Impunidade americana

Advogados nos EUA querem convenção global sobre crimes contra a humanidade

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16 de agosto de 2014, 6h33

A American Bar Association (ABA) — a Ordem dos Advogados dos Estados Unidos — divulgou uma resolução, editada durante seu encontro anual, que conclama o Parlamento do país a fazer o que nunca fez: aprovar uma legislação para prevenir e punir crimes contra a humanidade.

A Resolução 300 da ABA também conclama o governo dos Estados Unidos a exercer “um papel ativo na negociação e adoção de uma nova convenção mundial para a prevenção e punição de crimes contra a humanidade”.

No entendimento da ABA, os crimes de guerra e os genocídios estão formalmente cobertos por convenções internacionais, mas os crimes contra a humanidade não estão. São considerados crimes contra a humanidade “ataques generalizados ou sistemáticos contra qualquer população civil, em tempos de guerra ou de paz”.

Crimes contra a humanidade são, genericamente, crimes em massa. Por exemplo, assassinato, extermínio, escravidão, encarceramento, tortura, estupro, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada, perseguição por motivos políticos, raciais, étnicos, religiosos, culturais e de gênero, apartheid, deportação ou expulsão do país e outros atos desumanos que causam grande sofrimento físico ou mental — todos eles contra uma determinada população.

De acordo com a ABA, civis são frequentemente vítimas de atrocidades que não podem ser consideradas crimes de guerra, porque são cometidas em situações em que não há conflito armado e que não se encaixam, muitas vezes, na definição de genocídio.

Os crimes contra a humanidade foram definidos pelo Estatuto de Roma, aprovado em 1998 pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), com validade a partir de 1º de julho de 2002. Os Estados Unidos foram um dos sete países que votaram contra esse tratado.

Por não ter tratados internacionais, nem legislação interna para processar os criminosos, os Estados Unidos se tornaram, segundo a ABA, “um refúgio seguro para perpetradores de crimes contra a humanidade e crimes de guerra”.

Nenhum dos 50 estados americanos, nem o governo federal, têm qualquer legislação que puna crimes contra a humanidade. “Assim, mais de mil criminosos encontraram um refúgio seguro nos Estados Unidos”, diz a resolução.

Os Estados Unidos têm leis que criminalizam o genocídio e o recrutamento ou uso de menores como soldados. A lei do genocídio não limita jurisdição. Assim, um criminoso encontrado nos EUA pode ser processado no país, mesmo que o genocídio tenha acontecido em outro país.

A ABA quer uma legislação semelhante para os crimes contra a humanidade — isto é, que os criminosos possam ser processados nos EUA, não importa onde o crime tenha ocorrido. Além disso, a legislação deve estabelecer que crimes contra a humanidade não prescrevem, diz a resolução.

Para a ABA, o Tribunal Penal Internacional é considerado um sistema excepcional de execução dos tratados que, tipicamente, só processa acusados de alto nível. E se baseia na noção de que a jurisdição nacional é a primeira instância, o lugar apropriado para processar os criminosos, se há legislação que dê suporte a isso.

“Além disso, o Estatuto de Roma não obriga, explicitamente, os estados membros a processar crimes contra a humanidade”, diz a resolução. Essa limitação tem consequências práticas. Um estudo da Faculdade de Direito da Universidade de Washington mostrou que “muitos Estados que aprovaram o Estatuto de Roma não criaram legislação interna para combater esses tipos de crimes”. Isso significa, diz o estudo, que esses Estados não se sentem obrigados a seguir o Estatuto de Roma.

O estudo sugere que apenas um quarto dos países prevê alguma forma de “jurisdição universal” sobre esses crimes. E, sem tratados de extradição, as leis internacionais não requerem que um país entregue um indivíduo a outro país. No caso dos Estados Unidos, uma extradição só pode acontecer “sob a autoridade de um tratado ou de um estatuto”.

A ABA quer um tratado internacional que obrigue todos os estados membros a passar legislação interna para combater crimes contra a humanidade, crimes de guerra e genocídio, com acordos de cooperação entre eles, bem como de extradição e assistência jurídica mútua na investigação e no processo, para acabar com a impunidade.

A começar pelos Estados Unidos, onde a falta de legislação específica mina a liderança, que o país quer exercer, na promoção do Estado de Direito. E promove a impunidade: nos EUA, a única maneira de processar um “perpetrador de crime contra a humanidade”, encontrado no país, é indiciá-lo por alguma violação menor às leis, como à lei de imigração.

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