O clima, o aquecimento global e os trajes na Justiça
9 de fevereiro de 2014, 7h00
Com efeito, além da elevação do nível do mar, que avança em diversas cidades do litoral brasileiro, o calor asfixiante deste verão convence os mais resistentes. Em Curitiba, a mais fria das capitais de estados, a população enfrenta 35 graus à sombra. O estoque de ventiladores e aparelhos de ar condicionado esgotou-se nas lojas faz tempo.
Diante desta nova realidade não é de admirar-se que alguns Tribunais tenham flexibilizado o uso de paletó e gravata para os advogados. O site Consultor Jurídico relata que o TJ do Rio de Janeiro liberou paletó e gravata de 21 de janeiro a 21 de março. O TJ e o TRT do Espírito Santo aboliram o uso, exceto nas audiências (1ª instância) e sessões de julgamento nos tribunais. O TJ de São Paulo seguiu esta mesma linha, mas manteve a obrigatoriedade de calça e camisa social para os homens e “trajes adequados e compatíveis com o decoro judicial, para o sexo feminino” (sic).
São iniciativas tímidas, é verdade. Mas são tímidas exatamente porque todos têm dificuldade em saber qual é a melhor solução. Qual o ponto de equilíbrio.
Com efeito, por um lado o traje formal encontra o desafio do calor que aumenta a cada ano. E não é só isto. Os costumes também mudaram. A sociedade é mais informal, menos hierárquica. Não existem mais roupas para jovens ou idosos, todos se vestem de forma semelhante.
Do outro lado da moeda está a dificuldade em saber quais os limites do informalismo. E não apenas para advogados, mas sim para todos os que frequentam os Tribunais, seja qual for a instância. Abre-se mão integralmente da forma de vestir? É adequado o juiz presidir uma audiência de camisa polo? O advogado de jeans e sandália? Uma jovem testemunha de “macaquinho”? De bermuda? Um perito que compareça para prestar esclarecimentos em audiência de camiseta? E se for regata? Sim? Não?
Evidentemente, estamos diante de uma nova realidade social e temos dificuldade em estabelecer o razoável, a conduta que não desprestigie a Justiça nem seja um ônus pesado para os que frequentam os foros e tribunais.
A distribuição de Justiça é exercício de poder e, como tal, não pode ser exercido sem a visualização do papel de cada partícipe de seus atos. O melhor exemplo disto é o uso do martelo pelo juiz norte-americano, forma de impor silêncio no recinto.
As roupas sempre foram formas de definição do papel de cada um na sociedade. Registra o blog Virtual Memories que "os hábitos talares são conhecidos na cultura da orla mediterrânea desde as primeiras cidades-estado que se foram organizando na Mesopotâmia, Egipto, Povo Hebreu, cidades-estado da Hélade (Grécia) e Império Romano”.
Observa Lígia Marques que “queiramos ou não, a roupa que usamos é uma forma de código que nos identifica, e aos nossos iguais” (Os sete pecados capitais do mundo corporativo, Vozes, p. 94).
O uso de toga pelos juízes surgiu com a monarquia, como forma de demonstrar o poder em detrimento do feudalismo. Antoine Garapon ensina que “o negro da toga, a ausência de cor, simboliza pois a indiferença perante as cores da vida. É sinônimo de abnegação, de privação e de castidade. Remete para uma ideia de força não despendida, contida e, consequentemente, disponível” ( Bem Julgar. Ensaio sobre o ritual Judiciário, Instituto Piaget, p. 81).
Na Justiça do Brasil, os costumes variam conforme a região e também a personalidade dos atores judiciários. Regra geral mas não absoluta, juízes, agentes do MP e advogados usam paletó e gravata. Na segunda instância utilizam-se as togas (juízes) e as becas (MP e advogados). Servidores usam trajes menos formais. Partes e testemunhas vestem-se de acordo com os costumes da região.
Em alguns países encontrou-se boa solução para conciliar clima e roupas adequadas. Na América Central, no Caribe e no México usam-se as “guayaberas”, camisas brancas ou de cor clara, mangas compridas e bolsos grandes. Em cerimônias formais nos Tribunais elas são usadas pelas mais altas autoridades, equivalem a um traje de passeio completo.
Na China, após a Revolução Comunista de 1949, o traje formal passou a ser uma túnica de mangas compridas, gola Mao e abotoada de cima a baixo.
No Brasil, a única tentativa neste sentido foi de Jânio Quadros, que na presidência da República usava e determinou aos funcionários do Planalto o uso de slacks no verão. Este era um traje usado pelos ingleses na Índia e na África, consistente em calça e camisa de manga curta, de algodão, muito apropriado para clima quente.
Sintetizando, é possível concluir que os trajes formais, ternos escuros, paletó e gravata, já foram abolidos pela sociedade e permanecem apenas nos órgãos do Poder Judiciário, principalmente nos de cúpula, nos Bancos e no mundo corporativo. E mesmo nestes têm os seus dias contados.
Corretas, assim, as medidas tomadas pelo Poder Judiciário dos três estados do Sudeste, inclusive na forma tímida com que foram introduzidas. A cautela aí não significa temor de mudanças, mas sim um primeiro passo, um teste, para que costumes centenários sejam mudados. Desta prática é que sobrevirão alterações mais profundas, que são inevitáveis.
Afinal, a alteração do uso de trajes nos tribunais não é uma simples questão de aumento da temperatura. Este é o dado objetivo, o mais fácil. Mas há outros, subjetivos, muito mais complexos, envolvidos em dados psicológicos que nos são estranhos.
Finalmente, este é um tema a ser decidido por tribunais estaduais ou regionais, não sendo recomendável uniformização a partir de Brasília, seja por lei nacional, seja por ato do Conselho Nacional de Justiça. Apesar de a globalização estar uniformizando hábitos e pessoas, o Brasil tem um imenso território e ainda persistem diferenças regionais e climáticas. A tentativa do CNJ uniformizar o horário forense em todo o Brasil foi um fracasso.
Novos tempos, novos costumes. Adaptarmo-nos é o caminho certo, a regra de sobrevivência. O desafio é encontrar um ponto comum que concilie interesses diversos. Chegaremos lá.
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