A Toda Prova

O processo de escolha e designação do defensor público interamericano

Autor

  • Aldo de Campos Costa

    é procurador da República. Foi advogado professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça assessor especial do Ministro da Justiça e assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal.

11 de dezembro de 2014, 11h35

Spacca
Caricatura Aldo de Campos Costa [Spacca]Os defensores públicos interamericanos atuam por designação da Corte Interamericana de Direitos Humanos para que assumam a representação legal de vítimas que não tenham designado defensor próprio (Prova escrita-objetiva do 5º concurso público de provas e títulos ao ingresso na carreira de defensor público do estado de São Paulo).

Nos casos em que a situação econômica da vítima não lhe permita pagar advogados para atuar perante a Corte (CorteIDH) ou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), competirá à Associação Interamericana de Defensorias Publicas (AIDEF)[1], entidade privada, sem fins lucrativos, apolítica, não religiosa, social e cultural integrada por Defensorias Públicas e associações de defensores públicos de cada um dos países que a integram[2], indicar o defensor ou a defensora pública pertencente aos quadros da entidade a quem incumbirá o encargo, a teor do que dispõem os artigos 2º (11) e 37 do Regulamento do Tribunal de San José.

Não se admite que nenhum defensor público internacional funcione exclusivamente em um dos mencionados Órgãos[3], mas o que intervir na CIDH continuará exercendo suas atribuições perante a CorteIDH, na etapa jurisdicional do processo[4]. A previsão consta de dois Acordos de Entendimentos, firmados entre os Órgãos em 25 de setembro de 2009 e em 8 de março de 2013, respectivamente.

Pode ocorrer, eventualmente, de a AIDEF vir a rejeitar o encargo. Os artigos 1º (2) e 22(1) do Regulamento Unificado para a atuação da Associação perante a Comissão e a Corte Interamericana aprovado na reunião do Conselho Diretivo feita na cidade de Antigua, Guatemala, no dia 7 de janeiro de 2013, não preveem, contudo, uma solução para o problema.

Para além do critério de hipossuficiência, que ao menos perante a CIDH deve ser comprovado por meio de prova documental[5], o aceite implica estar o caso: a) revestido de certa complexidade para a vítima, seja nos aspectos fáticos ou jurídicos, ou referir-se a matérias inovadoras para a proteção de direitos humanos na região[6]; b) relacionado com possíveis violações a direitos humanos de especial interesse para a AIDEF[7]; c) imbricado com uma ou mais vítimas pertencentes a um grupo em situação de vulnerabilidade[8].

Aceitando-o, a Secretaria-Geral da AIDEF submeterá à consideração da Coordenação-Geral, no prazo de 24 horas, os nomes de dois defensores públicos interamericanos titulares e de um suplente, escolhidos, na medida do possível, a partir de critérios objetivos (nacionalidade distinta da do país denunciado, entre outros)[9] e subjetivos (natureza dos direitos violados, circunstâncias do caso, formação curricular e acadêmica, experiência em intervenções ou litígios que guardem relação com a natureza dos direitos violados e as circunstâncias do caso)[10], entre 21 profissionais que compõem, durante um triênio, permitida a recondução para mais um único período subsequente, uma lista formada para aquele efeito.

Na sequência do processo de indicação, a Coordenação-Geral da AIDEF participará, em no máximo um dia, os nomes dos selecionados para o cargo de defensor público internacional ao Comitê Executivo, que, a seu turno, disporá do prazo de dois dias para aceitá-los ou rechaçá-los por maioria simples de votos[11]. Confirmada a indicação, será esta comunicada, conforme o caso, à CorteIDH ou à CIDH[12].

As Defensorias Públicas ou Associações de Defensorias Públicas que integram a AIDEF não estão autorizadas, em hipótese alguma, a substituir as indicações formalizadas pelo Comitê Executivo da entidade de forma unilateral[13]. Podem, contudo, noticiar eventuais renúncias ou causas de exclusão (impedimentos ou destituição) previstos nos artigos 18, 19 e 20 do Regulamento Unificado[14], hipóteses em que se admite a incorporação de um novo defensor público interamericano entre os excedentes considerados aptos[15].

Exige-se do defensor público interamericano formação comprovada em direitos humanos[16]. As candidaturas ao cargo são apresentadas pela autoridade máxima da instituição ou da associação a que se encontram vinculados. Uma vez designado, deverá receber a documentação referente ao processo em curso, conforme o caso, na Comissão ou na Corte, momento em que passa  a assumir a representação ou a defesa legal da vítima, a quem será comunicada a providência[17]. A AIDEF ou o profissional por ela indicado devem manter o assistido informado sobre o desenvolvimento do seu processo[18].

A representação legal exercida pela pessoa designada pela AIDEF é gratuita[19]. O defensor público interamericano cobrará unicamente as despesas que tiver realizado em razão do processo. Para tanto, a Corte Interamericana arcará, na medida do possível, e através do Fundo de Assistência Legal de Vítimas, os gastos havidos pelo defensor interamericano designado, ante a apresentação dos respectivos comprovantes.

