Lei Anticorrupção

A definição de agentes públicos dada pela Lei 12.846

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14 de fevereiro de 2014, 7h33

Na sistemática da Lei 12.846/13, adotou-se a responsabilidade objetiva de quem cometer uma ou mais infrações das espécies descritas na lei, inclusive. Convém explorar quem são agentes públicos para fins de aplicação da Lei.

Agentes públicos estrangeiros têm uma definição clara no parágrafo 3º do artigo 5º da Lei 12.846/13: “quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos, entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro, assim como em pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais”[1].

A compreensão de quem seriam os agentes públicos brasileiros exige uma interpretação do mesmo parágrafo 3º do artigo 5º, bem como do ofício EMI 00011 2009 — CGU/MJ/AGU, de 23 de outubro de 2009[2], que submeteu à consideração da Presidência da República uma proposta de regulamentação da matéria, ou anteprojeto. Veja-se o seguinte trecho do Parágrafo 6 de aludido ofício:

“(…) Observe-se que a Administração Pública aqui tratada é a Administração dos três Poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário – em todas as esferas de governo – União, Distrito Federal, estados e municípios -, (…).

Infere-se, portanto, que agente público nacional seria quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos ou entidades da União, Distrito Federal, estado ou município, assim como em pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pela União, Distrito Federal, estado ou município. Neste contexto e sujeito a críticas e estudos aprofundados, todos os empregados de empresas controladas pela União, Distrito Federal, estados ou municípios poderiam ser considerados agentes públicos!

Ora, e onde estão candidatos a cargos eletivos, partidos políticos e quadros de partidos políticos, nacionais ou estrangeiros? Tomando-se como verdadeira a premissa — a partir de notícias veiculadas na imprensa em 2013 — de que a maioria dos casos de corrupção no Brasil está relacionada a eleições, candidatos a cargos eletivos, partidos políticos e quadros de partidos políticos foram deixados de fora do âmbito de aplicação da lei? Estariam candidatos a cargos eletivos, partidos políticos e quadros de partidos políticos implícitos? Estariam eles sempre cobertos pela inclusão de “terceira pessoa”, relacionada a agente público?

A Lei não prevê explicitamente que serão ilícitas aquelas condutas praticadas antes de uma pessoa se tornar agente público.

O que fazer na ausência de clareza da lei?
Na ausência de clareza da lei quanto à inclusão ou não de candidatos a cargos eletivos, partidos políticos e quadros de partidos políticos no conceito de agentes públicos — bem como da tão esperada regulamentação da Lei 12.846/13 na esfera federal[3] —, caberia à iniciativa privada tomar a dianteira e adotar “mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades” e promover “a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica” (do inciso VIII do Artigo 7º da Lei 12.846/13)?

Se sim, como?

Partindo-se da premissa que a intenção da lei é criar uma cultura nacional de combate à corrupção — ou cultura de compliance —, a partir das empresas sujeitas à Lei 12.846/13, nada mais acertado do que a iniciativa privada participar, desde a primeira infância da lei, regulamentada ou não, adotando uma interpretação extensiva do conceito de agente público, para que independente do texto da lei estejam proibidas vantagens ou outras condutas praticadas em favor, a ou em benefício de candidatos a cargos eletivos, partidos políticos e quadros de partidos políticos, antecipando-se, inclusive, à esperada decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em uma iniciativa mais do que louvável.

Dificilmente idênticos “mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades”, adotados por toda e qualquer empresa sujeita à Lei 12.846/13 — e este ponto mereceria um artigo à parte —, permitirão efetividade em todos os casos. Da mesma forma, estarão apenas aparentemente protegidas e pouco ou nada contribuirão para uma melhoria da percepção sobre corrupção no Brasil — quiçá para que o Brasil receba uma classificação melhor no ranking da Transparency International do que a 71ª posição, atribuída ao final de 2013 — aquelas empresas, subsidiárias de multinacionais, que se limitem a “transplantar” para o Brasil os seus mecanismos e procedimentos internos considerados eficazes à luz de direito estrangeiro, mesmo porque o que pode ser eficaz no mundo anglo-saxão, por exemplo, pode não ter sentido lógico aqui, sob pena de ineficácia ou até incentivo para o errado.

Deverão estar em vantagem, de qualquer forma, aquelas empresas que tomarem a iniciativa de se antecipar à regulamentação da Lei 12.846/13 no âmbito federal, adotando mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades que podem até ser inspirados em documentos oriundos do exterior, mas que não devem deles ser meras traduções.


[1] Curiosa a confusão entre “poder público”, como provável sinônimo de administração, e a União, estados (e Distrito Federal) e municípios. Por óbvio que se quis dizer, aqui, que poder público significa não a administração e sim o equivalente à nossa União, estados (e Distrito Federal) ou municípios.
[2] Disponível em http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=130589&tp=1 (data de acesso: 27 de novembro de 2013).
[3] No âmbito estadual, o Estado de São Paulo, por exemplo, editou o Decreto 60.106, de 29 de janeiro de 2014, regulamentando a lei, mas limitando-se a, basicamente, disciplinar, em linhas gerais, (a) como serão instaurados e julgados processos no âmbito estadual, (b) a atribuição de poderes para celebração de acordos de leniência por parte do Estado a determinados cargos e (c) a criação de um Cadastro Estadual de Empresas Punidas, deixando, infelzimente, de abordar a questão dos candidatos e partidos.

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