Jurisprudência Fiscal

Decisões do Carf, questões controvertidas e soluções tributárias úteis

Autores

  • Antonio Elmo Gomes Queiroz

    é advogado pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet em Gestão de Operações Societárias e Planejamento Tributário pelo Ineje (RS) e em docência do Ensino Superior pela UFRJ; vice-presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; sócio do escritório Queiroz Advogados Associados; e palestrante da FocoFiscal.

  • Mary Elbe Queiroz

    é advogada tributarista sócia da Queiroz Advogados Associados pós–doutora em Direito Tributário (Universidade de Lisboa – Portugal) Doutora em Direito Tributário (PUC-SP) mestre em Direito Público (UFPE) professora e presidente do Conselho Jurídico do Ibrei.

14 de agosto de 2014, 11h09

Spacca
Esta coluna apresenta decisões recentes e relevantes sobre a aplicação das normas tributárias federais, que é uma das principais preocupações dos contribuintes, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, quando buscam administrar seus recursos e negócios. Atualmente existem vários conflitos sobre a correta interpretação das leis, e a busca da segurança jurídica recomenda que, conhecendo as discussões em curso, saiba-se os riscos e consequências de se adotar um procedimento já questionado para outros contribuintes, além de permitir a correção de defeitos geradores desses questionamentos, por meio dos casos em que os contribuintes obtiveram sucesso nas suas defesas.  

Nesse sentido, serão principalmente destacados os julgamentos de autos de infração da Receita Federal perante o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), pois esse é o órgão incumbido legalmente de dar a última palavra sobre os tributos federais na esfera administrativa. Para se ter uma ideia, o Carf vem publicando uma média de 1,5 mil acórdãos por mês, cuja atenta leitura será a principal fonte de pesquisa para os temas desta coluna.

Amortização de ágio
Um primeiro tema que merece destaque é uma matéria geradora de autuações bilionárias: a possibilidade de deduzir o ágio gerado em operações societárias para reduzir o IRPJ e a CSLL. O Fisco vem recusando a dedutibilidade quando não enxerga propósito negocial nas operações societárias, mas apenas objetivo de economia fiscal, o que, na ótica do Fisco, impediria efeitos tributários e, na ótica dos contribuintes, não é proibido por lei. O Carf tem decisões conflitantes, estando hoje a matéria no aguardo da pacificação pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), instância última do Carf.

Enquanto a CSRF não define a interpretação prevalecente, as Turmas continuam a julgar os casos, como é exemplo o último acórdão publicado tratando de uma operação societária. Por unanimidade, foi aceita a dedutibilidade do ágio, pois, independentemente de ter havido, para permitir a dedução do ágio, uma segunda operação societária de incorporação reversa — a investida operacional incorporou a investidora batizada de “sociedade veículo” —, na verdade o foco do julgamento esteve na primeira operação, de geração do ágio, sendo aceito que teria ocorrido entre partes independentes, sendo, portanto ágio válido. Detalhe: o ágio foi gerado na aquisição de 49% de sociedade em que o grupo já detinha 51%, portanto, uma sociedade vinculada. Mas o diferencial para não ser caracterizado como “ágio interno” e inválido é que a alienante dos 49% era terceira independente. A decisão foi assim ementada:

Acórdão 1302-001.404 (publicado em 06.08.2014)

ÁGIO. AMORTIZAÇÃO. INCORPORAÇÃO REVERSA. DEDUTIBILIDADE.

Após a incorporação da investidora pela investida (incorporação reversa), é dedutível a amortização de ágio decorrente da anterior aquisição de participação societária em negócio firmado entre partes independentes, em condições de mercado, baseado em expectativa de rentabilidade futura da investida e efetivamente pago à alienante do investimento. A incorporação da investidora pela investida (incorporação reversa) é operação prevista em lei, bem assim seus efeitos tributários.


