Direitos autorais

Contrato de cessão de direitos é regido pela lei da época da assinatura

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26 de dezembro de 2014, 9h43

Os contratos de cessão de direitos autorais assinados no início dos anos 90 estão submetidos à regência da Lei 6.533, de maio de 1978, e não à Lei 9.610, de fevereiro de 1998, que a atualizou. Logo, é a primeira que deve regular o pacto firmado pelas partes na ocasião, sendo exigíveis os comportamentos lá prescritos. O entendimento levou a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a aceitar Apelação de um dublador dos estúdios Disney, que ajuizou ação indenizatória pela falta de pagamento dos seus direitos de interpretação em dois filmes relançados no mercado doméstico a partir de agosto de 2011.

O relator do recurso que reformou a sentença, desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto, esclareceu que o artigo 13 da lei antiga veda a cessão de direitos autorais e conexos em decorrência da prestação dos serviços profissionais de dublagem, bem como impõe que esses direitos sejam devidos em função de cada exibição da obra cinematográfica. A lei que a sucedeu, entretanto, admite a cessão dos direitos patrimoniais dos artistas em seu artigo 92.

Para o relator, a indenização pleiteada pelo autor é devida diretamente pela empresa que representa os estúdios Disney no Brasil, embora esta tenha contratado terceira empresa para a realização da dublagem, a fim de intermediar o negócio jurídico. Afinal, o artigo 17 da Lei 6.533 diz que a utilização de profissional contratado por agência de locação de mão-de-obra obriga o tomador de serviço a arcar, solidariamente, pelo cumprimento das obrigações legais e contratuais. "Está evidente a tentativa [da Disney] de fugir à responsabilidade, mormente porque não houve qualquer pagamento posterior à realização da dublagem, bem como busca a demandada se isentar ao pagamento, sob o argumento da inaplicabilidade do dispositivo legal em comento", complementou Canto.

Reconhecida a invalidade da cessão de direitos, o colegiado, por unanimidade, determinou a proibição de comercialização dos filmes que contêm as interpretações do autor, até que a Disney comprove o pagamento de seus direitos conexos. O acórdão foi lavrado na sessão de julgamento do dia 10 de dezembro.

Dublador busca seus direitos
Famoso por suas dublagens, o pernambucano Jorge Machado Ramos — de nome artístico Jorgeh José Ramos – já emprestou sua voz e talento a vários filmes de sucesso produzidos pelos estúdios Disney. Dublou personagens como Scar, em O Rei Leão (1994)’; Jafar, em Aladdin (1992); e Rasputim, em Anastásia (1997). Só O Rei Leão foi assistido por mais de quatro milhões de espectadores brasileiros na década de 90. No mercado mundial, o filme faturou mais de US$ 1 bilhão.

A relação do dublador com a The Walt Disney Company of Brasil começou a desandar quando esta relançou, a partir de agosto de 2011, todas as versões em português com a interpretação artística do autor, nos formatos DVD, Blu-Ray e CD-Rom, sem lhe pagar os direitos de interpretação. Para se ter uma ideia, em janeiro de 2012, quando ajuizada a ação indenizatória, O Rei Leão estava sendo comercializado, na "Edição Diamante", por R$ 110, nos formatos Blu-Ray, Blu-Ray 3D, DVD e cópia digital.

Na inicial em que pleiteia reparação por danos patrimoniais, o autor argumentou que a falta de pagamento fere seus direitos conexos aos direitos autorais, de intérprete. E, como tal, afronta ao que estabelece o artigo 13, da Lei 6.533/78, que regulamenta as profissões artísticas. O dispositivo diz, literalmente: "Não será permitida a cessão ou promessa de cessão de direitos autorais e conexos decorrentes da prestação de serviços profissionais. Parágrafo único — Os direitos autorais e conexos dos profissionais serão devidos em decorrência de cada exibição da obra".

