Direito Comparado

Reinhard Zimmermann na Faculdade de Direito do Largo São Francisco

Autor

  • Otavio Luiz Rodrigues Junior

    é professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP) com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

3 de dezembro de 2014, 7h00

Spacca
O intercâmbio e a internacionalização, embora sejam exigências formais das agências de controle e de fomento da pós-graduação, sempre integraram as atividades acadêmicas das grandes faculdades de Direito do Brasil. Na segunda metade do século XX até aos últimos anos, o país recebeu nomes como Carlos Cossio, Hans Kelsen, Robert Alexy, Claus-Wilhelm Canaris, Jörg Neuner e outros, para se limitar às referências a professores não lusófonos, estes últimos também de significativa relevância para a formação jurídica nacional.

Nesta quinta (4/12) e sexta-feira (5/12), às 10h, no auditório do primeiro andar do prédio histórico, a velha e sempre nova Faculdade de Direito do Largo São Francisco oferecerá à comunidade jurídica brasileira uma dessas raras oportunidades de travar contato com um dos grandes nomes do Direito contemporâneo: Reinhard Zimmermann, Diretor do Instituto Max-Planck para o Direito Estrangeiro [em tradução literal, mas também assimilável a Direito Comparado] e Internacional Privado, com sede em Hamburgo, na Alemanha. Ao seu lado estará Jan Peter Schmidt, pesquisador do Instituto Max-Planck e doutor em Direito pela Universidade de Ratisbona, com uma das melhores obras já escritas sobre o processo de codificação civil brasileiro.

Reinhard Zimmermann, nascido em 1952, na Cidade Livre e Hanseática de Hamburgo, tendo se formado em Direito na Universidade de Hamburgo e depois iniciado sua carreira como pesquisador na Universidade de Colônia. Em 1981, ele deu uma guinada e mudou-se para a África do Sul, em pleno apartheid, onde assumiu a cátedra de Direito Romano e Direito Comparado na Universidade da Cidade do Cabo. Sua atuação em território sul-africano foi reconhecida em 2006, quando sua antiga universidade outorgou-lhe um doutorado honorário, no qual se fez expressa referência a sua corajosa atuação em prol do restabelecimento do estado de direito naquela nação africana em tempos tão difíceis.

Seu retorno à Alemanha deu-se em 1988, quando se tornou catedrático da Universidade de Ratisbona, instituição a que está vinculado até hoje. No ano de 2002, assumiu o cargo de Diretor do Instituto Max-Planck de Hamburgo, o maior centro europeu exclusivamente dedicado a pesquisa em Direito Privado estrangeiro, comparado e internacional. Para além dessas importantes funções, Zimmermann é conselheiro da Sociedade Max-Planck, a instituição que mantém a rede de institutos dedicados à investigação científica nas mais diversas áreas do conhecimento humano na Alemanha e em alguns países conveniados.

A importante Associação de Professores de Direito Civil da Alemanha, um fórum que congrega os catedráticos dessa disciplina em todo o país, é também por ele presidida. No ano de 2011, Zimmermann assumiu a presidência do conselho administrativo da Studienstiftung des deutschen Volkes, uma fundação de apoio a jovens estudantes alemães com excepcional capacidade para a pesquisa e a investigação científica, que concede bolsas de estudo, prêmios e incentivos para aquisição de livros e materiais.

O desempenho de tantas funções na Alemanha é também acompanhado por um notável reconhecimento internacional. A fama de Reinhard Zimmermann ultrapassou as fronteiras da Alemanha e também do Direito. Tanto é verdade que o escritor escocês Alexander McCall Smith, em sua triologia The 2½ Pillars of Wisdom, criou a personagem Moritz-Maria von Igelfeld, que aparece no volume Portuguese Irregular Verbs, em homenagem e inspirado em Zimmermann.

Com diversos títulos de doutor honoris causa (Chicago, Tulane, Cornell, Yale, Cambridge, Oxford e Berkeley, por exemplo), Reinhard Zimmermann também participou de comitês para a unificação do Direito europeu, como a Comissão Lando, a Comissão UNIDROIT, além da respeitada Sociedade de Direito Comparado, da qual é presidente.

Tantas dignidades universitárias e uma trajetória acadêmica de tal magnitude não são capazes de explicar, de modo exclusivo, a relevância de ter Reinhard Zimmermann entre nós. É necessário ir além. Três importantes aspectos ressaltam o papel de Zimmermann no Direito Privado Contemporâneo.

O primeiro deles está na abertura de Zimmermann para a divulgação da cultura jurídica alemã em inglês, o que tornou suas obras mais conhecidas e divulgadas nos círculos universitários não germanófonos. São exemplos disso as obras The law of obligations: Roman foundations of the civilian tradition (Oxford University Press, 1996), Good faith in European contract law, com Simon Whittaker (Cambridge University Press, 2000), The new German law of obligations: Historical and comparative perspectives (Oxford University Press, 2005) e Comparative succession law: Testamentary formalities, com Kenneth Reid e Marius de Waal (Oxford University Press, 2012). Alguns desses livros, especialmente The law of obligations, são conhecidos dos estudantes de pós-graduação brasileiros e citados em muitas teses e dissertações das linhas de pesquisa de Direito Privado.