Lucros no exterior
Em outra decisão, uma Turma do Carf, já aplicando o entendimento do STF quanto à possibilidade de tributação de lucros auferidos no exterior, fez a distinção de ela ser possível nas controladas, mas não nas coligadas, e também avançou quanto a aspecto da questão ainda não apreciada pelo STF, no que tange aos tratados internacionais sobre bitributação, fazendo a diferença entre lucros e dividendos; assim ementado:

Acórdão 1402-001.713 (publicado em 06.08.2014)

CONTROLADA NA ARGENTINA. DIVIDENDOS PRESUMIDOS. DISTRIBUIÇÃO À COLIGADA NO BRASIL. TRIBUTAÇÃO.

O art. 74 da MP 2158-34/2001 estabeleceu a presunção ficta da tributação de dividendos recebidos por beneficiários domiciliados no Brasil, referentes à disponibilização de lucros auferidos por coligadas ou controladas no exterior.

O Tratado entre Brasil e Argentina não afasta a incidência de tributação, na controladora sediada no Brasil, relativamente aos dividendos disponibilizados pela controlada Argentina e não tributados nesse país.

COLIGADAS NA ARGENTINA E NO PARAGUAI. TRIBUTAÇÃO DE LUCROS DISPONIBILIZADOS. ART. 74 DA MP Nº 215834/2001. INCONSTITUCIONALIDADE.

O Supremo Tribunal Federal (STF) na apreciação da Adin nº 2.588 referente à aplicabilidade do art. 74, da MP nº 2.158-34/2001, decidiu pela inconstitucionalidade do dispositivo em relação às empresas nacionais coligadas a pessoas jurídicas sediadas em países sem tributação favorecida.


 

Ganho de capital
A decisão a seguir trouxe um caso raro de afastamento de tributação com interpretação que busca justiça para o caso concreto. É que a situação não era de desapropriação para fins de reforma agrária. Portanto, a operação que não gozava de expressa imunidade (artigo 184, parágrafo 5º, da Constiuição Federal). Porém, uma Turma da CSRF estendeu o benefício da imunidade mesmo para um caso de venda, cancelando o IR sobre ganho de capital ante as peculiaridades do caso; assim ementado:

 

Acórdão 9101-001.886 (publicado em 01.08.2014)

IRPJ – GANHO DE CAPITAL – VENDA DE IMÓVEL – REFORMA AGRÁRIA.

Pelos fins teleológicos da norma imunizante, o disposto no art. 184, §5°, da Constituição Federal alcança o resultado apurado na venda de imóvel ao INCRA, cuja desapropriação era vedada por se tratar de terras produtivas, mas cuja aquisição pela União decorreu da necessidade de distender tensões sociais provocadas pela presença de numerosas famílias acampadas em torno da propriedade.


 

Processo tributário: não conhecimento de manifestação de inconformidade
Uma Turma do Carf tomou posição inovadora em questão processual. Tudo começou quando a Delegacia Regional de Julgamento da Receita Federal não conheceu uma Manifestação de Inconformidade que estava contestando uma negativa da Receita em homologar compensação de tributos. E, ao não conhecer o recurso, a DRJ inviabilizou a subida da discussão para o Carf, pois esse órgão só poderia apreciar um recurso se a DRJ tivesse conhecido e apreciasse o mérito da compensação — conforme o parágrafo 10º do artigo 74 da Lei 9.430/1996. Inconformado, o contribuinte impetrou Mandado de Segurança e obteve liminar e sentença determinando que o Carf julgasse seu recurso. Mas o TRF-2 reformou a decisão de primeiro grau, concordando que só em casos de improcedência haveria recurso para o Carf, não em casos de não conhecimento.

 

Pois bem, mesmo com o não conhecimento pela DRJ, e mesmo tendo falecido a decisão judicial que mandava julgar, a Turma do Carf conheceu do recurso, detectou que foi indevido o não conhecimento da Manifestação de Inconformidade e fez o caso voltar à DRJ para que ela apreciasse o mérito da Manifestação de Inconformidade, criando um valioso precedente. Para assim decidir, o acórdão empregou analogia com outro julgado que tratou de caso de intempestividade, além de ter dado interpretação larga à norma que prevê, genericamente, que compete ao Carf apreciar recursos contra decisão de primeira instância:

Acórdão 3202-001.154 (publicado em 30.07.2014)

DESPACHO DECISÓRIO. MANIFESTAÇÃO DE INCONFORMIDADE NÃO CONHECIDA. RECURSO VOLUNTÁRIO. COMPETÊNCIA.

