Desmonte à vista

USP, patrimônio e responsabilidade de todos os paulistas

Autor

31 de agosto de 2014, 10h42

A USP é um patrimônio que vem sendo construído pelos paulistas, remotamente há quase 200 anos, quando da fundação de sua primeira faculdade; e, mais proximamente, desde a fundação da universidade, em 1934. Já há tempos é também patrimônio de interesse nacional. A universidade possui autonomia acadêmica e científica, outorgada pela Constituição Federal; autonomia financeira em virtude de legislação estadual, sendo dirigida por pessoas físicas, bem como por órgãos colegiados de diversas naturezas. A USP é grande não somente por sua importância acadêmica, mas também pelo número de professores, alunos, funcionários e dependências variadas de que se compõe.

Como a grande maioria das pessoas jurídicas, sua administração, em consonância com seu Estatuto e Regimento, é feita por pessoas eleitas e nomeadas, detentoras de mandato, insuscetível de ser renovado subsequentemente. Dessa forma, a universidade, como um grande transatlântico, vem sendo administrada em consonância com as necessidades de seu tempo e preferências de seus gestores, tendo crescido em número de campi, de unidades, contingente de alunos, professores e funcionários e, sobremaneira, em reconhecimento nacional e internacional, tendo-se tornado, insofismavelmente, universidade de padrão internacional e de ponta. É óbvio que, nesses 200 ou 80 anos, singrou águas mais e menos propícias, balançou ao sabor da brisa ou tremeu com borrascas, navegou com velocidade maior ou menor, mas nunca como agora sofreu uma parada brusca, que faz temer por grave retrocesso.

A atual administração está em exercício há sete meses, sem contar os aproximadamente 30 dias de período de transição. Por outro lado, a presente cúpula da universidade pertencia ao primeiro escalão da administração anterior, iniciada em 2010, não havendo, portanto, o benefício do desconhecimento do ocorrido na gestão anterior.

Desde janeiro, pela mídia, acompanhei a presente gestão uspiana e, por meses, o que vi foi uma brusca freada do transatlântico, acompanhada de acusações, caças às bruxas, demonizações e a busca de bode expiatório; seguida de uma das maiores greves que a instituição já enfrentou, patrocinada não por representantes de um segmento, mas por todos eles. Entretanto, o que mais me surpreendeu foi o documento reitoral de sugestões para serem discutidas com os diretores e eventual apreciação pelo Conselho Universitário. Em suma, ele representa o desmonte da universidade, com vendas e cessões das mais variadas, concentradas no campus central da capital. Face a esse prognóstico dantesco surgem perguntas:

Se a anterior administração era tão insatisfatória, por que os atuais gestores da USP participaram dela até o fim, gastando dinheiro orçamentário com planos de suas respectivas pastas, assim como com viagens e diárias?  Não teriam incidido, quanto menos, em omissão?

Por que, em maio, deixaram de conceder a reposição aos docentes e funcionários, que todos os trabalhadores brasileiros vêm fazendo jus, apesar da bilionária reserva que a USP possui? Dinheiro orçamentário recebido é para ser despendido na materialização dos fins da universidade, uma vez que não se trata de banco.

Tendo em vista que obras de infraestrutura em curso, em tempos de vacas magras, podem ser ralentadas, por que o afã de “leiloá-las”, preservando as dos campi do interior (exceto o Hospital de Bauru)?

Em período de recessão econômica, quando se praticam e se propõem medidas drásticas, qual a lógica de acenar para a criação de uma faculdade de Medicina da USP em Bauru?

O fato de o comprometimento orçamentário com salários da Unicamp e Unesp (universidades estaduais paulistas com o mesmo regime orçamentário) não diferirem muito do da USP, não milita a favor de ser factoide a “crise financeira” havida somente na USP?

Não querendo fazer o panegírico da administração da USP de 2010/2013 (de que, relembre-se, os atuais gestores da USP foram pró-reitores), não se pode esquecer seus pontos positivos, mesmo que por amostragem:  lisura, honestidade e  trabalho; aumento no número e nos valores dos auxílios de permanência estudantil; dotação de verba própria para pesquisa; melhora da infraestrutura de salas de aula, de laboratórios didáticos e de meios tecnológicos, além da Biblioteca Mindlin; implantação do plano de carreira horizontal de docentes; incremento da pesquisa oceanográfica, com novos navios e equipamentos; aprovação e implantação do plano de carreira dos funcionários; iluminação dos campi; melhora nos rankings internacionais (inter alia, alcançou-se o primeiro lugar entre as universidades da América Latina, há pouco perdido para a Universidade Católica do Chile); e, mais do que tudo, foi um período em que havia motivação e esperança.

Meu intuito, ao escrever as presentes linhas, não é exacerbar os ânimos, mas conclamar a comunidade acadêmica para a necessidade de união, e não de autofagia e divisão, em momento de desempenho econômico menos positivo, que exige sacrifícios e rearranjos, mas nunca desmantelamento. Já vão longe os tempos medievais em que desgraças e pestes eram, ingênua e maldosamente, enfrentadas com queimas na fogueira e com a criação de pogroms. Tempos inclementes são enfrentados com união e trabalho conjunto.

De qualquer modo, entretanto, que fique claro que a sociedade civil paulista, que está acima das autoridades da USP, não verá inerte o desmonte e a decadência da nossa universidade.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!