Essa abertura para o “latim” de nosso tempo, que é o idioma inglês, não se deu em detrimento dos escritos em alemão e do desenvolvimento do Direito Privado nacional. Zimmermann, ao lado de Joachim Rückert e Matthias Schmoeckel, em 2003, começou a editar o Comentário histórico-crítico do Código Civil alemão (Historisch-kritischer Kommentar zum BGB), editado pela Mohr Siebeck. É, sem favor, um dos mais importantes projetos editoriais em Direito Civil alemão das últimas décadas, pois consegue unir as fontes históricas e romanísticas, a contribuição doutrinária do século XX e as exigências contemporâneas de um Direito cada vez mais europeizado. É este segundo aspecto que também merece ser enaltecido. A ação de Zimmermann e de outros privatistas alemães como Rückert põe em causa a importância do estudo técnico-jurídico, tão abandonado no Brasil graças ao apelo fácil de uma dogmática permissiva a discursos politicamente corretos, cheios de circunlóquios e esforçada no abandono das normas em detrimento de princípios ad hoc.

O terceiro papel dá-se no plano institucional e de formação das novas gerações de juristas. O Max-Planck de Hamburgo tem recebido cada vez mais estudantes e professores brasileiros, muitos deles com bolsas concedidas pela Sociedade Max-Planck. A presença do Brasil nesse centro de pesquisas de Direito Comparado amplia o senso de importância do Direito Romano, da História do Direito Privado e dos fundamentos teóricos do Direito Civil. A permanecer esse fluxo, em algum tempo será possível identificar uma reação a certos discursos hegemônicos no Brasil quanto à desnecessidade dos estudos romanísticos e da relevância de se abandonar o sincretismo metodológico.

A relação do Brasil com o Max-Planck é antiga e remonta à célebre passagem de Pontes de Miranda pelo antigo Instituto Kaiser Wilhelm em Berlim, antecessor do Instituto Max-Planck. No entanto, foi graças à ação de Jürgen Samtleben (1937-), nos anos 1970-1980, que as relações com o Brasil se tornaram mais efetivas. Um dos continuadores desse projeto é Jan Peter Schmidt, que acompanha Reinhard Zimmermann na visita à Faculdade de Direito.

Schmidt doutorou-se em 2009 na Universidade de Ratisbona com uma tese de 607 páginas intitulada Codificação Civil no Brasil: Questões estruturais e problemas normativos em uma perspectiva histórico-comparativa (Mohr Siebeck, 2009), que foi premiada com a Medalha Otto Hahn, da Sociedade Max-Planck. Esse livro é, sem favor, um clássico contemporâneo. Para a civilística nacional, é uma honra que um estrangeiro haja feito um estudo tão profundo sobre a história, as fontes e o processo de codificação civil de nosso país. Ao tempo em que, por contraste, revela o quanto ainda se precisa evoluir nesse campo em termos de literatura nacional.

Em português, além de outros trabalhos, Jan Peter Schmidt é autor do capítulo sobre a responsabilidade civil no Direito alemão que integra o livro Responsabilidade Civil contemporânea (Atlas, 2011), coordenado por este colunista, Gladston Mamede e Maria Vital da Rocha.

Reinhard Zimmermann proferirá a conferência do dia 4 de dezembro sobre o tema Limitation of Liability for Damages in European Contract Law. A exposição será em inglês. Na sexta-feira, dia 5 de dezembro, Jan Peter Schmidt analisará o tema “Dez anos do art.422 do Código Civil: Luz e sombra na aplicação do princípio da boa-fé objetiva na práxis judicial brasileira”. A palestra de Schmidt será em português e fará um exame crítico da aplicação desse dispositivo no Brasil em cotejo com as doutrinas alemã e brasileira.

A participação é franca e não se faz necessária a inscrição prévia (vide cartazes das duas palestras aqui e aqui).

A conferência de Zimmermann e a palestra de Schmidt são eventos integrantes do Ciclo de Estudos de Direito Privado Contemporâneo, cuja promoção está a cargo da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (que congrega pesquisadores da 8 universidades – USP, UFPE, UFPR, UFF, UFSC, UFC, UFRGS e Universidade de Lisboa), do Grupo de Pesquisa de Direito Privado Comparado Contemporâneo e Reforma Legislativa da USP, do Grupo de Pesquisa de Direito Privado Romano da USP e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Bioética e Biodireito.

Muitos professores, magistrados, estudantes de pós-graduação e de graduação de outras instituições do Brasil confirmaram presença, de modo especial os representantes da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo na Universidade Federal do Paraná, liderados pelos professores José Antonio Peres Gediel e Rodrigo Xavier Leonardo, com a professora Larissa Leal, da Universidade Federal de Pernambuco, além da Universidade Federal Fluminense, liderados pelo professor titular Edson Alvisi Neves, e na Universidade Federal do Ceará, com a professora Maria Vital da Rocha.

A vinda de Zimmermann e Schmidt ao Brasil só foi possível graças à generosa acolhida de ambos ao convite formulado por este colunista e pelo professor titular Ignacio Poveda Velasco, bem como pelo apoio da Universidade de São Paulo, a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, do Departamento de Direito Civil e da Comissão de Pós-Graduação. Ficam registrados os agradecimentos aos professores José Rogério Cruz e Tucci (diretor), Carlos Alberto Dabus Maluf (chefe de Departamento) e Monica Herman Salem Caggiano (presidente da Comissão de Pós-Graduação).

Aproveitando sua vinda no Brasil, Jan Peter Schmidt também proferirá palestra em Florianópolis e em Curitiba na próxima semana, na Universidade Federal do Paraná e na Universidade Federal de Santa Catarina.

O convite é extensivo a todos os leitores da coluna Direito Comparado!

P.S.: na próxima semana, será retomada a sequência de colunas sobre o novo Código Civil e Comercial argentino.

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    é professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

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