É cabível a interposição de recurso voluntário contra acórdão da DRJ, ainda que esta não tenha conhecido a manifestação de inconformidade, devendo o CARF apreciá-lo, na forma do art. 1º do Regimento Interno do CARF (Portaria MF nº 256, de 22 de junho de 2009). Precedente do CARF.


 

Ofensa à moralidade administrativa
Uma Turma do Carf registrou em acórdão uma crítica ao Fisco por ter autuado um contribuinte em relação a determinado período, mesmo tendo recebido as provas de que ele tinha recolhido os tributos espontaneamente. A autuação foi justificada apenas com o fato de o contribuinte não ter informado o recolhimento na DCTF. A decisão foi assim ementada:

 

Acórdão 1302-001.456 (publicado em 08.08.2014)

Ofende o princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, CF/88) a lavratura de auto de infração para constituir tributo que a Administração Tributária tenha pleno conhecimento ser indevido, mormente quando, mesmo sabendo extinto o crédito tributário pelo pagamento, determina que sobre ele incida multa de ofício.


 

Ilegalidade – arrolamento de bens
Acórdão recente do TRF-1 aponta o caminho para os contribuintes reverterem algumas autuações que podem já estar sendo executadas ou parceladas, por se pensar estarem encerradas. É que, antes, o recurso administrativo para o Conselho de Contribuintes (atual Carf) era condicionado a um arrolamento de bens para garantir 30% do débito (artigo 33, parágrafo 2º, do Decreto 70.235/1972). Ocorre que o STF julgou inconstitucional tal preceito na ADI 1.976, com edição da Súmula Vinculante 21.

 

Sendo assim, caso alguma autuação tenho deixado de subir para o Carf por esse motivo, o processo foi encerrado ilegalmente e a discussão da autuação deve ser reaberta, independentemente do tempo e do estágio em que estiver o débito, com Execução Fiscal ou parcelamento. Foi o que ocorreu com um contribuinte que buscou, em 2014, reabrir caso encerrado em 2004 por falta do arrolamento. E a Turma do TRF-1, por unanimidade, confirmou a liminar de suspensão dos débitos, fazendo com que os processos administrativos fossem reabertos e remetidos para o Carf, independentemente do período em que fora negada a admissibilidade para o Conselho:

Agravo de Instrumento nº 0022739-11.2014.4.01.0000 (publicado em 08.08.2014)

1. Trata-se de agravo regimental interposto pela FAZENDA NACIONAL em face de decisão que deu parcial provimento ao presente agravo de instrumento (art. 557, §1º-A, do CPC c/c art. 29 do RITRF/1ª Região), interposto, por sua vez – contra decisão que indeferiu pedido de liminar, em sede de mandado de segurança, requerida para cancelar as inscrições na dívida ativa dos PAF’S 10325.001245/2002-15 e 10325.001246/2002-60, até a constituição definitiva do crédito tributário, com o esgotamento da via administrativa fiscal.

O provimento parcial dado ao recurso foi para determinar a imediata remessa ao Primeiro Conselho de Contribuintes ou ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais dos recursos voluntários interpostos pela agravante nos autos dos Processos Administrativos Fiscais nº 10325.001245/2002-15 e 10325.001246/2002-60, bem como seu julgamento. (…)

2. Nos termos da Súmula Vinculante nº 21 do STF, "é inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para a admissibilidade de recurso administrativo". Com efeito, trata-se de súmula que vincula não só o Poder Judiciário, mas também a Administração Pública. A partir de sua edição, a omissão da Administração quanto ao seu cumprimento é renovada mês a mês. (…)

6. Agravo Regimental não provido.

Autores

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    é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

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    é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.

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