Processo Novo

Julgamento de casos repetitivos pode violar garantias

Autor

  • José Miguel Garcia Medina

    é doutor e mestre em Direito professor titular na Universidade Paranaense e professor associado na UEM ex-visiting scholar na Columbia Law School em Nova York ex-integrante da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015 advogado árbitro e diretor do núcleo de atuação estratégica nos tribunais superiores do escritório Medina Guimarães Advogados.

3 de fevereiro de 2014, 9h39

Spacca
Que fazer, quando indevidamente aplicado o regime de sobrestamento aos recursos extraordinário ou especial, nos casos previstos nos artigos 543-B, parágrafo 1.º e 543-C, parágrafo 1.º do CPC?

Sempre defendi, desde a alteração realizada no CPC pela Lei 11.418/2006 e, depois, pela Lei 11.672/2008, que seria cabível o agravo previsto no artigo 544 do CPC, em tal caso.

Esse entendimento, que ainda consideramos o correto, encontrava amparo no Enunciado 727 da Súmula do STF. A orientação retratada nesse Enunciado, porém, foi mitigada, ao menos nos casos em que o tribunal de origem determina o sobrestamento de recurso extraordinário.

De acordo com o artigo 328-A, parágrafo 1.º do RISTF (na redação da Emenda Regimental 23/2008), não apenas os recursos extraordinários ficam sobrestados se observada a hipótese prevista no parágrafo 1.º do artigo 543-B do CPC, mas também o agravo previsto no artigo 544 do CPC, se interposto contra decisão que sobrestou recurso extraordinário.

Essa mesma orientação vem sendo aplicada, mutatis mutandis, pelo Superior Tribunal de Justiça. A propósito, nesse Tribunal, a partir do julgamento da questão de ordem no Agravo 1.154.599/SP, firmou-se o entendimento de que não cabe o agravo previsto no artigo 544 do CPC não apenas na hipótese antes referida, mas, também, quando o Tribunal de origem não admite o recurso especial antes sobrestado, porque discordante da tese firmada pelo STJ, no julgamento do recurso especial selecionado (cf. artigo 543-C, parágrafo 7.º, I). O julgamento foi tomado por maioria, restando vencido o Ministro Teori Zavascki, à época Ministro do STJ.

Em tais casos, de acordo com o que têm decidido tanto o STF quanto o STJ, devem as partes valer-se de agravo interno, perante o próprio tribunal local. A questão, assim, acaba não podendo seguir a qualquer dos Tribunais Superiores.

Essa orientação tem graves conseqüências. Aqui, pretendo apenas mencionar duas delas.[1]

De um lado, ao não se admitir, em hipótese alguma, que lhes seja dirigido qualquer meio de impugnação contra a decisão que, equivocamente, determina o sobrestamento (artigo 543-B, parágrafo 1.º e artigo 543-C, parágrafo 1.º do CPC) ou não autoriza a subida (artigo 543-B, parágrafo 3.º e artigo 543-C, parágrafo 7.º, I do CPC) de recurso extraordinário ou especial, os Tribunais Superiores acabam criando embaraços, talvez intransponíveis, à revisão de orientações erradas, a respeito de determinada questão de direito.

Além disso, ao impedir que cheguem aos Tribunais Superiores recursos que versem sobre temas diferentes (indevidamente sobrestados), ou que, embora versem sobre o mesmo tema, veiculem fundamento autônomo, os Tribunais Superiores acabam violando o direito à diferença.

O direito ao tratamento isonômico previsto no artigo 5.º da Constituição também compreende o direito de ser considerado de modo particular, ou o reconhecimento do direito à diferença. Trata-se de um direito de ver respeitada a identidade. Viola-se o princípio ao se pretender dar tratamento isonômico a quem esteja em situação diferente.[2]

Essa percepção é relevante especialmente diante do movimento de julgamentos de teses jurídicas pelos tribunais superiores, com pretensão de resolução de grande quantidade de litígios de modo uniforme, o que somente pode ser admitido em se tratando de situações fático-jurídicas realmente idênticas.

Questões apenas semelhantes não são idênticas, mas diferentes (ainda que apenas um pouco diferentes), razão pela qual uma tese jurídica firmada em um caso particular poderá não ser aplicável aos casos que sejam tão somente parecidos, mas não absolutamente equiparáveis entre si, sob pena de violação ao princípio da isonomia.[3]

Cumpre à doutrina, ao invés de apenas capitular diante do que vêm decidindo os referidos Tribunais, apontar o erro, a fim de que a jurisprudência tome o rumo correto, que esteja acorde não apenas com o que dispõem os arts. 543-B e 543-C do CPC, mas, também, com o artigo 5.º da Constituição.


[1] Examino o assunto com mais vagar na obra Código de Processo Civil comentado, Ed. Revista dos Tribunais (3.ª ed. no prelo), bem como no livro Prequestionamento e repercussão geral – E outras questões relativas aos recursos especial e extraordinário, Ed. Revista dos Tribunais (7.ª ed. no prelo).

[2] Sobre o princípio da isonomia, escrevi na obra Constituição Federal comentada, Ed. Revista dos Tribunais (3.ª ed. no prelo).

[3] Sobre essa preocupação há poucas manifestações, nos Tribunais Superiores. A respeito, cf. voto vencido do Min. Teori Zavascki, mencionado no texto. Cf., também, no âmbito do STF, voto vencido do Min. Marco Aurélio, no julgamento do AgR na Rcl 9.540, que no sentido da admissibilidade de reclamação, “porque é possível o erro da Corte de origem quanto à observância do que decidido pelo Tribunal”.

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