Justiça Tributária

No Dia da Justiça, precisamos que cada um cumpra seu dever

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

8 de dezembro de 2014, 9h54

Spacca
Nesta data em que se comemora o Dia da Justiça acreditamos que sejam úteis algumas reflexões sobre o que isso significa no âmbito das questões tributárias.

Desde tempos imemoriais ouvimos dizer que justiça é, simplesmente,  dar a cada um o que é seu. Exatamente por isso é que devemos considerar as relações entre o poder público e os contribuintes como um rol de obrigações recíprocas. Em síntese: basta que cada um cumpra o seu dever.

Nós, contribuintes, temos o dever de pagar os impostos criados pela Constituição. Uma sociedade politicamente organizada depende de meios suficientes para manter-se, exercer as atividades que lhe são atribuídas e atender as necessidades dos cidadãos, inclusive em relação aos hipossuficientes.  

Por outro lado, os poderes públicos e seus agentes, com o uso adequado do que de nós arrecadam, têm o dever de nos oferecer as condições necessárias à vida em sociedade: segurança, saúde, educação etc. De parte a parte, tais relações devem fundamentar-se no respeito e na observância às normas legais em vigor, estas criadas de forma legítima e submetidas, quando necessário, ao crivo do Judiciário. Quando mencionamos normas criadas de forma legítima, fica óbvia a necessidade de observância da Carta Magna.

Mas mesmo quem disponha de recursos para abrir mão de qualquer serviço público, não pode se furtar a entregar parte do seu esforço para o bem comum, na forma de impostos. Estes não se destinam apenas a arrecadar, mas sobretudo a tentar amenizar as desigualdades sociais.

Feitas essas considerações, resta clara a necessidade de investirmos na conscientização do povo, de forma que sejam divulgadas a natureza e finalidade dos impostos. Cada cidadão deve saber quais os impostos a que se sujeita, quais os que o atinge mesmo que cobrados de outras pessoas e, principalmente, o que se faz com o produto da arrecadação.

O parágrafo 5º da CF,  regulamentado pela lei 12.741/2012, deu um pequeno alento a esse assunto, ao estabelecer como os consumidores devem ser esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.  Mesmo com o avanço da tecnologia o esclarecimento ainda é muito precário e nada indica que fique melhor com  o tempo.

Um sistema tributário onde o respeito recíproco seja absoluto entre as partes — Fisco e contribuinte — precisa muito mais do que percentagens lançadas em documentos ou tabelas exibidas em estabelecimentos. As contas públicas devem ser absolutamente transparentes, com receitas e despesas divulgadas em tempo real. Sem isso, estamos a nos basear em índices ou pesquisas. Estas, como se sabe, assemelham-se aos biquínis: mostram quase tudo, mas escondem o essencial.

Não é razoável esperarmos que tais conhecimentos sejam transmitidos nas escolas, já que são conhecidas as limitações e dificuldades do ensino formal.  Parece-nos que já é chegada a hora de criarmos, nas entidades da sociedade civil , mecanismos capazes de suprir essa lacuna. 

Não há a menor dúvida de que necessitamos de Justiça Tributária. Como já assinalamos neste espaço mais de uma vez, isso depende de alcançarmos diversos objetivos, dentre os quais merecem destaque: revisão da carga tributária, redução da burocracia e estabilidade na legislação.

Se há quem se preocupe em orientar a população, especialmente os mais jovens, nos cuidados com a saúde, nas boas normas de educação, e mesmo no  cultivo das artes, é razoável que se tente levar ao conhecimento público conhecimentos básicos de seus direitos e deveres ante as normas tributárias.

Falamos muito hoje em “empreendedorismo”, incentivando-se as pessoas a implantar novos negócios com os quais poderão gerar riquezas para si e para a sociedade.  Mas quem se atrever a trilhar esse caminho deverá preparar-se para enfrentar as dificuldades que há sob o ponto de vista tributário: impostos elevados, burocracia asfixiante e insegurança jurídica.

Esse quadro com que se defronta o novel empreendedor é que explica a baixíssima sobrevida das empresas constituídas no país, onde mais de 60% encerram suas atividades antes de completar cinco anos.

O que nos inspira o Dia da Justiça hoje é propor uma ampla jornada cívica, onde todos possamos transmitir um pouco de nossa experiência para que sejam encontradas soluções adequadas para os problemas mencionados. Essa questão afeta a todos nós, mesmo os que se beneficiem ou se iludem com benefícios pagos pela arrecadação de impostos. Não há, no médio ou longo prazo, garantia de que isso continue como está. Por isso é que somos convocados a cumprir nosso dever.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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