Assim, ele pediu, à 3ª Vara Cível de Porto Alegre, a antecipação de tutela para proibir a comercialização, divulgação, exibição e transmissão dos filmes  O Rei Leão e Aladdin, sob qualquer formato, suporte físico ou mídia no mercado nacional, sem que antes o receba os seus direitos conexos. Os contratos para cessão de direitos destas obras forma firmados em 1993 e 1994.

Disney diz que já pagou
Citada, a subsidiária da Disney no Brasil apresentou contestação. Disse que os direitos patrimoniais sobre as interpretações nestas obras foram pagos e devidamente cedidos à empresa produtora. Informou que o valor recebido pelo autor, à época da cessão de direitos, foi o equivalente a três vezes o valor usual remunerado por serviços de dublagem.

A peça contestatória também mencionou que as cessões de direito autorizam uso posterior das obras em todas as modalidades e formatos de apresentação, para públicos privados ou coletivos. Ou seja, o contrato expressamente autoriza a Disney a distribuir os filmes em vídeo doméstico ou para fruição coletiva, na forma que julgar apropriada.

Assim, a teor do que dispõe o artigo 81 da Lei dos Direitos Autorais (9.610, de 19 de fevereiro de 1998), a Disney disse que nenhuma indenização seria devida. A literalidade do dispositivo: "A autorização do autor e do intérprete de obra literária, artística ou científica para produção audiovisual implica, salvo disposição em contrário, consentimento para sua utilização econômica".

Juíza nega a indenização
A juíza Maria Claudia Mercio Cachapuz observou inicialmente que, embora não tenha havido contratação direta entre os litigantes, é fato que houve um contrato para o serviço de dublagem, estabelecido entre a Disney e a empresa Delart Estúdios Cinematográficos, sediada no Rio de Janeiro. Este documento selou a cessão de direitos de todos os fornecedores do serviço à Delart que, por sua vez, os repassou à Disney. As tratativas de então estavam sob a regência da Lei 6.533, de 1978.

Tempos depois, escreveu a juíza, entrou em vigor a Lei 9.610/98, que passou a regulamentar as questões do Direito Autoral. Além do já citado artigo 81, ela chamou a atenção para o disposto no parágrafo único do artigo 92. Registra o dispositivo: "O falecimento de qualquer participante de obra audiovisual, concluída ou não, não obsta sua exibição e aproveitamento econômico, nem exige autorização adicional, sendo a remuneração prevista para o falecido, nos termos do contrato e da lei, efetuada a favor do espólio ou dos sucessores".

Assim, a seu ver, o negócio jurídico foi feito de forma lícita, pois não houve notícias de desrespeito ou violação à integridade do trabalho de dublagem. O que se poderia discutir seria a eventual possibilidade indenizatória no âmbito da responsabilidade contratual, porque houve distribuição posterior de mídia de dublagem. E, neste ponto, a chamada ‘‘onerosidade excessiva’’ precisaria ser apontada por um dos contratantes, como prevê o artigo 478 do Código Civil.

"Nessa hipótese, a distribuição posterior de mídia visual, amparada por contrato de cessão de direitos patrimoniais prévio, sem que exista uma violação de direitos morais conexos aos direitos de autor, não permite que se identifique onerosidade excessiva a uma das partes. Até porque tratou-se de contrato de trabalho que se extinguiu em tempo pretérito, não exigindo da parte demandante nova atuação ou prolongamento da relação, tornando excessiva a contraprestação envolvida", escreveu na sentença.

Na percepção da juíza, a nova legislação não alterou a possibilidade de cessão de atributos patrimoniais referentes aos direitos autorais – e, por consequência, aos direitos reconhecido como conexos a estes. Ao fim e ao cabo, se não existe lesão ou fato superveniente que tenha levado à onerosidade excessiva, a amparar uma indenização contratual, não há como acolher a pretensão exposta na inicial.

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