Teoria da Asserção

Minoritário não precisa provar fraude para justificar acesso a documentos

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12 de agosto de 2014, 10h16

Atualmente, as condições para a ação têm de ser analisadas com base na moderna Teoria da Asserção, que considera unicamente os fatos narrados na peça inicial. Assim, não se pode falar em falta de interesse processual se uma ação exibitória de documentos não detalhou as ‘‘fundadas suspeitas de irregularidade’’ para embasar o seu pedido, como dispõe a Lei das Sociedades Anônimas.

O argumento levou o 8º Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a afastar preliminar que, na prática, desobrigava sociedade anônima de apresentar documentos que elucidassem, a um sócio minoritário, sua relação com uma offshore. O caso chegou ao colegiado porque a parte autora, que perdeu a Apelação por maioria, pediu a prevalência do voto vencido, que foi acolhido em sede de Embargos Infringentes.

A relatora dos Embargos, desembargadora Ana Beatriz Iser, escreveu no acórdão que, se assim não fosse, toda e qualquer demanda conduziria, necessariamente, a um juízo de ausência de condições da ação. Apesar disso, entendeu que o sócio minoritário atendeu, sim, a exigência contida no artigo 105 da Lei das S/A, uma vez que a empresas demandada resistiu em exibir a documentação solicitada, bem como a fornecer informações em relação aos negócios entabulados com a offshore.

‘‘Não se pode olvidar que, se, por um lado, é irrecusável o direito da sociedade de manter o segredo de sua escrituração, por outro lado, fiscalizar a companhia é direito intangível dos acionistas, nos termos do art. 109 da lei’’, encerrou a relatora. O acórdão foi lavrado, à unanimidade, na sessão de julgamento do dia 13 de junho.

Exibitória de documentos
Ardema Empreendimentos e Participações contou à Justiça que tem relação comercial e participação acionária de 17% na Bianchini S/A Ind. Com. e Agricultura. Em função dessa ligação, procurou saber da Bianchini qual era a sua relação jurídica com a empresa uruguaia Larent, tida como offshore — aberta em paraíso fiscal. Como esta não atendeu sua solicitação depois de duas notificações extrajudiciais, a Ardema ajuizou Ação de Exibição de Documentos na 3ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, a fim de se inteirar dos detalhes.

Na ‘‘exibitória’’, pediu acesso aos documentos referentes a todas as operações realizadas entre as sociedades, inclusive documentos fiscais, contábeis, contrato social, dentre outros. Ela argumentou que tem o direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais da companhia, nos termos do artigo 109, inciso III, da Lei 6.404/1976 (Lei das S/As)

Citada, a Bianchini contestou. Alegou não haver legítimo interesse no pleito, porque já teria apresentado todos os documentos solicitados administrativamente, que foram, inclusive, disponibilizados em jornais de grande circulação.

O juiz Mauro Caum Gonçalves observou que o juízo não se interessa pela finalidade de uso da documentação, pois o autor só está pleiteando um direito seu, que é ter os tais documentos. Assim, julgou procedente a ação, registrando que a exibição dos documentos foi feita nos autos.

Apelação
Ambos os litigantes entraram com recurso de Apelação na 16ª Câmara Cível do TJ-RS. A parte autora pediu a reforma do fragmento da sentença que reconheceu a satisfação da obrigação, já que os documentos pleiteados não foram os exibidos no curso da ação. A ré, por sua vez, alegou a falta de interesse de agir da autora. No mérito, repisou os argumentos apresentados na contestação.

A desembargadora-relatora Ana Maria Nedel Scalzilli derrubou, primeiro, a preliminar de ausência de interesse processual, já que a parte autora comprovou a solicitação dos documentos da ré, deixando de ser atendida na esfera extrajudicial. ‘‘Saliente-se que a ré tem o dever de exibir os documentos solicitados pela autora, seja por força do disposto no artigo 358, inciso III, do Código de Processo Civil, seja por força do disposto no artigo 105 da Lei 6.404/76, considerando a porcentagem de participação da requerente na empresa requerida e a fundamentação que enseja suspeita de irregularidades’’, anotou em seu voto.

Analisando os documentos anexados aos autos, a relatora concordou com a alegação de que não houve, efetivamente, a apresentação dos documentos referidos na inicial. Assim, determinou que, em 15 dias, a Bianchini exibisse a documentação contábil dos negócios entabulados com a offshore, limitada aos livros a que se refere o artigo 100 da Lei das S/As, já que esta possui obrigação de manter a escrita dos últimos cinco anos.

Voto divergente
O desembargador Paulo Sérgio Scarparo abriu divergência e foi acompanhado pela colega Rita Catarina Krieger Martins. Para Scarparo, a generalidade das alegações e a própria finalidade da ação revelam falta de interesse processual da parte autora. Explicou que, nas ações exibitórias, a Leis das S/A elenca requisitos objetivos e subjetivos como condições da ação atreladas à legitimidade e ao interesse da parte.

Na fundamentação, citou a literalidade do artigo 105: ‘‘A exibição por inteiro dos livros da companhia pode ser ordenada judicialmente sempre que, a requerimento de acionistas que representem, pelo menos, 5% (cinco por cento) do capital social, sejam apontados atos violadores da lei ou do estatuto, ou haja fundada suspeita de graves irregularidades praticadas por qualquer dos órgãos da companhia’’. Em complemento, como fecho, Scarparo citou doutrina de Modesto Carvalhosa, expoente no Direito Societário: ‘‘Não basta que o requerente seja acionista titular de mais de 5% do capital social. É, ainda, necessário que o pedido venha nitidamente justificado, para que possa ser deferida medida de tal gravidade’’.

No caso concreto, discorreu, a parte autora limitou-se a apontar uma ‘‘suposta possibilidade’’ de que ré estaria sofrendo prejuízos em razão das operações realizadas com a empresa uruguaia. E a alegação genérica, sem substrato, não serve para reencher os requisitos legais exigidos para fins de exibição dos livros da empresa. Com isso, deu provimento à re pra extinguir a ação, sem resolução de mérito.

Como a decisão se deu por maioria, a Ardema interpôs Embargos Infringentes no 8º Grupo Cível da corte, com o objetivo de provocar um novo julgamento. O colegiado reúne os desembargadores da 15ª e 16ª Câmaras Cíveis, que julga ações do Direito Privado.

Clique aqui para ler o acórdão dos Embargos.
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