Responsabilidade Social

Pro bono é menos desenvolvido no Brasil do que no resto da América Latina

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13 de dezembro de 2014, 6h00

A advocacia pro bono é menos desenvolvida no Brasil do que nos outros países da América Latina. Esse é o resultado da edição 2014 da pesquisa anual sobre a prática feita pela revista LatinLawyer e pelo Cyrus R. Vance Center for International Justice.

Para a publisher da LatinLawyer, Clare Bolton, a extensa regulamentação da atividade jurídica no país é a principal responsável por inibir a atuação voluntária e gratuita de advogados.

“O engajamento [no Brasil] é igual [ao dos outros países da América Latina], mas a atividade prática é mais baixa, especialmente quando você pensa que o mundo jurídico daqui é muito maior do que os outros países. Muitos advogados têm medo ou limitações, pensando nos regulamentos da Ordem dos Advogados do Brasil. Além disso, é preciso desenvolver mais a cultura do pro bono”, analisou Clare.

A jornalista participou nessa quarta-feira (10/12) do café da manhã temático promovido pelo Instituto Pro Bono (IPB) para discutir a responsabilidade social exercida por advogados por meio da prática. O evento ocorreu na sede do escritório Pinheiro Neto Advogados, em São Paulo, e foi patrocinado pelo anfitrião e pelas bancas Campos Mello Advogados, Demarest Advogados, TozziniFreire Advogados, Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados, e Machado Meyer Sendacz Opice Advogados. O instituto também teve o apoio da Ford, da Appleseed, da Lacca e da LatinLawyer.

De acordo com o levantamento, 32% dos escritórios de advocacia no Brasil são signatários da Pro Bono Declaration for the Americas (PBDA), que encoraja a colaboração das bancas para promover a prática na região. O percentual é muito inferior ao de outros países: no México, 50% das firmas assinam a declaração, na Argentina, 60%, no Peru, 73%, no Chile, 80%, e, na Colômbia, 89%.

Os escritórios brasileiros também dedicam bem menos tempo a atividades pro bono do que as demais entidades latinas: apenas 11% das bancas do país completaram mais de 1 mil horas em tarefas gratuitas e voluntárias em 2013. Esse patamar foi superado por 40% das firmas argentinas e por 50% das mexicanas.

Uma possível explicação para a baixa dedicação dos advogados brasileiros ao pro bono está na falta de incentivos que os escritórios dão à prática. Somente 32% das firmas consideram as atividades desse tipo para aumentos de salário, bônus e progressão na carreira. Como comparação, 50% das bancas chilenas e 67% das colombianas levam em conta esses critérios para cálculo dos benefícios.

Clare explica que o Brasil é o único país do continente que tem uma ordem profissional cuja inscrição é obrigatória para o exercício da advocacia. Por causa disso, as entidades das outras nações não podem ter regras para impedir a captação abusiva de clientes como as que existem por aqui. Ademais, ela explica que as pessoas atendidas pelo pro bono são pobres, e não teriam condições de pagar os honorários dos advogados. Dessa forma, eles entendem que, ao exercerem a advocacia gratuita e voluntária, não estão tirando clientes uns dos outros, e sim cumprindo uma responsabilidade social inerente à categoria.

Regulamentação da OAB
O presidente do IPB, Marcos Fuchs, contou que existem dois projetos de resolução sobre a advocacia pro bono aguardando parecer do Conselho Federal da OAB — um elaborado pelo próprio instituto, e outro de autoria do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados. Ambos permitem a prática em todo o território nacional, inclusive para clientes que sejam pessoas físicas.

Cabe lembrar que, até 2013, o Conselho Federal da OAB não havia se manifestado sobre a advocacia pro bono, o que permitia que diversas seccionais proibissem a prática em seus estados. Porém, no ano passado, a entidade nacional suspendeu as regras regionais até que seja editada uma norma que regulamente o assunto.

Fuchs disse que, uma vez que seja autorizada a assessoria jurídica a pessoas físicas, será preciso definir nichos de atuação para direcionar a prática pro bono para os que mais precisam dela.

“Temos que começar pela mediação de conflitos, pela atuação em áreas bem carentes e problemáticas de São Paulo onde a Defensoria Pública não está presente, temos que eleger temas prioritários, como direito de família, área penal, violência contra a mulher, quem sabe direito previdenciário também, e começar a agir”, opinou o advogado.

Para cumprir essa tarefa, ele conta com a ajuda da Defensoria Pública, órgão que, na sua visão, está “sobrecarregado e mal aparelhado”. O presidente do IPB não gosta da ideia de fixar renda máxima para que uma pessoa possa ser atendida por pro bono por entender que nem sempre critérios objetivos dão conta de situações específicas de necessidade. Ele reconhece que podem ocorrer fraudes, mas pensa que é preciso aprofundar os debates para encontrar uma solução alternativa a essa.

Experiência do Pinheiro Neto
O Pinheiro Neto vem aumentando o incentivo ao pro bono entre seus advogados. De acordo com o sócio de contencioso e coordenador da Comissão de Responsabilidade Social da banca Sérgio Pinheiro Marçal, uma das principais medidas nesse sentido foi tornar a prática obrigatória para todos os profissionais do escritório. Dessa forma, quando surge um caso, o comitê escolhe quais advogados deverão cuidar dele de acordo com a especialidade e a competência.

Como parte da remuneração dos advogados é variável, e corresponde a um percentual dos valores pagos pelos clientes, o escritório se comprometeu a cobrir os honorários de atividades pro bono para não prejudicar os profissionais e incentivar a prática.

“A gente viu que isso, na verdade, é um trabalho voluntário. Não adianta eu fazer propaganda do meu escritório que eu faço pro bono, mas, na verdade, quem está fazendo é o advogado como voluntariado. Então a gente extinguiu isso e hoje o advogado é remunerado como se fosse um cliente. O caso pro bono para o associado é [igual a um] caso de cliente. Assim, quando chega um caso, a gente pergunta: quanto que eu cobraria de um cliente numa situação dessas? R$ 10 mil? Então a contratação vai ser de R$ 10 mil. E o advogado vai trabalhar dentro daquela contratação de honorários”, explica Marçal.

Na opinião do sócio, remunerar os profissionais pelos serviços pro bono não desvirtua a finalidade do instituto. Isso porque o pagamento feito pelo escritório aos advogados não prejudica o beneficiário da prática, que continua tendo assessoria jurídica gratuita oferecida pela banca.

E isso também aumenta o reconhecimento dos advogados que fazem pro bono entre seus colegas de trabalho. De acordo com Marçal, agora os advogados não são mais vistos como “cafés-com-leite” ou que não têm clientes. Pelo contrário: são valorizados por terem sido escolhidos por suas qualidades para cuidar dos casos.

Palestrantes
Também foram palestrantes do evento o presidente da OAB-SP, Marcos da Costa, o professor e diretor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, Oscar Vilhena Vieira, e o advogado criminalista e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr

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