Conduta atípica

Aplicar verba pública em projeto diferente do original não é fraude

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19 de dezembro de 2014, 6h18

Não aplicar verbas de ente estatal exclusivamente no projeto para o qual elas se destinavam não se enquadra no crime de fraude no uso de recursos públicos, previsto no artigo 171, parágrafo 3º, do Código Penal, e no artigo 3º da Lei 7.134/1983. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, nessa terça-feira (16/12), absolveu o deputado federal Aníbal Gomes (PMDB-CE) e outros três denunciados de acusações de desvio dinheiro na Ação Penal 347.

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A denúncia diz respeito a fatos ocorridos em 1992, quando Aníbal (foto) era prefeito do município de Acaraú (CE). De acordo com o Ministério Público Federal, na época ele teria atestado a veracidade de informações constantes da prestação de contas da Sociedade Acarauense de Proteção e Assistência à Maternidade e à Infância (Sapami) em relação à aplicação de subvenção do Ministério da Ação Social, em valores atualizados de cerca de R$ 65 mil.

A alegação do MPF era a de que a verba não foi empregada exclusivamente no projeto para o qual foi determinada, e os valores foram sacados pela própria entidade beneficiária e justificados por meio de notas fiscais supostamente falsas.

Segundo a relação das despesas apresentadas pela Sapami, com a verba teriam sido adquiridos, em favor da unidade de saúde de Acaraú, material de expediente, medicamentos, vestuários e despesas com obras no hospital local.

Contudo, de acordo com a denúncia, alguns cheques foram emitidos para pagamento de contas de luz e telefone, apesar dos recibos e notas fiscais referirem-se a supostos serviços de recuperação da cobertura de um hospital. Para o MPF, alguns desses recibos foram emitidos pela serraria de um dos denunciados a fim de justificar as despesas.

Nelson Jr./SCO/STF
Atipicidade
A ministra Rosa Weber (foto), relatora do caso, assinalou que a denúncia não imputa aos acusados a apropriação de recursos públicos, afirmando apenas que as verbas da subvenção não teriam sido aplicadas exclusivamente no projeto ao qual se destinavam.

Segundo a ministra, a equiparação desta conduta ao descrito no artigo 1º da Lei 7.134/1983 e, consequentemente, a equiparação de sua violação ao artigo 171 do Código Penal é “problemática”. Isso porque, diz, uma vez que a subvenção social não se qualifica como crédito ou financiamento nem como recurso proveniente de incentivo fiscal.

A ministra destacou ainda que o artigo 20 da Lei dos Crimes de Colarinho Branco (Lei 7.492/1986) prevê pena de 2 a 6 anos, e o artigo 2º, inciso IV, da Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária (Lei 8.137/1990), pena de 6 meses a 2 anos para a mesma conduta descrita no artigo 1º da Lei 7.134/1983.

Ela considera, porém, que a referência a “crédito” deste dispositivo tem sentido estrito, o de relação de mútuo entre credor e devedor. “Subvenção social não equivale a crédito, financiamento ou incentivo fiscal”, afirmou Rosa. Ela citou como precedente o Inquérito 933, no qual o STF rejeitou denúncia contra o ex-deputado Hélio Costa sob a mesma tipificação, por suposto desvio de subsídio federal para a construção de centro comunitário.

“O fato narrado na denúncia é atípico”, concluiu a relatora. “Isso não significa que o desvio não configure crime. A prestação de contas constitui indício de apropriação privada, mas, neste caso, seria necessário rastrear os valores para verificar se houve peculato ou apropriação indébita”, afirmou. A ministra assinalou ainda que a denúncia “sequer esclareceu o projeto para o qual foi liberado o recurso”, votando pela absolvição com base no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (“não constituir o fato infração penal”).

O voto da relatora foi seguido pelos ministros Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso. O ministro Marco Aurélio Mello ficou vencido quanto à absolvição dos demais denunciados. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Clique aqui para ler a decisão.
AP 347

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