Voz da experiência

Procuradores da "lava jato" estão preocupados com nulidades processuais

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6 de dezembro de 2014, 7h30

Os membros do Ministério Público que atuam na operação “lava jato” estão com receio de que a pressa em concluir o caso possa levar a nulidades que derrubem toda a investigação. Em diversas manifestações, os procuradores pediram cautela ao Judiciário na condução das apurações e dos processos relacionados, para que eles não sejam anulados pelo Superior Tribunal de Justiça.

A atitude se baseia na experiência. Não são poucos os exemplos de ações penais que correram durante anos e foram derrubadas por conta de ilegalidades cometidas durante as investigações.

O mais célebre é o da operação satiagraha, anulada pelo STJ porque o delegado responsável pelas investigações convocou, de maneira secreta e ilegal, agentes da Abin, a Agência Brasileira de Intelgência, para ajudar nas interceptações telefônicas. Hoje, o Supremo Tribunal Federal investiga se a operação não foi financiada por empresas privadas.

Mas há inúmeras operações. Para citar algumas, houve a sundown, a castelo de areia, suíça, boi barrica e chacal. Em comum o fato de elas terem à frente um juiz voluntarioso.

Precaução
No caso da “lava jato”, os procuradores estão agindo de antemão para evitar que a operação dê em nada. Uma das manifestações, já em segundo grau, deixa evidente a preocupação do MP. É de quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região mandou o juiz federal Sergio Fernando Moro, responsável pela operação, parar de intimar os réus por telefone.

Moro decidiu usar o telefone para avisar das audiências por considerar o método mais rápidos e menos burocrático do que a citação por edital, ou pelo correio. O procurador Manoel Pastana, que atua no caso em segunda instância, até concorda com o juiz, mas alerta que, “por maior que seja a vantagem” e “ainda que em benefício dos réus presos”, “a providência inovadora não tem amparo legal”, como escreveu em parecer.

“As regras legais não podem ser postergadas, mesmo que a pretexto de imprimir celeridade processual. Assim, faz-se necessário cumprir as regras do processo eletrônico”, escreveu no parecer. Ele mesmo reconhece que, caso o TRF-4 autorizasse as intimações por telefone, é quase certo que o STJ as cassaria. E a consequência poderia ser a anulação da validade de uma das delações premiadas, por exemplo.

Prisão preventiva
As prisões preventivas de executivos das empreiteiras OAS, UTC Engenharia e Engevix resultaram em alguns incidentes em que o MP interferiu para que a operação não caísse por terra.

Os advogados dos executivos impetraram Habeas Corpus alegando que as ordens de prisão foram baseadas apenas no conteúdo das delações premiadas, e que as prisões preventivas estão sendo usadas como forma de coação dos réus a colaborar com as investigações.

Nos pareceres em que defendeu as prisões preventivas, Pastana sustentou que havia nas ordens de prisão todos os elementos do artigo 312 do Código de Processo Penal, que trata das condições para a detenção preventiva.

Uma dessas condições, escreveu o procurador, é a “conveniência da instrução criminal”. E dentro dessa conveniência estaria a “possibilidade de a segregação influenciá-los na vontade de colaborar com a apuração de responsabilidade”, conforme mostrou reportagem da ConJur.

A repercussão do parecer foi imediata e extremamente negativa. Advogados reclamaram de que se estava fazendo “tábula rasa do direito ao silêncio”. Professores de processo penal alertaram para a volta ao tempo das masmorras.

E no dia seguinte, o procurador Pastana enviou uma petição de esclarecimento ao TRF dizendo que jamais defenderia a prisão para “forçar os réus a confessar”, como disse a ConJur.

“O que sustento no parecer é a prisão preventiva como forma de corroborar com a delação premiada”, afirmou. “Pelo menos enquanto a Constituição Federal prever o silêncio como direito do acusado, jamais faria sustentação nesse sentido, pois caso a tese fosse acolhida pelo tribunal, fatalmente resultaria em nulidade do processo, sendo que  me preocupo com a higidez dos feitos.”

Delação premiada
Uma das discussões de direito mais importantes trazidas pela “lava jato” é a da delação premiada. Deve ser a primeira vez que ela é usada de forma tão ampla e é encarada como tão essencial.

A ponto de o MP propor acordo com “um criminoso profissional, voltado à prática de múltiplas ações criminosas, com capacidade, inclusive, de cooptar e envolver outras pessoas para alcançar seu desiderato”. Pelo menos é assim que o MP descreve Alberto Youssef, um dos acusados na "lava jato" que aceitou fazer a delação premiada em troca de atenuantes em sua pena.

O que se discute aí é se os demais réus têm direito ou não a ler a íntegra das delações. A jurisprudência do Supremo é de que acordos de colaboração tramitam sob sigilo e só o juiz do caso, o delegado de polícia e  Ministério Público podem ter acesso. O ministro Teori Zavascki, relator do braço da “lava jato” que está no STF, já afirmou que o que é dito em delações premiadas  “não é propriamente meio de prova”.