Em concursos públicos, pode ser útil saber os casos que contaram com a participação de defensores públicos interamericanos.

Na Comissão Interamericana de Direitos Humanos isso se deu nos casos Esteban Juan Martínez v Peru (Petição 1.064/98), Zaida Hernández de Arellano e Edgar Humberto Ortiz Ruiz v Venezuela (Petição 12.270), Fernando Rodríguez González v México (Petição 980-04), Víctor Manuel Boggiano Bruzzon v Bolivia, Gerson Milusk de Carvalho v Brasil (Petição 40-03).

Na Corte Interamericana de Direitos Humanos a providência foi tomada nos casos Sebastián Claus Furlán e familia v Argentina (Caso 12.539), Oscar Alberto Mohamed v Argentina (Caso 11.618), Familia Pacheco Tineo v Bolivia (Caso 12.474), Hugo Oscar Argüelles e outros v Argentina (Caso 12.167), Canales Huapaya e outro v Peru (Caso 12.214), José Agapito Ruano Torres e família e El Salvador (Caso 12.679), Agustín Bladimiro Zegarra Marín v Peru (Caso 12.700).


[1] Cf. art. 4 do Regulamento Unificado para a atuação da AIDEF ante a Comissão e a Corte Interamericanas de Derechos Humanos:  “El cuerpo de las/os DPIs estará compuesto por Defensoras/es Públicas/os de los países que integran la AIDEF que sean designadas/os por el Comité Ejecutivo dicha Asociación conforme lo establecido en este Reglamento”.

[2] Participaram da assinatura  da ata constitutiva os seguintes países: Antigua e Barbuda, Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Chile, Equador, El Salvador, Honduras, México, Nicarágua, Paraguai, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Posteriormente se incorporaram Bahamas, Bolívia, Estados Unidos, Guatemala, Jamaica, Panamá, Peru e Trinidade e Tobago.

[3] Cf. art. 5 do Regulamento Unificado: “El cuerpo de DPIs en su conjunto estará sujeto de manera indistinta a la actuación ante la CorteIDH como ante la CIDH, de manera indistinta. Ningún/a DPI podrá quedar de antemano exclusivamente afectada/o a la actuación ante uno u otro foro”.

[4] Cf. art. 24 do Regulamento Unificado: “En el supuesto de recibir una solicitud por parte de la CorteIDH para que la AIDEF intervenga en un caso donde la/s presunta/s victima/s hayan sido representadas por DPIs ante la CIDH, serán estos los que continuarán actuando en esta etapa jurisdiccional del proceso”.

[5] Cf. item 2.1.1 da Segunda Cláusula do Acordo de Entendimento entre a Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos e a Associação Interamericana de Defensorias Públicas: “La CIDH deberá obtener previamente de la presunta víctima su consentimiento expreso para su representación por parte de un/a Defensor/a Público/a Interamericano/a designado por la AIDEF y una declaración jurada y suficiente prueba documentada, de que la presunta víctima carece de recursos suficientes para solventar los gastos de representación legal ante la CIDH”.

[6] Art. 22(2)(a) do Regulamento Unificado e art. 4(1) do Acordo de Entendimento.

[7] Art. 22(2)(b) do Regulamento Unificado e art. 4(2) do Acordo de Entendimento.

[8] Art. 22(2)(c) do Regulamento Unificado e art. 4(3) do Acordo de Entendimento.

[9] Cf. art. 13(1) do Regulamento Unificado.

[10] Cf. art. 13(2) do Regulamento Unificado.

[11] Cf. art. 14(2) do Regulamento Unificado.

[12] Cf. art. 14(4) do Regulamento Unificado.

[13] Cf. art. 16 do Regulamento Unificado.

[14] La designación de las/los DPIs es una atribución exclusiva del Comité Ejecutivo de la AIDEF. Las delegaciones institucionales o asociativas integrantes de la AIDEF bajo ningún concepto ni circunstancia podrán unilateralmente reemplazar a las/os DPIs que ellas propusieron, y sólo se limitarán a comunicar al Comité Ejecutivo las causales de renuncia o exclusión previstas en el presente Reglamento. Será dicho Comité el que analizará la situación concreta y decidirá sobre la procedencia de la solicitud y su eventual reemplazo, si correspondiera.

[15] Cf. art. 6(4) do Regulamento Unificado: “[…] el Comité Ejecutivo evaluará los antecedentes de cada candidata/o y conformará un listado que no deberá exceder de veintiún (21) integrantes. Los excedentes conformarán un listado de elegibles para sustituir las vacantes que pudieran surgir en el período”.

[16] Cf. art. 6(1) do Regulamento Unificado.

[17] Item 3 do Acordo de Entendimento entre a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Associação Interamericana de Defensorias Públicas de 25 de setembro de 2009.

[18] Item 5 do Acordo de Entendimento entre a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Associação Interamericana de Defensorias Públicas de 25 de setembro de 2009.

[19] Item 4 do Acordo de Entendimento entre a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Associação Interamericana de Defensorias Públicas de 25 de setembro de 2009.

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    exerce o cargo de procurador da República. Foi advogado, professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, assessor especial do Ministro da Justiça e assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal.

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