Transparência & Desenvolvimento

É necessário fortalecer instituições para desenvolver o Brasil

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26 de dezembro de 2014, 11h19

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/FGV Direito SP. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

No dia 8 de dezembro passado, em continuidade aos trabalhos desenvolvidos pelo Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, recebemos Marcos Lisboa[1] para debater o tema “Desafios da Competitividade no Brasil”. A partir de uma abordagem neoinstitucionalista[2], sua exposição tratou dos entraves ao desenvolvimento econômico no país relacionando-os com a qualidade das instituições. A ideia central é entender as causas do atraso econômico e social do Brasil, explicando o fato de sermos um país pobre, sobretudo quando comparado com países da OCDE.

Na linha do seu artigo Brazil: Democracy and Growth[3], explora como as regras do jogo — leis, marcos legislativos, regras morais, condições econômicas, sistemas de tributação, leis trabalhistas — delimitariam o leque de escolhas dos indivíduos e influenciariam na produção geral de riquezas.

Até a década de 80, não se sabia ao certo o que fazia um país ser mais rico do que o outro. As hipóteses eram maior inovação tecnológica, mais e melhor investimento em educação, maior PIB, maior IDH, etc.

Após a II Guerra Mundial foram coletadas informações sobre mortalidade infantil, doenças, elementos macroeconômicos e de políticas públicas que, a partir de 1980, ficaram disponíveis em grandes bases de dados, cobrindo mais de 100 países. Os economistas passaram, então, a estudar o papel das instituições nas organizações econômicas.

A relação entre instituições e economia passa, necessariamente, pela questão da produtividade. Ou seja, busca-se produzir mais, com a mesma quantidade de recursos. Quando um setor é privilegiado[4], seus players invariavelmente produzem insumos mais caros e menos eficientes, prejudicando a produtividade sistêmica da economia. No Brasil, esse processo é histórico e ocorre sem transparência.

A realidade brasileira está calcada na tradição latina na qual se naturalizou a concessão de benefícios de forma descentralizada. Na maioria dos países desenvolvidos, a aprovação do orçamento público é uma batalha transparente entre os mais diferentes grupos sociais. No Brasil, entretanto, ocorre ampla discricionariedade[5] dos três poderes da República em conceder benefícios nebulosos.

Essa articulação dos órgãos de Estado  dificultam a real avaliação dos impactos de suas ações pelos órgãos de regulação e pela própria sociedade.  O poder Executivo parece esquecer que não existe almoço grátis. A meia-entrada dos estudantes tem seu custo repassado ao restante do público. Uma robusta política de crédito via BNDES afeta todo o mercado de crédito. É simples: se alguém está pagando um spread bancário subsidiado de 2%, é porque alguém está pagando no mercado a 20%.

No mais, os entraves ao desenvolvimento econômico também têm a ver com a cultura jurídica autoritária, expressa no perfil dos legisladores e operadores do direito.

Não adianta termos as melhores leis do mundo se elas não dialogam com a realidade e não mensuram seus efeitos de ordem prática. Segundo Marcos Lisboa, um exemplo disso está na própria redação da nova lei de Falências. Ao proteger fortemente a sobrevivência das empresas deficitárias, o custo da ineficiência é repassado para toda sociedade.

Outro problema grave são as intervenções abertamente atécnicas do Judiciário em lides sensíveis à sociedade, especialmente quando não se leva em conta o impacto econômico de suas decisões.

A discussão recente sobre cessão de crédito no STF é um exemplo disso. Com uma interpretação “inventiva” da norma, as Cortes nacionais criaram uma série de restrições à execução de credores. Ao se dificultar (ou restringir) a execução de um título de crédito compromete-se o ideal funcionamento do mercado de crédito como um todo. Há, ainda, o grave problema do enorme volume do contencioso judicial[6], com custo repartido por toda sociedade.

Num cenário assim, cria-se uma rede de incentivos à improdutividade de amplos segmentos beneficiados da economia. E, ao mesmo tempo, onera-se pesadamente os não beneficiados. O resultado final dessa equação não é animador: baixa produtividade, baixo crescimento econômico e aumento das desigualdades sociais, regionais e setoriais.  

Dados corroboram a situação econômica do brasileiro, com renda per capita de R$ 2.500-3000 por mês. Comparativamente, no Chile o patamar é de R$ 4.500/mês. Portugal e Grécia, países considerados pobres da Europa, trabalham com R$ 5.500/mês e países ricos como EUA e Noruega, falamos em R$ 12.000/mês. Dessa forma, a combinação entre baixa educação e baixa renda per capita explicam em parte a diferença entre Brasil e EUA. A outra parte da explicação deve-se ao desenho das instituições desses países, que busca promover a produtividade total dos fatores[7].

Nos países desenvolvidos as instituições simbolizam transparência, segurança jurídica e coerência na implementação de políticas públicas eficientes, planejadas e necessárias à sociedade. O frequente debate público é reflexo de democracias avançadas que prezam pelo controle social participativo e o fortalecimento do elo entre o Estado e o cidadão.

Enfim, há uma fantasia bem brasileira em pensar que o Estado pode prover todos os direitos coletivos — saúde, educação, moradia, transporte etc. — previstos na Constituição de 1988. Estado não tem condição de financiar tudo e os custos são realocados entre os próprios cidadãos. Para termos um sistema de saúde suíço, precisamos ter uma renda per capita suíça. Percebe-se que um dos pilares para se alcançar o desenvolvimento econômico é a maior transparência do agente público, sobretudo quando atua de modo discricional.

A transparência permite que se remova mais acuradamente os obstáculos que impedem o melhor desempenho econômico brasileiro através do alto grau de eficiência das suas instituições.

Kafka não é um revolucionário: ele desperta nas pessoas a consciência de sua alienação, tornando-as conscientes. (Roger Garaudy)


[1] Doutor em Economia pela Universidade da Pensilvânia (EUA) e Mestre pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Ex-Presidente do Instituto de Resseguros do Brasil, IRB-Brasil Re (2005-2006). Ocupou o cargo de vice-presidente no Itaú-Unibanco até 2013. Atualmente é vice-presidente do Insper.

[2] Neoinstitucionalismo é uma teoria que se preocupa com o estudo socioeconômico das instituições, que podem ser entendidas como espaços nos quais diferentes atores sociais desenvolvem suas práticas – mercado, clubes, partidos politicos, sistemas de governo, igreja, escola, polícia, universidade, redes sociais, exército etc). O neoinstitucionalismo trouxe o enfoque racionalista e formalista, dialogando com a escola da escolha racional e teoria dos jogos.

[3] LISBOA, Marcos de Barros; LATIF, Zeina Abdel. Brazil: Democracy and Growth. Legatum Institute. Centre for Development and Enterprise, 2013.

[4] Leia-se, detém o domínio consumerista (binômio: oferta e procura); o denominado monopólio, na linguagem do comércio nacional e internacional.

[5] Vale lembrar que a discricionariedade deveria estar pautada não só na conveniência e oportunidade da Administração Pública, mas no exercício da legalidade concreta em prol da ordem social.  

[6] A par do contencioso administrativo.

[7] Produtividade total dos fatores: A produtividade é definida como a relação entre a produção e os fatores de produção utilizados. A produção é definida como os bens produzidos (quantidade de produtos produzidos). Os fatores de produção são definidos como sejam pessoas, máquinas, materiais e outros. Quanto maior for a relação entre a quantidade produzida por fatores utilizados maior é a produtividade. Ver: SAMUELSON, Paul. A; NORDHAUS, Willian D.. Economia, 19ª edição, Bookman: Porto Alegre, p. 103-5.

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