Fé pública

Guardar moeda falsa não atrai princípio da insignificância

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10 de fevereiro de 2014, 10h41

O princípio da insignificância não pode ser aplicado ao crime de guardar moeda falsa. Afinal, o principal bem jurídico tutelado é a fé pública, que consiste na segurança que a sociedade deposita em relação à moeda e à circulação monetária. Sob a batuta deste entendimento, a 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve a condenação de um homem flagrado na posse de nota falsa de R$ 50, no município de Caxias do Sul.

Condenado no primeiro grau e com a decisão mantida em sede de Apelação, por maioria, o autor tentou virar o jogo, ajuizando Embargos Infringentes e de Nulidade. Queria a prevalência do voto minoritário que considerou sua conduta atípica, apoiado em precedente julgado pelo ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal.

O relator dos embargos, juiz federal convocado José Paulo Baltazar Junior, escreveu no acórdão que, à exceção de Barbosa, a jurisprudência do STF é firme no sentido de não reconhecer o princípio da insignificância nos crime de moeda falsa. Citou os Habeas Corpus 105.638, relatado pela ministra Rosa Weber; 107.171, pelo ministro Dias Toffoli; 96.080, pela ministra Cármen Lúcia; 112.708, do ministro Ricardo Lewandowski; e 97.220, da lavra do ministro aposentado Ayres Britto.

‘‘A defesa alega que o réu não tinha a intenção de introduzir a cédula falsa em circulação, o que excluiria o dolo e, consequentemente, a tipicidade da sua conduta. Porém, no caso da guarda, o dolo é genérico, consistente na manutenção da moeda falsa em sua posse, ciente da sua falsidade, não se exigindo um fim específico, como a intenção de introduzí-la em circulação, ou dar-lhe outro destino’’, afirmou o juiz-relator, derrubando os embargos. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 23 de janeiro.

A denúncia
O fato que deu ensejo à denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal ocorreu no dia 27 de fevereiro de 2012, quando o autor foi flagrado pela polícia portando uma nota de R$ 50 falsa. Conforme o Inquérito Policial, que lastreou a denúncia do MPF, ele tinha ciência de que a nota não era autêntica.

Em sede policial, o autor explicou que a falsidade foi percebida pela caixa do mercado em que trabalhava. A funcionária solicitou-lhe que descartasse a cédula falsa, porém, em vez de colocá-la no lixo, resolveu guardá-la na carteira.

À Justiça, a defesa alegou que a cédula periciada não é a mesma que estava na posse do réu, pois estava rasgada e colada com fita adesiva — o que não foi mencionado no laudo. Sustentou, também, que o denunciado desconhecia a falsidade da cédula. Pediu desclassificação para o crime de estelionato — com a remessa do processo para a Justiça Comum, estadual — ou, em caso de condenação, reconhecimento de atenuante por confissão espontânea.

Sentença
A juíza Maria Cristina Saraiva Ferreira e Silva, da 5ª Vara Federal de Caxias do Sul, disse que a materialidade delitiva e a autoria estavam devidamente comprovadas nos autos, uma vez que o laudo pericial atestou a inautenticidade da cédula. A impressão é de qualidade tão boa que poderia se confundir, no meio circulante, com outras notas — destacou.

Para a juíza, a conduta descrita na denúncia, e comprovada nos autos pela acusação, amolda-se perfeitamente no tipo penal do artigo 289, parágrafo 1º, do Código Penal — guarda de moeda falsa. Neste sentido, caberia à defesa comprovar a forma privilegiada do parágrafo 2º do dispositivo legal, o que deixou de fazer. Diz o dispositivo: ‘‘Quem, tendo recebido de boa-fé, como verdadeira, moeda falsa ou alterada, a restitui à circulação, depois de conhecer a falsidade, é punido com detenção, de seis meses a dois anos, e multa’’.

Ademais, prosseguiu a magistrada, o tipo penal incrimina a conduta antecedente à introdução em circulação; ou seja, a simples conduta de guarda da nota falsa, se o agente tinha ciência da contrafação, já configura o crime.

‘‘Não cabe a desclassificação para o delito de estelionato, porque não se trata de falsificação grosseira. E, não sendo grosseira, fica mantida, consequentemente, a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento do feito, conforme entendimento jurisprudencial pacificado’’, escreveu na sentença.

Assim, o réu foi condenado a três anos de reclusão e dez dias-multa no valor de 1/30 avos do salário-mínimo, com cumprimento de pena no regime aberto. A pena privativa de liberdade, no entanto, foi substituída por restritivas de direitos, consistente em prestação de serviços comunitários ou a entidades públicas e pagamento de um salário-mínimo a entidade assistencial.

Apelação
Inconformada, a defesa do réu entrou com Apelação Criminal no TRF-4, tentando reverter a condenação. O relator do recurso, desembargador Leandro Paulsen, confirmou os termos da sentença, sendo seguido pelo colega Victor dos Santos Laus, da 8ª Turma.

‘‘Entendo comprovada não só a autoria, mas também a presença do dolo do agente, podendo se inferir da conduta do denunciado, que portava a cédula contrafeita em sua carteira, nada obstante a ciência da contrafação. A conduta de guardar a cédula falsa já configura a figura tipificada no parágrafo primeiro do artigo 289 do Código Penal, sendo prescindível o ânimo de colocá-la em circulação’’, repisou o relator no acórdão.

O desembargador João Pedro Gebran Neto abriu divergência, mas ficou vencido no julgamento. No seu entendimento, o processo não traz qualquer indicação de que a nota seria introduzida em circulação.

‘‘Se é certo que a modalidade guarda também é configurada como típica, não é menos correto afirmar que uma única cédula, não reintroduzida, não tem aptidão para ofender o bem juridicamente tutelado, que é a fé pública’’, argumentou Gebran, citando o pedido de trancamento de uma Ação Penal no STF, relatado em março de 2004 pelo ministro Joaquim Barbosa.

No ponto que interessa, eis o que diz o excerto da decisão no Habeas Corpus 83.526/CE: ‘‘(…) A apreensão de nota falsa com valor de R$ 5, em meio a outras notas verdadeiras, nas circunstâncias fáticas da presente impetração, não cria lesão considerável ao bem jurídico tutelado, de maneira que a conduta do paciente é atípica’’.

Perdida a causa nesta fase, a defesa do réu ingressou com Embargos Infringentes e de Nulidade na 4ª Seção do TRF-4, para fazer prevalecer o voto do desembargador Gebran. O colegiado, formado por magistrados da 7ª e 8ª Turmas, reúne-se na terceira quinta-feira do mês para uniformizar a jurisprudência em matérias de Direito Penal.

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