Direitos Humanos

É preciso enfrentar os crimes ocorridos na ditadura militar

Autor

  • André de Carvalho Ramos

    é professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (largo São Francisco) professor titular e coordenador de mestrado em Direito stricto sensu da Escola Alfa Educação e procurador regional da República.

10 de dezembro de 2014, 10h17

Comemoramos nesta quarta-feira, dia 10 de dezembro, o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Celebra-se o aniversário do marco da universalidade e inerência dos direitos humanos, que foi a edição da Declaração Universal de Direitos Humanos, nesse mesmo dia, em 1948, em histórica sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, reunida em Paris. O artigo 1º da Declaração de 1948 é claro: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Para a Declaração, o ser humano tem dignidade única e direitos inerentes à condição humana. Consequentemente, são os direitos humanos universais, impondo-se contra qualquer restrição odiosa, mesmo que baseada em norma nacional. 

Antes de sua internacionalização, os direitos dependiam da positivação e proteção do Estado Nacional. Poderiam ser chamados de direitos fundamentais, inclusive, mas, por depender da vontade de cada Estado nacional eram direitos meramente locais. A barbárie do totalitarismo nazista gerou a ruptura do paradigma da proteção nacional dos direitos humanos, cuja insuficiência levou à negação do valor do ser humano como fonte essencial do Direito. Para o nazismo, a titularidade de direitos dependia da origem racial ariana. Os demais indivíduos não mereciam a proteção do Estado. Os direitos humanos, então, não eram universais nem ofertados a todos.

Os números dessa ruptura dos direitos humanos são significativos: foram enviados aproximadamente 18 milhões de indivíduos a campos de concentração, gerando a morte de 11 milhões deles, sendo 6 milhões de judeus, além de inimigos políticos do regime, comunistas, homossexuais, pessoas com deficiência, ciganos e outros considerados descartáveis pela máquina de ódio nazista. A ruptura trazida pela experiência totalitária do nazismo levou milhões de pessoas a serem tratadas como desprovidas da condição humana e, consequentemente, como supérfluas e descartáveis. Esse legado nazista de exclusão exigiu, conforme a bela lição de Celso Lafer, a reconstrução dos direitos humanos sob uma ótica diferenciada no pós-Guerra: a ótica da proteção universal, garantida subsidiariamente e na falha do Estado, pelo próprio Direito Internacional. Ficou evidente para os Estados que organizaram uma nova sociedade internacional ao redor da Organização das Nações Unidas (ONU) que a proteção dos direitos humanos não pode ser tida como parte do domínio reservado de um Estado, pois as falhas na proteção local tinham possibilitado o terror nazista. A soberania dos Estados foi, lentamente, sendo reconfigurada, aceitando-se que a proteção de direitos humanos era um tema internacional e não meramente um tema da jurisdição local.

Desde a Declaração Universal de 1948 até hoje, a universalidade dos direitos humanos foi sendo constantemente reafirmada pelos diversos tratados e declarações internacionais de direitos editadas pelos próprios Estados. Entre elas, cite-se a Proclamação de Teerã, emitida na 1ª Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU, em Teerã, em 1968, na qual ficou disposto que “é indispensável que a comunidade internacional cumpra sua obrigação solene de fomentar e incentivar o respeito aos direitos humanos e as liberdades fundamentais para todos, sem distinção nenhuma por motivos de raça, cor, sexo, idioma ou opiniões políticas ou de qualquer outra espécie”. Em 1993, na 2ª Conferência Mundial da ONU de Direitos Humanos, realizada em Viena, decidiu-se que “todos os direitos humanos são universais” (parágrafo 5º da Declaração de Viena).

Os direitos humanos não mais dependem do reconhecimento por parte de um Estado ou da existência do vínculo da nacionalidade, existindo o dever internacional de proteção aos indivíduos, confirmando-se o caráter universal e transnacional desses direitos. Há diversos exemplos do impacto positivo do universalismo em concreto e da interpretação internacionalista dos direitos humanos no Brasil, cujo marco é justamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Entre esses exemplos, observo que, no simbólico dia de hoje, a Comissão Nacional da Verdade (Lei 12.528/11), presidida pelo colega Professor da USP, Pedro Dallari, publica seu relatório, narrando os diversos crimes contra a humanidade promovidos na época da ditadura militar brasileira. De acordo com a lição do universalismo consagrado pela Declaração, é necessário enfrentarmos, de vez, tal passado, cumprindo a interpretação internacionalista dos direitos humanos que exige a investigação, persecução criminal e punição dos autores desses crimes bárbaros (Caso Gomes Lund vs. Brasil, Corte Interamericana de Direitos Humanos).

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