Só que os advogados alegam que as delações têm sido usadas como justificativa para a decretação das prisões preventivas. E por isso pediam acesso ao teor delas. O Ministério Público, mais uma vez para evitar que a discussão jurídica resulte em nulidade da ação penal, opinou que o Judiciário deve dar à defesa o acesso ao teor das delações.

Condições do acordo
Outra discussão jurídica da “lava jato” é a questão do foro em que os fatos devem ser investigados. Os advogados afirmam que o caso deve subir para o Supremo, já que parlamentares estão sendo apontados como envolvidos. Mas o juiz federal Sergio Moro diz que apenas empresários estão sendo investigados por lavagem de dinheiro e crimes licitatórios.

A questão é tão sensível que nos termos de homologação dos acordos de delação, uma das exigências do MP é que o réu desista “do exercício de defesa processuais, inclusive de discussões sobre competência e nulidades”. Moro, no entanto, não homologou essa cláusula, sob pena de se entender que o acordo viola o princípio constitucional do pleno acesso à Justiça.

O problema do foro
Sergio Moro já teve de se explicar ao Supremo diante da acusação, feita pelo advogado Fabio Tofic Simantob, de que ele estava orientando os investigados a não revelar nomes de envolvidos que tenham prerrogativa de foro por função. Moro chamou a acusação de “fantasiosa”, mas, nas informações prestadas ao STF, não negou a prática.

O juiz disse que seguiu o que ficou decidido, pelo STF, em questão de ordem da Ação Penal 871, e que “a orientação realizada por este julgador para que os depoentes não indicassem, em audiência, o nome de agentes políticos” não visou esconder a possível ocorrência de crimes de corrupção, “mas preservar a autoridade da decisão da Suprema Corte que decretou sigilo sobre este conteúdo específico da colaboração premiada de Paulo Roberto Costa”.

A questão de ordem que ele cita, entretanto, diz que é o Supremo quem decide o que deve ser enviado à primeira instância ou não nos casos em que há réus com prerrogativa de foro. Isso porque foi Moro quem separou a parte das apurações que falava em parlamentares e as enviou ao STF.

Histórico
O que esses fatos demonstram, na verdade, é que os procuradores estão tentando evitar ter de defender ilegalidades daqui a alguns anos, quando o caso chegar ao STJ.

A primeira dessas megaoperações que sinalizou que nem tudo se pode em nome do combate ao mal é a sundown.  A acusação era de evasão de divisas, lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro. A denúncia do MPF falava em mais de US$ 30 milhões evadidos.

Pois a ação penal foi trancada e arquivada pela 6ª Turma do STJ porque os telefones dos acusados foram grampeados sem justificativa e as interceptações duraram mais de dois anos. Foi a primeira vez que o STJ aplicou a chamada teoria dos frutos da árvore envenenada: se as provas foram colhidas de forma ilegal, não podem ser usadas para instruir um processo criminal.

O mesmo aconteceu com outras operações. Na castelo de areia, as provas eram gravações telefônicas autorizadas com base apenas em denúncias anônimas, e a jurisprudência do STJ afirma que, nesses casos, os gampos só podem ser feitos depois de diligência. Dois anos depois, a operação suíça teve o mesmo destino, pelo mesmo motivo.

No caso da operação boi barrica, houve falta de motivação para a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico de Fernando Sarney, filho do ex-presidente da República e senador José Sarney. Naquela ocasião, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) avisou a PF e a Receita Federal de uma movimentação de R$ 2 milhões na conta de Fernando Sarney.

O Ministério Público Federal usou essa informação para basear o pedido de quebra de sigilo, concedido pelo Judiciário. Foi a primeira movimentação da investigação. Só que o Coaf, por lei, é obrigado a informar os órgãos de controle federais sobre qualquer movimentação financeira acima de R$ 100 mil. E na notificação de Fernando Sarney, o aviso era de que o trâmite do dinheiro, por si só, não queria dizer nada, mas eram necessárias diligências para saber de sua origem.

Árvore envenenada
A questão foi definida pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro,  ou Kakay, em um artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em outubro de 2011. Ali ele diz que a sociedade "regozija-se" quando vê um rico, ou poderoso, ser processado criminalmente. "As pessoas são tomadas por um frenesi íntimo indizível e inconfessável."

Foi Kakay quem levou a teoria dos frutos da árvore envenenada ao STJ no caso da operação sundown. E a operação nasceu em Curitiba, mesmo foro onde corre a "lava jato" e onde trabalha Sergio Moro.

E no artigo Kakay resume: "Quando a PF e o MP praticam abusos, acatados por juízes voluntariosos, ocorre muito mais do que uma injustiça contra o cidadão investigado; há grave ofensa à credibilidade dos tribunais, pois se passa a impressão de que são temperantes e protetores dos poderosos, quando, na verdade, estão fazendo cumprir a Constituição".

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