A Toda Prova

Possibilidade da cessão de uso de áreas públicas para partidos políticos

Autor

  • Aldo de Campos Costa

    é procurador da República. Foi advogado professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça assessor especial do Ministro da Justiça e assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal.

14 de agosto de 2014, 14h14

O que você faria, na qualidade de Procurador da República, caso o Presidente da Câmara dos Deputados cedesse uma sala do Órgão a um partido político?(Prova oral do 27º concurso para provimento de cargos de Procurador da República).

Spacca
Caricatura Aldo de Campos Costa [Spacca]Retomo, após três meses, à redação dos textos da coluna, pedindo desculpas aos leitores pelo involuntário abandono. Começo a nova fase comentando formulação apresentada na prova oral do último concurso para o provimento de cargos de procurador da República.

A questão foi nitidamente inspirada numa representação formalizada pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União. Posicionando-se como membro do Ministério Público Federal, cumpria ao candidato afirmar a possibilidade de o Órgão propor ação coletiva em defesa do patrimônio público, segundo dispõe o Enunciado 329 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, pois a despeito de ser o instrumento, em razão das finalidades sociais, preponderantemente condenatório, implicando em obrigação de fazer ou não fazer, os tribunais superiores tem-na admitido para a defesa do erário (STJ REsp 78.916 e STF RE 208.790).

No caso concreto, o Ministério Público de Contas revelou que alguns partidos políticos e instituições a eles ligadas, como a Fundação Milton Campos para Pesquisas e Estudos Políticos e a Fundação Ulysses Guimarães estariam ocupando significativo espaço físico nas dependências da Câmara dos Deputados. Os espaços não seriam aqueles regular e regimentalmente destinados aos parlamentares eleitos ou às lideranças dos partidos e blocos partidários e sim áreas que serviriam de suporte para as atividades privadas desses partidos, a administração, controles, patrimônio e a difusão do ideário.

Como os partidos políticos, bem como os respectivos institutos e fundações, são, nos termos dos artigos 17, parágrafo 2º, da Constituição da República, 1º e 53 da Lei 9.096/1995 e 44, inciso V, do Código Civil, pessoas jurídicas de direito privado que não integram a administração pública e não se confundem com o Estado, qualquer forma de subsídio estatal a uma entidade privada, por mais relevante que seja, deve estar prevista em lei, em face da indisponibilidade do interesse e dos bens públicos. Nesse particular, o candidato deveria se recordar que o artigo 44 da Lei 9.096/1995 estabelece que o apoio estatal a essas entidades se dá por meio do Fundo Partidário. Segundo o preceito, devem ser aplicados na manutenção das sedes e serviços do partido e na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política.

Pois bem. Para o Ministério Público, nos moldes em que concretizada, a ocupação dos aludidos espaços públicos afrontaria os princípios constitucionais da legalidade (por não haver amparo legal), da moralidade (pela utilização de espaço público por entidades privadas que já dispõem de recursos para o seu financimanto), da razoabilidade (por conta da escassez de espaço físico para o cumprimento das finalidades a que a Câmara dos Deputados se destina) e da isonomia (tendo em conta que nem todos os partidos gozam do benefício).

Essa ótica, no entanto, só veio a ser parcialmente agasalhada pelo Tribunal de Contas com a vinda das informações prestadas pelas Fundações. Entendeu a corte que a ocupação só poderia ser legitimada por meio de uma cessão de uso, onerosa e precária, evidenciando, assim a inadequabilidade dos “termos de ocupação de área por terceiros”, a título gratuito, até então utilizados para formalizar a relação entre a Câmara e as aludidas pessoas jurídicas de direito privado.

Asseverou ser a cessão de uso, originalmente, um instrumento utilizado para que um órgão da administração pública cedesse, gratuitamente, no intuito de colaboração, espaços que não estavam sendo utilizados a fim de que um outro órgão viesse a fazê-lo.

Destacou, contudo, haver a Lei 9.636/1998 ampliado as possibilidade de utilização da cessão, autorizando-a, a critério do Poder Executivo, gratuitamente ou em condições especiais, sob quaisquer dos regimes previstos no Decreto-lei 9.760/1946, os imóveis da União a entidades sem fins lucrativos, de caráter educacional, cultural ou de assistência social, a pessoas físicas ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional, que merecessem tal favor.

Tendo por base essas premissas, concluiu que a Câmara dos Deputados deveria providenciar a substituição, por termos de cessão de uso, os “termos de ocupação de área por terceiros” e as “autorizações de uso” que até então vinham sendo utilizados. Ordenou, ainda, fossem elaborados estudos visando estabelecer valores compatíveis a serem cobrados das entidades que ocupavam as áreas, devendo o órgão neles explicitar nos termos de cessão de uso os valores a serem pagos àquele título, discriminando-os dos devidos como ressarcimento pela utilização de linhas telefônicas, água etc.  Por fim, recomendou a deflagração do pertinente processo licitatório na impossibilidade de se atender todas as eventuais solicitações de cessão de uso de área para o desenvolvimento das atividades de partidos políticos e de instituições a eles ligadas, ante a escassez de espaços não utilizados.

No âmbito extrajudicial, todas essas cautelas poderiam ter sido objeto da atuação de um membro do Ministério Público Federal na espécie, designadamente na forma da uma recomendação legal, visando ao respeito de interesses e bens cuja defesa lhe cabe promover. O instituto está previsto nos artigos 6º, inciso XX, da Lei Complementar 75/1993 e 4º da Resolução-CSMPF 87/2010.

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    exerce o cargo de procurador da República. Foi advogado, professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, assessor especial do Ministro da Justiça e assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal.

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