Questões identicas

Recurso repetitivo é caminho para reduzir excesso de demandas

Autor

  • André Macedo de Oliveira

    é sócio do BMA - Barbosa Müssnich Aragão em Brasília. Doutor e mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Professor adjunto da Faculdade de Direito da UnB.

5 de dezembro de 2014, 6h25

Em 8 de maio de 2008, foi sancionado pelo presidente da República o projeto que estabelece o procedimento para o julgamento dos recursos especiais repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Consubstanciando-se na Lei 11.672, acrescentando o artigo 543-C ao Código de Processo Civil, a essência do texto estabelece que, nas hipóteses em que houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos moldes procedimentais estabelecidos neste artigo.

A chamada lei de recursos especiais repetitivos ganhou relevo ao resgatar o papel constitucional do Superior Tribunal de Justiça na qualidade de uniformizador da legislação infraconstitucional. Essa uniformização, é essencial para uma efetiva prestação jurisdicional e a preservação da segurança jurídica. O Estado Democrático de Direito exige uma ordem jurídica coerente que culmina na segurança jurídica, ou seja, na estabilidade das decisões judiciais.

Os recursos especiais repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça apresentam como pano de fundo a suspensão de todos os recursos no âmbito do respectivo tribunal de Justiça estadual, tribunal regional federal ou no próprio Superior Tribunal de Justiça quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito.

Em 5 de abril de 2007, o então ministro de Estado e da Justiça, Tarso Genro, submeteu o encaminhamento ministerial 40 ao presidente da República, relativo ao projeto de lei que acrescentaria o artigo 543-C ao Código de Processo Civil, Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973, “estabelecendo o procedimento para o julgamento de recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça”.

Destaca o encaminhamento ministerial a necessidade de alteração do sistema processual brasileiro com o objetivo de “conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional”, sem, “contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa”. Ressalta que muitas propostas e sugestões para a reforma do processo civil, como do Instituto Brasileiro de Direito Processual, da Associação dos Magistrados Brasileiros, da Associação dos Juízes Federais do Brasil, de órgãos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e do próprio Poder Executivo, são uniformes na necessidade de alteração do Código de Processo Civil para “conferir eficiência à tramitação de feitos e evitar a morosidade”.

Esse projeto de lei é fruto da sugestão de Athos Gusmão Carneiro, “com o objetivo de criar mecanismo que amenize o problema representado pelo excesso de demanda” do Superior Tribunal de Justiça. O encaminhamento ministerial é enfático ao revelar que, em 2005, foram remetidos mais de 210 mil processos ao Superior Tribunal de Justiça, “grande parte deles fundados em matérias idênticas, com entendimento já pacificado naquela Corte”.

Assim, com o objetivo de “amenizar esse problema”, o anteprojeto encaminhado ao Presidente da República foi inspirado no procedimento previsto na Lei 11.418/06 que criou mecanismo para simplificar o julgamento de recursos múltiplos, fundados em idêntica matéria, no Supremo Tribunal Federal.

7. Conforme a redação inserida no diploma processual pela norma mencionada, em caso de multiplicidade de recurso fundados na mesma matéria, a Corte Suprema poderá julgar um ou mais recursos representativos da controvérsia, sobrestando a tramitação dos demais. Proferida decisão pela inadmissibilidade dos recursos selecionados, será negado seguimento aos demais processos idênticos. Caso a decisão seja de mérito, os tribunais de origem poderão retratar-se ou considerar prejudicados os recursos. Mantida a decisão contrária ao entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal, o recurso seguirá para aquela Corte, que poderá cassar a decisão atacada.

8.  Na proposta que submeto a Vossa Excelência, busca-se disponibilizar mecanismo semelhante ao Superior Tribunal de Justiça para o julgamento do recurso especial.

9.  De acordo com a regulamentação proposta, verificando a multiplicidade de recursos especiais fundados na mesma matéria, o Presidente do Tribunal de origem poderá selecionar um ou mais processos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Superior Tribunal de Justiça, suspendendo os demais recursos idênticos até o pronunciamento definitivo dessa Corte.

10.  Sobrevindo a decisão da Corte Superior, serão denegados os recursos que atacarem decisões proferidas no mesmo sentido. Caso a decisão recorrida contrarie o entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça, será dada oportunidade de retratação aos tribunais de origem, devendo ser retomado o trâmite do recurso, caso a decisão recorrida seja mantida.

11.  Para assegurar que todos os argumentos sejam levados em conta no julgamento dos recursos selecionados, a presente proposta permite ao relator que solicite informações sobre a controvérsia aos tribunais estaduais e admita a manifestação de pessoas, órgãos ou entidades, inclusive daqueles que figurarem como parte nos processos suspensos. Além disso, prevê a oitiva do Ministério Público nas hipóteses em que o processo envolva matéria pertinente às finalidades institucionais daquele órgão.

