Cura do câncer

Consumidor vulnerável deve ser indenizado por propaganda enganosa

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12 de dezembro de 2014, 16h26

A compra de produto motivada por falsas expectativas quanto à cura de uma doença, quando configurada a exploração da vulnerabilidade do consumidor, justifica indenização por danos morais. Esse foi o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao condenar a empresa responsável pelo "cogumelo do sol" a pagar R$ 30 mil de indenização a um pai que esperava que o produto curasse o câncer de fígado do filho.

O produto, à base de uma substância chamada royal agaricus, era anunciado como eficaz na cura de doenças graves, inclusive, a neoplasia maligna. Em 1999, o pai pagou R$ 540 diante da promessa de que teria eficácia medicinal. No entanto, o filho morreu três anos depois da compra do suplemento, apesar de não ter abandonado os tratamentos convencionais recomendados pelos médicos, como radioterapia e quimioterapia.

A ideia de vulnerabilidade, para o direito do consumidor, está associada à debilidade de um dos agentes da relação de mercado. A vulnerabilidade informacional agravada ou potencializada é denominada hipervulnerabilidade e está prevista no artigo 39, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor.

A 3ª Turma não avaliou questões relativas à eficácia do produto Cogumelo do Sol, se produz resultados para a saúde ou se há autorização da Anvisa para sua comercialização, por serem circunstâncias alheias ao processo. O colegiado analisou somente o direito do consumidor de obter informações claras, coerentes e precisas acerca do produto comercializado no mercado.

O “remédio” foi adquirido a partir da promessa de eficácia no tratamento da doença, pois agiria de forma eficiente no sistema imunológico para diminuir as células cancerígenas.

"Mero aborrecimento"
O Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a publicidade enganosa, mas negou o direito à indenização por danos morais sustentando que houve mero aborrecimento da vítima. Manteve, contudo, a indenização por danos materiais.

A corte paulista onsiderou que a insatisfação com o produto não atingiria direitos de personalidade, especialmente após o decurso de três anos do uso, tempo durante o qual foi mantido o tratamento convencional. Para que a indenização fosse devida, segundo TJ-SP, seria necessário que o indivíduo fosse submetido a uma situação humilhante e vexatória, o que não teria ficado caracterizado.

Segundo o relator do processo no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, o ordenamento jurídico não tolera a conduta de empresas que induzem o consumidor à compra de mercadorias milagrosas, justamente em momento de desespero, tal como vivenciado pela vítima no caso em análise.

Indução ao erro
A transparência no comércio de medicamentos é tema de importância constitucional como se extrai do artigo 220, parágrafo 4º, da Constituição Federal, segundo o qual “a propaganda comercial de medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso”.

O relator observou que a Política Nacional das Relações de Consumo busca assegurar a todos o direito de informação adequada sobre produtos postos no mercado, conforme o artigo 6º, inciso III, do CDC. Disse que o respeito à dignidade, à saúde e à segurança na relação de consumo deve ser preservado, em especial quanto aos "riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos” — o que é previsto nos artigos 4º e 6º do CDC.

Responsabilidade objetiva
A jurisprudência do STJ considera que é objetiva a responsabilidade do fornecedor pelos danos causados aos consumidores em razão de defeitos do produto, conforme os artigos 14 e 30 do CDC, o que se aplica, inclusive, aos anúncios. O ônus de provar que a publicidade não é enganosa nem abusiva é, portanto, do fornecedor.

A 3ª Turma entendeu, no caso, que a propaganda enganosa, como atestado pelas instâncias ordinárias, tinha aptidão para induzir em erro o consumidor fragilizado, hipótese que configura estado de perigo, prevista pelo artigo 156 do Código Civil.

A demonstração do elemento subjetivo (dolo ou culpa) na propaganda enganosa é irrelevante para a caracterização da publicidade ilícita no âmbito do CDC. Ainda segundo o relator, também é prescindível o efetivo engano do consumidor, bastando aferir em abstrato o potencial da publicidade para induzi-lo em erro.

O ministro lembrou que condutas dessa natureza são tipificadas como crime pelo artigo 283 do Código Penal, que veda o anúncio de cura por meio secreto ou infalível, prática que se conhece como charlatanismo e que tem como vítima toda a coletividade e as pessoas eventualmente iludidas. A consumação do crime se dá com o simples anúncio, apontou. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Clique aqui para ler o voto do relator.
REsp 1.329.556

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