Processo Novo

Recursos "prematuros” e jurisprudência defensiva

Autor

  • José Miguel Garcia Medina

    é doutor e mestre em Direito professor titular na Universidade Paranaense e professor associado na UEM ex-visiting scholar na Columbia Law School em Nova York ex-integrante da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015 advogado árbitro e diretor do núcleo de atuação estratégica nos tribunais superiores do escritório Medina Guimarães Advogados.

10 de fevereiro de 2014, 7h00

Spacca
Tenho dedicado vários textos publicados na coluna Processo Novo, aqui na revista eletrônica Consultor Jurídico, ao debate de questões relacionadas àquilo que se convencionou chamar de jurisprudência defensiva.

Como disse o ministro Humberto Gomes de Barros, então presidente do Superior Tribunal de Justiça, jurisprudência defensiva é postura “consistente na criação de entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhe são dirigidos”.

A definição fala por si: as manifestações de jurisprudência defensiva ou não têm base legal, ou decorrem de interpretação distorcida do texto da Lei.

Tal é o que ocorre com a orientação firmada no Enunciado 418 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual é “inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”. A jurisprudência, a respeito, é implacável: considera indispensável a ratificação do recurso interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, qualquer que seja o resultado do julgamento deste recurso.

É certo que, como já se decidiu, a decisão que julga os embargos de declaração, ainda que para rejeitá-lo, integra a decisão embargada. No entanto, é evidentemente injustificável a exigência de ratificação, se não houve qualquer alteração na decisão embargada.

Esse aspecto foi destacado em julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal. Em 2009, no julgamento da Ação Rescisória 1.668, o ministro Cezar Peluso chamou a atenção para o erro. Como disse ele, daquele que não interpôs embargos de declaração não se deve exigir a ratificação do recurso, após a rejeição dos embargos de declaração interpostos por outrem. Tal orientação veio a ser posteriormente confirmada pelo Supremo em 2013, no julgamento Agravo Regimental em Recurso Extraordinário 680.371, ao qual se seguiu, no mesmo sentido, o julgamento do Agravo Regimental em Recurso Extraordinário 740.688.

A despeito dessa boa evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema, no Superior Tribunal de Justiça continuou a preponderar o entendimento contrário, antes referido.

Há, aqui, problemas de duas ordens: de um lado, o criticável entendimento consolidado no mencionado enunciado sumular; de outro, a discrepância entre as orientações dominantes nos dois tribunais, a respeito do tema, o que em nada contribuiu para a construção de uma jurisprudência íntegra.

Diante disso, é elogiável a intenção dos ministros do Superior Tribunal de Justiça, recentemente noticiada, de aperfeiçoar o entendimento veiculado no Enunciado 418 da sua súmula. Espera-se que haja alinhamento entre os entendimentos desse tribunal e do Supremo, para se exigir nova manifestação daquele que interpôs outro recurso antes da oposição de embargos de declaração pela outra parte apenas se, com o julgamento deste recurso, houver alguma modificação da decisão embargada. Essa, aliás, é também a orientação adotada pelo projeto de novo Código de Processo Civil.

Paralelamente a esse problema, há aquele relacionado ao recurso considerado “prematuro” por ter sido interposto antes da publicação da decisão impugnada. A jurisprudência majoritária é no sentido de que o recurso assim interposto é intempestivo, mas há julgados bem fundamentados que adotam orientação contrária (cf. decidiu o STJ há quase 10 anos, orientação reiterada em julgado recente) e que nos parece correta. Afinal, se a parte teve, por outro meio —consulta aos autos ou ao site do tribunal, por exemplo —, conhecimento do teor do julgado contra o qual pretende recorrer, o objetivo da futura publicação já foi alcançado, e não há motivo jurídico para considerar intempestivo o recurso interposto antes da publicação da decisão.

A noticiada intenção dos ministros do Superior Tribunal de Justiça de alterar o entendimento hoje contido no Enunciado 418 da Súmula do referido tribunal representaria, sem dúvida, um avanço, e poderia repercutir quanto a outras orientações injustificáveis, como a acima referida, relacionada à tempestividade do recurso interposto antes da publicação da decisão.

Embora muito pequeno, esse seria um importante passo no sentido de se mitigar a jurisprudência defensiva.

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