Casos de família

Guarda compartilhada traz novos paradigmas para as famílias

Autor

  • Marcello Rodante

    é advogado e mediador. Sócio de Rodante & Scharlack Advogados fundador da Pró-Consenso Solução de Conflitos e diretor do Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas.

19 de dezembro de 2014, 5h14

Uma importante mudança legislativa, no campo da guarda dos filhos, se avizinha. A presidente Dilma Rousseff deve sancionar, em breve, o Projeto de Lei da Câmara 117, de 2003, de autoria do deputado Arnaldo Faria de Sá, que altera os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil e trata do significado da expressão "guarda compartilhada". Com a aprovação da nova lei, ocorrerá uma profunda alteração na vida de muitos pais e mães que não vivem sob o mesmo teto, mas que possuem filhos e devem compartilhar a respectiva responsabilidade parental.

Muito embora estudiosos da matéria sustentem a importância e os diversos benefícios que a guarda compartilhada pode proporcionar, pesquisas divulgadas apontam que, atualmente, apenas cerca de 5% dos casais que se separam utilizam o sistema de guarda compartilhada. Prevalece, na maioria dos casos, a concessão da guarda unilateral, aquela confiada a um dos genitores, apenas.

Diversos fatores contribuíram para esse cenário em nosso país. Juízes, em sua maioria, passaram a entender, na prática, que somente quando o casal estava em pleno consenso seria possível o deferimento da guarda compartilhada. Muitas vezes, o casal até chegava a um acordo de separação ou divórcio, evitando o franco litígio, porém mediante a condição de a guarda ser unilateral. Nos casos litigiosos, raramente um juiz impunha uma guarda compartilhada, a qual, em sua ótica, seria um prenúncio de maiores brigas e desgastes processuais. Até mesmo em casos em que as partes manifestavam interesse e consenso pela guarda compartilhada, por vezes, juízes e promotores acabavam por desaconselhar essa modalidade, por não acreditarem nessa forma de compartilhamento. Tal fato é até natural de se esperar, uma vez que, primordialmente, juízes e promotores acabam por receber em suas salas o pouco que restam das famílias e do amor de outrora. Eles recebem os cacos, as amarguras, os medos, as dores e as tristezas dos desenlaces.

Outro ponto de relevo: para uma mãe, não deter a guarda de seu filho poderia até mesmo ser visto com reservas por amigos, conhecidos ou familiares. Como uma mãe não conseguiria a guarda de seu filho? Só mesmo se fosse uma péssima e irresponsável mãe, diriam vozes maliciosas, a torto e a direito.

Enfim: a guarda compartilhada, na forma da Lei 11.698, de 2008, estava sendo subutilizada, gerando grande insatisfação para milhares genitores, que clamavam, em nome do maior interesse de seus filhos, uma urgente reformulação legislativa.

Assim, de acordo com a nova lei, se sancionada, mesmo se o pai e a mãe não estiverem de acordo, deverá ser aplicada a guarda compartilhada. Isso somente não ocorrerá se um dos genitores não se mostrar apto a exercer o poder familiar (portanto, algo muito grave) ou se recusar essa possibilidade, situação que não o eximirá de seguir supervisionando os interesses dos filhos.

Com a chegada dessa nova regra, ficará devidamente pavimentado o que há muito tempo era recitado, em alto e bom som, pela doutrina especializada. Com o término do casamento, acaba a relação de conjugalidade. Não termina a relação de parentalidade. O casamento termina e a família continua. Pode existir ex-mulher e ex-marido. Não existe ex-filho. Termina a relação conjugal, mas os pais permanecem sendo pais para sempre.

Também é relevante destacar que o apego à ideia da guarda unilateral, por um dos genitores, em certos casos, já desenhava um prenúncio de possível alienação parental, na medida em que manifesta a falta de desejo de compartilhamento e de egoísmo, em prejuízo do genitor não guardião. Contudo, é importante esclarecer que, se por um lado, a legislação está caminhando bem, por outro, é fundamental que os pais, as mães e os advogados (principalmente os advogados) compreendam que o litígio não é a resposta para a falta de consenso. Não é tampouco o caminho para os conflitos e desavenças familiares.

Raramente, no âmbito familiar, decisões judicialmente impostas se prestam a pacificar e harmonizar conflitos (ressalvado, claro, situações excepcionais). Normalmente, a falta de diálogo, a ausência de comunicação e mínimo respeito acabam por gerar a maioria expressiva das disputas. Pode parecer difícil ou improvável para quem está vivendo uma situação de desamor, abandono ou frustração, porém é muito importante diferenciar a figura dos genitores da figura dos consortes, assim como é primordial acreditar e ter verdadeira esperança na possibilidade de construção de paz familiar, mediante a procura de uma maior compreensão da própria vida e do outro — mesmo quando isso parecer pouco provável.

O ideal é que os casos de família, em sua grande maioria, sejam levados à mediação ou às práticas colaborativas. Devem ser analisados a luz de equipes interdisciplinares comprometidas seriamente com mecanismos não adversariais capazes de cooperar com a reorganização e redesenho das famílias em crise. É preciso ouvir e acolher a todos de forma efetiva, profunda e respeitosa. A expectativa é que a vinda dessa nova, importante e revolucionária legislação não se transforme em fundamento para a eclosão de uma infinidade de novas demandas para revisão de pactos judiciais passados, na medida em que concebidos à luz de regramento legal superado.

O Judiciário está assoberbado e não poderá comportar uma avalanche de processos para rediscussão dos acordos de guarda e respectivos alimentos. Que a nova legislação seja trazida por bons ventos, em favor de uma causa nobre. E que os milhares de pais e mães, por ela afetados, sejam cautelosos e respeitosos, uns com os outros, para que uma nova fase na vida de muitas famílias brasileiras se inicie, em benefício manifesto das crianças e dos adolescentes. Certamente, em um futuro não muito distante os frutos dessa iniciativa serão colhidos por toda a sociedade.

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    é advogado e mediador. Sócio de Rodante & Scharlack Advogados, fundador da Pró-Consenso Solução de Conflitos e diretor do Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas.

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