12.  Estas, Senhor Presidente, as razões que me levam a submeter a anexa proposta ao elevado descortino de Vossa Excelência, acreditando que, se aceita, estará contribuindo para a efetivação das medidas que se fazem necessárias para conferir celeridade aos ritos do processo civil (grifos).

Esse anteprojeto de lei de recursos especiais repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça foi apresentado em plenário da Câmara dos Deputados em 30 de maio de 2007, de autoria do Poder Executivo, e autuado como projeto de Lei 1.213, de 2007.

Na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, o parecer do relator, deputado Maurício Rands, foi no sentido da oportunidade e conveniência do projeto, “vindo ao encontro dos anseios dos jurisdicionados por uma prestação jurisdicional mais célere e eficiente.

Com o volume de processos atualmente existentes nos tribunais, fica impossível julgar com rapidez e eficácia, o que tem produzido a morosidade da justiça e o descontentamento dos jurisdicionados.

O Projeto traz inovações salutares, como a simplificação no julgamento de recursos múltiplos, cujo fundamento seja idêntico. Além disso, a possibilidade de oitiva de terceiros interessados no processo fortalece o princípio da segurança jurídica, na prolação da decisão judicial.

Todas essas alterações propostas resultarão em aperfeiçoamento da legislação processual vigente, diante do que o meu voto é pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica do Projeto de Lei 1.213/07 e, no mérito, pela sua aprovação. (grifos).

Após o voto do relator, pediu vista dos autos na comissão o deputado Regis de Oliveira para examinar possível violação ao direito dos recorrentes, pois a não apreciação do recurso decorrente do sobrestamento poderia haver, “em tese”, violação ao princípio do duplo grau de jurisdição ou a denegação da jurisdição.

Contudo, após análise, concluiu o deputado vistor não ser possível tal violação, eis que a suspensão é temporária até o julgamento do processo pelo Superior Tribunal de Justiça.

Analisando o projeto, vê-se que tal situação não ocorrerá, pois a suspensão é temporária até o julgamento do feito pelo Superior Tribunal de Justiça. Na sequência e se a matéria de direito for exatamente igual à submetida a julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, terá seu seguimento denegado (inciso I do parágrafo 7º do art. 543-C). Em hipótese contrária, a questão será examinada pelo tribunal de origem, ‘na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça’ (inciso II do artigo já mencionado).

Afasta-se, assim, qualquer inconstitucionalidade, uma vez que a sujeição do feito à jurisdição estatal não sofrerá qualquer limitação. Ao contrário, o procedimento racionaliza o processamento de inúmeros recursos cuja matéria de direito é idêntica a outros tantos. A apreciação apenas de alguns feitos economiza custos e racionaliza a atividade jurisdicional.

À luz do exposto, meu voto acompanha o voto do eminente deputado Maurício Rands.

Sala da Comissão, 2 de outubro de 2007 (grifos)

Após a tramitação na Câmara dos Deputados, o projeto seguiu para o Senado Federal – PLC 117/2007, e foi aprovado em 9 de abril de 2008.

Em 8 de maio de 2008, foi promulgada a Lei 11.672, com vigência a partir de 8 de agosto de 2008, acrescentando o artigo 543-C ao Código de Processo Civil e estabelecendo o procedimento para o julgamento de recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Athos Gusmão Carneiro, mentor do projeto dos recursos especiais repetitivos, ao encaminhar a proposta de projeto da lei ao Ministério da Justiça, destacou que o seu objetivo era criar um mecanismo que amenizasse “o problema representado pelo excesso de demanda” do Superior Tribunal de Justiça.

Essas demandas, com relações processuais alimentadas de intensa atuação negocial repetida, compõem novas partes no polo passivo das demandas, como as instituições financeiras, os estabelecimentos de ensino, as empresas de telefonia, os órgãos governamentais e as entidades de saúde. No âmbito público e privado, as demandas de massa chegam ao Poder Judiciário brasileiro, caracterizadas com teses tributárias, administrativas, previdenciárias, cíveis e consumeristas.

Nesses quase sete anos da lei, somados ao aumento anual e incontrolável das demandas no Poder Judiciário brasileiro, ao esgotamento do modelo individualista do Código de Processo Civil de 1973 e do surgimento das demandas coletivas, assim como os reiterados planos econômicos governamentais, o aumento desenfreado do consumo, o aumento da litigiosidade com a criação dos juizados especiais cíveis na justiça estadual e federal, entre outros fatores, continua o enfrentamento para a racionalização e uniformização das chamadas demandas de massa. O guardião da legislação infraconstitucional, com o alarmante volume de processos revelado pelas estatísticas mensais e anuais, continua com uma pauta desafiadora. A chegada dos recursos repetitivos e seu contínuo aprimoramento cultural e procedimental apontam caminhos para a racionalização das demandas no próprio STJ e nas demais cortes Estaduais e Federais.

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