficit da participação da Justiça Federal na composição dos TRE’s.

Como é cediço, a Constituição Federal preserva o princípio da composição plural dos órgãos judiciais, mesmo em hipóteses não previstas expressamente no art. 94, que consagra a regra do quinto constitucional.

O constituinte partiu da premissa de que o trabalho em conjunto de profissionais que atuam em diferentes áreas do Direito permitirá uma maior troca de experiências, de forma que essa participação plural propicia a legitimação das decisões judiciais.

Se, por um lado, é salutar e é a intenção do constituinte a composição heterogênea dos tribunais pátrios, não há, por outro, qualquer justificativa, com amparo na Constituição Federal, para que a Justiça Eleitoral permaneça concentrada nos tribunais estaduais.

Obviamente, guardadas as devidas proporções, admitir a composição desproporcional da Justiça Eleitoral, com o flagrante déficit de participação da Justiça Federal, gerando um desequilíbrio dentro de um órgão do Poder Judiciário, seria o mesmo que se admitir, no Poder Legislativo, que um Estado pudesse ter mais Senadores que outro, ou pudesse eleger um número desproporcional de Deputados.

Além disso, importante notar que, ao contrário do que ocorre na composição de outros tribunais, não há previsão de participação dos membros do Ministério Público e tampouco são os próprios advogados os responsáveis por elaborar a lista sêxtupla.

Encontra-se tramitando no Congresso Nacional a PEC 31/2013, que propõe a alteração dos artigos 119, 120 e 121 da Constituição Federal, para, dentre outras modificações, que a própria OAB participe da escolha dos juízes que farão parte do TSE e TRE’s e para que se amplie a composição dos TRE’s de sete para nove membros, incluindo a participação de mais dois juízes federais.

As estatísticas mostram um aumento significativo nos processos que tramitam nos TRE’s, o que justifica sua ampliação.

Assim, a PEC 31/2013 corrigiria as distorções hoje existentes, permitindo uma maior participação da Justiça Federal na composição dos TRE’s.

A partir do momento em que houver uma composição dos tribunais de forma mais heterogênea e proporcional, sem sombra de dúvidas, haverá a garantia de um julgamento mais transparente e consentâneo com os ditames constitucionais, com o fim último de assegurar o exercício da democracia.

É fundamental que a nação, verdadeira detentora do poder de julgar, tome conhecimento da distorção existente atualmente na Justiça Eleitoral e fique atenta à necessidade de mudanças, não se deixando levar por argumentos superficiais de que a referida Emenda Constitucional permitirá a ingerência indevida da OAB no processo de escolha de dois juízes ou que retirará a competência dos juízes estaduais.

E isso não é tudo. Outras mudanças são necessárias, mas, se aprovada a PEC 31/2013, daremos um grande passo à frente.

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