Processo complexo

Sistema de ressarcimento do SUS tem baixa efetividade

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3 de fevereiro de 2014, 7h29

Aos 3 de junho de 1998, surgia a Lei 9.656, que regulamentou a atividade dos planos de saúde e, com ela, a obrigação das empresas operadoras ressarcirem os cofres públicos quando seus beneficiários utilizam do SUS. Seis meses após sua edição, o STF recebeu uma ação que visa declarar sua inconstitucionalidade (ADI 1.931), estando em vigor uma liminar que legitima a cobrança, mas, até hoje, o mérito não foi julgado. Desde então já se passaram mais de 15 anos e o presente texto pretende trazer algumas reflexões acerca da aplicabilidade da Lei 9.656/1998 ao longo desse período.

O processo de cobrança do ressarcimento ao SUS se inicia com uma triagem por parte da ANS que identifica entre os milhares de atendimentos do Sistema Único de Saúde os que foram feitos para usuários de plano de saúde. Então, as operadoras contratadas por esses pacientes são notificadas a arcar com os custos dos atendimentos. Após a notificação, há a possibilidade das empresas recorrerem a duas instâncias administrativas da ANS, o que pode levar anos.

Através de um interessante estudo, o IESS (Instituto de Estudo de Saúde Suplementar) apurou que, entre 1999 e 2006, 45,8% das cobranças administrativas foram canceladas por: (i) carência; (ii) ausência de cobertura contratual; (iii) homônimos; (iv) atendimentos fora da área de cobertura contratual. Esse percentual representou R$ 651,9 milhões, equivalente a apenas 0,13% dos gastos totais do SUS no mesmo período. Contudo, somente R$ 97 milhões foram recolhidos nesse período, valor equivalente aos gastos da ANS para fazer frente ao ressarcimento nesse período.

Caberia à ANS executar judicialmente o que não foi recolhido administrativamente, mas, por falta de estrutura, grande parte desse montante encontra-se prescrito e todos os trabalhos (e custos) administrativos foram em vão. A prescrição pode ocorrer também na forma intercorrente, caso o processo administrativo fique paralisado por mais de 3 anos, o que não é difícil acontecer.

O judiciário embora entenda que o ressarcimento é prescritível, não existe um consenso jurisprudencial quanto ao prazo: trienal (defendidas pelas OPS) ou quinquenal, mas a ANS já vem reconhecendo em muitos processos a prescrição quinquenal, contada da data do vencimento do pagamento do boleto, ao final do processo administrativo. Em outros casos, a ANS defende que a cobrança seria imprescritível, demonstrando antagonismo interno.

No final do ano passado, a ANS editou um parcelamento (Portaria 395/2013), que englobava os débitos vencidos e não executados até novembro de 2008, ou seja, prescritos por 5 anos. Concederam-se supostas vantagens através de descontos de 60% a 100% nas multas e de 25% a 45% nos juros. Nessa atitude desesperada de receber valores prescritos, a ANS desrespeitou os princípios constitucionais da moralidade (artigo 37) e da legalidade (artigo 5º, II), pois possivelmente várias empresas incorreram em erro de parcelar débitos extintos. Isso somente poderá ser revertido judicialmente, pois prevalece na jurisprudência o entendimento de que parcelamentos após a ocorrência da prescrição não tem o condão de retroagir como causa interruptiva.

Dentre as centenas de normas da ANS, existe a obrigação das operadoras de provisionar contabilmente e manter em contas vinculadas à Agência todos os valores referentes aos eventos e sinistros a liquidar, entre eles, o ressarcimento ao SUS, ainda que prescritos. Esse dinheiro fica indisponível para a operadora e sua única saída nesse caso é requerer judicialmente a ausência de obrigação legal de provisionar valores prescritos para ter liberadas essas quantias.

Esse complexo sistema possui pouca efetividade e eficiência e o dinheiro público envolvido nos custos operacionais poderia ser investido de forma direta no SUS, beneficiando a população, que é quem financia todos os gastos da ANS. Inclusive, os usuários de plano de saúde, que pagam seus impostos seja deforma direta (IR) ou indireta (consumo de bens e serviços) e não abrem mão de usar o SUS quando firmam um contrato privado.

Se enganam os que pensam que o ressarcimento ao SUS é pago pelas empresas, na verdade são os consumidores que arcam com o custo final, já que as operadoras são mantidas através das mensalidades pagas pelos usuários, para onde esse custo é transferido. Nas mensalidades também estão embutidas a alta carga tributária impostas às operadoras (ISS, IRPJ, PIS/COFINS), que servirá para compor os valores destinados ao SUS, que não é capaz de absorver o atendimento de aproximadamente 50 milhões de brasileiros que atualmente pagam para ter acesso saúde, desonerando o SUS.

Finalmente, há que se lembrar que o artigo 196 da CF garante que a saúde é direito de todos e dever do Estado, não podendo ser aceito que os usuários de plano de saúde ressarçam o SUS, ainda que indiretamente. Mas como pende de julgamento a ação citada no inicio deste texto, ainda há uma esperança de que a Justiça seja feita. 

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