Falha na vigilância

Banco tem de indenizar locatários de cofres roubados

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7 de fevereiro de 2014, 5h33

O contrato de aluguel de cofre bancário deve ser tratado como contrato de locação de serviços. Assim, o banco que não cumpre com a vigilância e a fiscalização devidas pode ser responsabilizado, não podendo se esquivar com base em cláusula que limite a responsabilidade da instituição — o que representa desvantagem excessiva do consumidor. Com base neste entendimento, a 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo deu parcial provimento à Apelação movida por três clientes de uma mesma família contra o banco Itaú. A decisão prevê o pagamento de R$ 650 mil por danos materiais e R$ 100 mil danos morais ao trio, com o valor sendo dividido de forma proporcional  ao prejuízo sofrido por cada um.

A família, que guardava bens pessoais em um cofre da agência na Avenida Paulista, teve os itens roubados durante o assalto em agosto de 2011 e foi à Justiça após o Itaú afirmar que pagaria apenas R$ 15 mil, valor padrão de garantia. Em primeira instância, o pedido de indenização foi julgado improcedente, motivando a Apelação ao TJ-SP. Os proprietários do cofre afirmam que as joias mantidas no local foram transferidas de geração em geração e muitas são presentes dados em ocasiões especiais. O cofre foi escolhido há décadas para guardar os itens, com os contratos sendo renovados periodicamente. A última assinatura, de acordo com a família, data de 1991, 20 anos antes do roubo e quando o país possuía outra moeda.

O depósito unilateral de R$ 15 mil foi rejeitado porque, de acordo com a família, o montante é inferior ao valor unitário de algumas das joias guardadas no local. A Apelação também fala em responsabilidade objetiva do Itaú, uma vez que funcionários da empresa estariam envolvidos no crime, e critica a postura do banco, que “nunca permitiu que seus clientes declarassem ou demonstrassem os bens depositados nos cofres”. Isso impediu a descrição material de todos os bens que estavam no cofre. A família apontou ainda que o fato de o contrato vigente ter sido firmado em outra moeda impede “ao homem médio aferi-lo prontamente, bem como, que é necessária a interpretação das cláusulas da maneira mais favorável ao consumidor”.

Em sua argumentação, o Itaú apontou que houve boa-fé em todos os atos relacionados ao interesse público e de seus clientes durante a investigação. De acordo com o banco, “não houve participação de qualquer funcionário de seu quadro de pessoal na conduta criminosa”. Outro aspecto levantado foi a existência de uma cláusula que previa a possibilidade de guarda de bens avaliados em até R$ 15 mil no cofre, sendo necessária a contratação de seguro para bens acima deste valor. A defesa do Itaú afirmou que “o dano apontado não teria ocorrido caso os apelantes tivessem cumprido as cláusulas avençadas” e questionou a falta de demonstração verossímil do dano moral que tal fato causou nos autores.

Tese
Relator do caso, o desembargador Carlos Henrique Abrão afirmou que houve falha do banco na prestação do serviço, o que justifica a necessidade de indenização. Para ele, houve “culpa in eligendo, em relação ao serviço terceirizado de segurança”. Segundo o relator, como a culpa do prestador de serviços é grave, não deve ter validade a cláusula que limita a garantia a R$ 15 mil, já que, de acordo com o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, são nulas as cláusulas de contratos que exonerem ou atenuem a culpa do prestador por vícios de qualquer natureza.

Abrão informou que o aluguel de cofres é feito apenas para clientes com bom relacionamento e alto poder aquisitivo, o que torna sem sentido o pagamento de R$ 820 de aluguel por semestre para guardar bens com valor máximo de R$ 15 mil. Para ele, tal cláusula “restringe direito fundamental inerente à natureza do contrato”, e seu conteúdo é ilegal. O contrato de aluguel, na visão do desembargador, deve ser visto como um modelo diferente, voltado a público seleto, e não como um acordo massificado, com cláusulas fechadas e ortodoxas.

Ele lembrou que o banco não tomou qualquer providência para minimizar os riscos de uma ação semelhante, mesmo sabendo que a agência passava por obras, deixando de avisar quem alugava as caixas sobre o evento, permitindo eventual retirada. Também foi feita uma relação entre a situação dos clientes e dos bandidos. Para Abrão, é “interessante se constatar que o cidadão de bem, que tenta ingressar em uma agência bancária, deve se submeter à sorte de uma porta giratória, enquanto uma quadrilha especializada pode entrar pela porta da frente, e também sair por ela, sem qualquer risco ou frustração, ciente de que o crime compensa”.

O relator classificou como "cláusula leonina” a restrição a R$ 15 mil do valor pago a clientes após o roubo de “todo o valor de uma vida”. Na visão dele, o Itaú não cumpriu seu papel duas vezes, pois não conseguiu proteger seus clientes e permitiu a revelação dos bens guardados dentro dos cofres. O conjunto de erros na vigilância e fiscalização, continuou, trouxe um prejuízo incalculável para os consumidores. Por entender que a culpa do banco descarta a limitação de responsabilidade, ele também refutou a tese de que caberia aos clientes contratar um seguro para os itens.

Em relação à quantidade e valor dos bens que foram guardados no cofre, Abrão afirmou que o banco preferiu que estes não fossem identificados, o que é comum em situações de total confiança, impedindo que se fale em inexistência dos bens. Ele citou o fato de os três autores possuírem grande patrimônio, como comprova a análise do Imposto de Renda, e disse que “devem ser aceitos os bens indicados na inicial, cumprindo ao juízo, a formação do seu livre convencimento”.

O prejuízo citado pelas vítimas do roubo, de acordo com o relator, foi de R$ 2 milhões, mas é impossível verificar se tal valor é exato, até porque o contrato é de 1991, e seria necessária sua atualização. Tomando como base o entendimento de que as joias estavam no cofre, o próprio juízo, a variação do preço do ouro e o fato de o prejuízo das partes ser diferente, ele determinou pagamentos de R$ 350 mil, R$ 170 mil e R$ 130 mil a título de danos materiais. Adotando a mesma lógica, Abrão dividiu a indenização por danos morais em R$ 50 mil à primeira vítima, R$ 30 mil à segunda e R$ 20 mil à terceira. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SP.

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