Justiça Tributária

As estimativas fantasiosas de arrecadação e sonegação de tributos

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

11 de agosto de 2014, 9h54

Spacca
A Associação Comercial de São Paulo mantém em sua sede um painel eletrônico que se movimenta em grande velocidade e ao qual dá o nome de "impostômetro", onde informa o valor dos impostos arrecadados pelo governo.

O Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional tem o seu "sonegômetro" e lá declara que a sonegação neste ano pode alcançar R$ 500 bilhões.

Ambas as entidades são respeitáveis. Comerciantes em regra são sérios e procuradores também. Mas isso não é suficiente para recebermos como indiscutíveis essas informações. Não há comprovação sobre os métodos utilizados em ambos os casos, o que nos permite concluir que se trata de uma operação marqueteira, destinada a obter espaços na mídia.

Tanto num caso como no outro parece que se trata de uma série de fantasias. Não existe nenhuma forma pela qual se possa acompanhar, através de qualquer mecanismo, eletrônico ou não, os valores de impostos arrecadados no país, no estado ou nos municípios.

Como é que se pode avaliar com precisão o imposto que se paga diariamente ou mesmo no espaço de até um segundo? Existe alguma forma de criar mecanismos que, de imediato, possam registrar o quanto foi pago em impostos?

Em relação às informações disponibilizadas pelos que representam os comerciantes, não há nenhuma evidência de que os números sejam corretamente apurados. Ainda que o tal painel eletrônico atraia a atenção de muitas pessoas, seus dados não podem ser exatos.

Mas parece-nos que o chamado "sonegômetro" é tão ou mais inexato que o "impostômetro". Ambos são coisas fantasiosas.

No caso da fantasia dos comerciantes, não tem tanta importância. Seus custos são pagos por uma entidade privada que presta contas apenas aos seus associados.

O sindicato dos procuradores, mesmo que subsista apenas com recursos dos sindicalizados, tem outro aspecto. Divulga apenas o suposto valor da sonegação, mas também não informa como chegou a esse valor. Uma previsão do que vai acontecer com a sonegação é tão somente exercício de futurologia. Mas quem cuida do futuro são os astrólogos.

Talvez não seja verdade, mas já foi informado que servidores públicos afastados do trabalho para exercer atividades sindicais recebem vencimentos durante o afastamento. Aí sim, há necessidade de que tais atividades sejam transparentes, posto que os vencimentos de servidores públicos são pagos pelos contribuinte. Se estão ocupados com assuntos de seu sindicato, não podem receber vencimentos pagos pelo poder público.

Caso seja verdadeira a afirmação do sindicato, nossa carga tributária total representaria mais de 50% do PIB, pois já suportamos cerca de 40% disso.

Assim, metade do que se produz no país fica com o governo. Já não somos mais cidadãos, mas escravos.

Provavelmente nesses 500 bilhões estão incluídos todos os valores que se pretende cobrar da população.

Ora, há milhares de ações de execução fiscal de tributos federais já alcançadas pela prescrição. Muitos contribuintes inadvertidamente pagam tais valores por diversas razões como, por exemplo, para obter certidões negativas necessárias inclusive para participar de concorrências públicas. Esse valor pago, ainda que prescrito, será repassado aos custos e preços, inclusive aos fornecimentos feitos ao órgãos estatais.

Outrossim, a cobrança de débitos prescritos caracteriza o crime de excesso de exação. O parágrafo 1º do artigo 316 do Código Penal é claro: o funcionário público que exija tributo que sabe ou deveria saber indevido, sujeita-se à pena de reclusão de 3 a 8 anos e multa. Tributo prescrito é indevido. Nenhum servidor público, inclusive procuradores, ignora ou pode ignorar a extinção do tributo explicitada no artigo 156 do Código Tributário Nacional.

Sonegação é crime. Os contribuintes não devem praticá-la. O servidor que a anuncia tem o dever de investigá-la e adotar providências para que não ocorra. Mas se a sonegação ocorre, não é apenas pela vocação criminosa que toma conta dos contribuintes. Ela pode surgir como luta pela sobrevivência nos casos em que não se combate de maneira eficaz a concorrência desleal. Veja-se, a respeito, a ação de contrabandistas ou as importações oriundas de países com carga tributária muito inferior à nossa.

Registrar carga tributária por métodos não comprovados, discutíveis ou pelo menos duvidosos, pode ser prejudicial à imagem de uma entidade respeitável como a Associação Comercial. Há outras formas de ela se tornar mais útil à sociedade e aos comerciantes. Se seus diretores são incapazes de encontrar tais formas, mais bem fariam se encerrassem a entidade.

Também nenhum proveito trazem à sociedade brasileira previsões sobre futura sonegação. Os procuradores são pessoas respeitadas por todos os brasileiros. O exercício de futurologia que praticam pode reduzir o respeito que merecem.

Comerciantes e servidores não necessitam dessas fantasias para chamar a atenção da sociedade. Sempre serão respeitados se apenas cumprirem as muitas missões a que se dedicam.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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