Segunda leitura

No Direito, redes sociais devem ser usadas com inteligência

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

24 de agosto de 2014, 9h23

Spacca
As redes sociais estão incorporadas no nosso dia a dia e quem delas não participa está fora do mundo. Literalmente fora, mesmo que não saiba. Isto pode ser uma opção de vida e ter boas justificativas. Mais tempo para leituras, contatos pessoais e lazer. Mas, profissionalmente, quem não dominar as redes terá grandes dificuldades de sobreviver.

Na área do Direito, os mais novos (estagiários, por exemplo), têm domínio completo do mundo digital. Criados com um computador no quarto, agem com desenvoltura e naturalidade. É como se tivessem um chip no corpo. Os quarentões saem-se bem, ainda que disfarçando algumas dificuldades. Cinquentões já reclamam um pouco, nostálgicos do processador de texto Word Star. Sessentões para cima penam, muitos desistem, alguns se adaptam heroicamente. E lá se vão a mandar mensagens pelo celular, aprendendo como atuar no processo eletrônico e fingindo que sabem o que é Instagram.

Essa mudança de cultura altera por completo o comportamento do acadêmico e do profissional do Direito. O estudante, com celular ou Ipad na sala de aula, muitas vezes se vê forçado a desliga-los. Errado. Imagine-se que em aula se trave uma discussão sobre a guarda de filhos e um aluno diga, no ato, como está decidindo o Tribunal de Justiça local. Jurisprudência viva, da semana passada. Indo mais adiante, suponha-se que a discussão seja sobre a permissão ou não do uso de maconha. Alguém poderá pesquisar, em tempo real, como é a legislação da Califórnia, EUA. E se não souber inglês, colocar no Google Translator. Não é pouca coisa. Essas novidades tecnológicas, portanto, podem auxiliar na discussão da matéria.

Na verdade, a mudança está só começando. Por exemplo, o Google Glass é um óculos que pode tirar fotos a partir de ordens do usuário, acessar e-mails e realizar videoconferências. Nesse nível de evolução, fica difícil entender pessoas que ainda querem discutir a validade de interrogatórios e outros atos por videoconferência, como se estivéssemos nos tempos em que gel se chamava gumex.

As redes sociais, como tudo na vida, podem ser usadas para o bem e para o mal. Há casos de jovens moças, pouco mais do que crianças, que se deixam filmar mantendo relações sexuais com o namorado, também menor, arriscando-se a verem-se expostas na mídia. Essa situação vem se repetindo de maneira preocupante. Do ponto de vista do Direito, por serem todos menores de idade, não se cogita de qualquer sanção, mas sim de orientação. Na ótica do Direito Civil, porém, poderá haver o dever de indenizar. Suponha-se que um rapaz, abandonado pela namorada, por vingança, torne público vídeo em que ela exiba o que Machado de Assis chamaria de partes pudendas. Seus pais poderão ser condenados a indenizar a menor, nos termos do artigo 932, inciso I do Código Civil.

Estudantes de Direito e jovens advogados devem tomar cautela com sua exposição na mídia. Um candidato a uma vaga de advogado júnior em um grande e respeitado escritório de advocacia não deve colocar no Facebook sua foto de sunga, rodeado de amigos tomando cerveja. Apesar desse fato, por si só, não ter maior relevância, a verdade é que passará a imagem de alguém descompromissado. E, como é de todo evidente, o entrevistador terá em mãos esses e outros dados do entrevistado. É uma questão de imagem que poderá ser decisiva na admissão ou não no emprego almejado.

Candidatos em concursos públicos também precisam precaver-se. Uma exposição reiterada, excessiva, selfies até no corredor do aeroporto podem transmitir uma imagem de imaturidade para um cargo público de responsabilidade. Não me refiro apenas à magistratura, mas, inclusive, a um cargo em comissão. Teria uma assessora de desembargador a discrição que dela se espera se a todo tempo expõe fotos suas nas mais diversas situações?

Algumas profissões exigem cautela. Policiais não devem identificar-se nunca. Fotos não se recomendam, muito menos dos filhos. Por estarem na linha de frente no combate à criminalidade, vivem sob permanente exposição e não raramente despertam ódio nos que são atingidos por sua ação profissional.

Outras profissões exigem recato. Juízes na Índia são proibidos de ter Facebook. No Brasil isso seria inconcebível, até porque a idade média é baixa e os jovens se comunicam através desta rede. Porém, quem exerce a magistratura deve limitar sua rede de amigos e jamais colocar fotos ou fatos de sua vida pessoal na rede. Além da discrição que o cargo exige, não são poucos os que se revoltam com decisões judiciais. Não só de pessoas que perdem uma ação como também por parte daqueles que não gozam de boa saúde mental, aqueles que o Código Civil de 1916 chamava de “loucos de todo o gênero”.

Agentes do Ministério Público, muito embora gozem de menor vigilância social, também se colocam em situação de risco. Principalmente quando ocupam postos de investigação no combate ao crime organizado, como o Gaeco.

E as provas oriundas das redes sociais, qual o valor no processo penal ou civil? Atualmente, sem previsão legal, a aceitação caminha por decisões isoladas. Mas é evidente que elas têm valor. Por exemplo, os juízes de Vara de Família vêm aceitando como prova fotos de devedor de alimentos no Facebook, deleitando-se em um refinado hotel no Caribe. Ao desembarcar no Brasil certamente encontrará um oficial de Justiça com o mandado de prisão nas mãos. A prova é válida, por certo, cabendo ao devedor a prova de eventual fraude. E o juiz, na busca da verdade real, pode obtê-la de ofício, mesmo sem requerimento da parte.

A propósito, o projeto de lei do Novo Código de Processo Civil, que se encontra no Senado (PL 166/2010), tem uma grande quantidade de artigos sobre a prova pericial, testemunhal e outras mas dedica apenas um (art. 362) ao uso de meios eletrônicos em audiências e três (arts. 488 a 490) aos documentos eletrônicos. Na sustentação oral nos tribunais não prevê a possibilidade de ser feita por videoconferência, prática esta adotada há cerca de 10 anos no TRF da 4ª Região (at. 483). Está sendo perdida uma boa oportunidade de avanço na área. Talvez esteja faltando a assessoria de experientes menores de 18 anos.

Finalmente, uma cautela especial deve ter quem escreve nas redes sociais. Lembro-me de um desembargador que ao responder uma mensagem a um juiz de primeira instância criticou seus colegas de tribunal. E por engano clicou “responder a todos” e não apenas “responder”. A mensagem foi divulgada e o fato custou caro ao remetente. Isso para não falar dos que escrevem e enviam o que lhes passa na cabeça. Depois acabam se incomodando bastante, respondendo processos disciplinares, quando servidores públicos, ou ações de indenização.

Como se vê, estamos diante de um fascinante novo mundo. Dele devemos tirar tudo o que tem de bom, evitando os perigos que podem levar a decepções, maus resultados e sofrimento. Cada um escolhe o seu caminho e colhe os resultados correspondentes.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Vice-presidente para a América Latina da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É presidente do Ibrajus.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!