Mudança de paradigmas

Orçamento bilionário do TJ-SP é insuficiente para fazê-lo funcionar

Autor

  • José Renato Nalini

    é doutor e mestre em Direito pela USP desembargador aposentado ex-corregedor geral da Justiça ex-presidente do TJ-SP e reitor da UniRegistral.

24 de dezembro de 2014, 13h35

[Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo desta quarta-feira (24/12)]

Ninguém mais duvida de que o sistema de Justiça no Brasil está em profunda crise. A excessiva judicialização gerou um acervo de 100 milhões de processos para 202 milhões de habitantes — evidência de um quadro patológico, bem distante do "termômetro democrático" dos que pretendem considerar normal essa desenfreada busca ao Judiciário.

O Tribunal de Justiça de São Paulo é o maior do mundo. Seus 55 mil funcionários, seus 2,4 mil magistrados e seus 25 milhões de processos não encontram similar no planeta. Seu crescimento reclama orçamento bilionário. Mas ainda insuficiente para fazê-lo funcionar. Enquanto o Orçamento-Geral do Estado cresceu 97% nos últimos sete anos, o da Justiça cresceu 54%. Por isso o ano de 2014 teve início com R$ 1,3 bilhão de déficit. Houve cortes em tudo aquilo que se pode contingenciar. Mas a máquina depende das pessoas que prestam o serviço e quase toda a verba do Tesouro foi destinada ao pagamento de pessoal.

Dois benefícios criados no final de 2013 teriam de ser implementados. Mas é incrível que leis de iniciativa do tribunal, que passaram pela Assembleia Legislativa e foram sancionadas pelo governo, se ressintam de falta de provisão orçamentária. Uma verdadeira acrobacia hermenêutica permitiu a aplicação da gratificação cartorária. O mesmo não se conseguiu fazer com o adicional de qualificação.

Pudemos, em relação ao funcionalismo, honrar a data-base, reajustando os salários pouco acima da inflação. Dobramos o auxílio-saúde, continuamos a indenizar os atrasados. Investimos no resgate da autoestima, com programas de revalorização, arte e cultura no tribunal, ginástica laboral, palestras de motivação e formação de coral de servidores. Celebramos muitos convênios e protocolos, para permitir a criatividade e a inovação. Iniciamos a experiência do home office, que resultou exitosa. Apoiamos o projeto Justiça Cordial, da Corregedoria-Geral, para criar um ambiente de polidez e boa educação de berço, tão em falta em tantos espaços.

Apostamos no Cartório do Futuro, que é um projeto de priorização do primeiro grau, meta do Conselho Nacional de Justiça e que permitirá a racionalização das rotinas, adoção de gestão otimizada e liberação de magistrados para realizar aquela missão para a qual eles foram preordenados pelo sistema: decidir. A administração será confiada, por rodízio, a um deles, num grupo de dez juízes, dos quais se espera um exponencial crescimento na produtividade.

Criamos a Escola Judicial de Servidores, uma legítima exigência do quadro funcional. Escola com verdadeiros cursos, para que nossos funcionários possam aprimorar seus conhecimentos, sobretudo em relação às tecnologias de informação e comunicação, pois o processo eletrônico é irreversível.

Cada vez que me defronto com a obrigatoriedade de armazenar mais de 85 milhões de feitos findos, sem condições de descartá-los, sob argumento de que possam ser históricos, lamento pelo povo paulista, que despende milhões de reais para guardar papel velho. Muitos de nós não têm a climatização reservada a esse arquivo. Num cotejo de custo/benefício para o interesse da população, não consigo sustentar o acerto da normatividade que obriga o TJ-SP a manter o acervo tal como está. Ainda mais considerado o acréscimo de mais 25 milhões de processos atualmente em curso.

Foi por pensar no futuro da Justiça que formei o Conselho Consultivo Interinstitucional, um organismo de consulta para a sociedade civil — quem sustenta o Judiciário — que tem o dever de participar das discussões em torno da reforma do sistema. Tenho reafirmado que, se a população pretender continuar a manter essa direção, que prepare seu bolso, pois a Justiça tem expertise em crescer até o infinito.

Mas o TJ-SP está fazendo sua parte. Já foram instalados 120 Centros Judiciais de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs). Eles existem para propiciar a conciliação extrajudicial de pequenas questões que não precisam se socorrer do sofisticado, dispendioso e lento Poder Judiciário. É urgente que o Brasil crie uma cultura de pacificação, de harmonização e de diálogo. Não só para desafogar a Justiça, mas para treinar a formação de uma cidadania madura, capaz de enfrentar seus problemas de acordo com o princípio da subsidiariedade. Se assim não for, nunca chegaremos à democracia participativa prometida pelo constituinte de 1988.

As perspectivas da economia brasileira não são as melhores para 2015. Tenho acenado com a continuidade de uma política austera. Os impactos financeiros de novas criações, instalações, ampliações e quetais não têm prognóstico favorável. Por isso, é preciso pensar em criatividade. É urgente dotar o fundo constituído para aperfeiçoamento da Justiça de mais recursos financeiros. Outros Estados têm a destinação integral das custas e dos emolumentos para a Justiça. Isso já está na Constituição da República, e em São Paulo não é cumprido.

Mas também é preciso cobrar da União aquilo que a Justiça Estadual faz em seu lugar, sem nenhuma contraprestação. As novas execuções fiscais de interesse da União já não virão para o foro estadual. Mas, por enquanto, o TJ-SP é o segundo maior Tribunal Federal do país, só superado pelo TRF da 3ª Região. Basta verificar o número de execuções fiscais da União e as ações previdenciárias remetidas aos juízes estaduais, nas comarcas desprovidas de Justiça Federal.

Também os municípios sobrecarregam a Justiça Estadual de suas cobranças de dívida ativa e não remuneram o Judiciário por esse serviço. Enquanto não se liberar a Justiça dessa função de cobradora, é preciso que ela receba um ressarcimento. Disso se cuidará em 2015.

O TJ-SP precisa da população e, mais ainda, da Assembleia Legislativa, por onde tramitam projetos de interesse efetivo rumo ao aperfeiçoamento do Judiciário e do Poder Executivo estadual. Justiça é serviço essencial, cresceu diante da demanda exagerada, mas não pode ser interrompida antes de submetida a uma profunda reforma estrutural, ainda mera promessa num Brasil de tantas urgências na mudança de paradigmas.

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