Aniversário em mudança

Aos 187 anos, cursos jurídicos terão currículo revisado ainda este ano

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11 de agosto de 2014, 7h20

Completando 187 anos de existência nesta segunda-feira (11/8), os cursos jurídicos no Brasil estão no centro de uma grande discussão que opõe a proliferação das faculdades no país à qualidade dos profissionais formados. Até o final deste ano, o currículo dos cursos de Direito serão alterados, segundo o Ministério da Educação. Especialistas defendem mudanças como a inclusão ou reforço do ensino de matérias práticas, ética, Direito Constitucional, entre outras.

O surgimento dos primeiros cursos jurídicos no Brasil se deu em 1827, com a criação de duas faculdades de Direito: uma em Olinda, que deu origem à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, e outra em São Paulo, que deu origem à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Para Marcos da Costa, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, a história é riquíssima, mas pede transformações. Para ele, a mudançamais necessária à sociedade diz respeito ao paradigma do processo. Ele considera que se deve dar mais atenção para o ensino da conciliação e mediação, de novas disciplinas e do processo digital.

“Os cursos sempre foram muito focados no processo, mas hoje nós temos, até em face da estrutura do Judiciário não dar conta da demanda imensa de processos, a busca maior pelo caminho da conciliação. Isso é importante na formação do profissional. O curso forma não só o advogado, mas também o bacharel, que depois vai ser um magistrado, promotor, delegado. Temos também áreas novas no Direito que precisam de cadeiras suplementares. O processo digital também precisa ser melhor abordado nos cursos para preparar os profissionais para o uso da tecnologia”, comenta.

Já para Tullo Cavallazzi Filho, presidente da OAB de Santa Catarina, é importante que as diretrizes incorporem outras exigências atuais, como a educação de relações étnico-raciais e de outras questões temáticas que dizem respeito aos afrodescendentes, já exigidas pelo Conselho Nacional de Educação, mas ainda não incorporadas às diretrizes curriculares. “Também a educação ambiental deve ser tema transversal às disciplinas dos cursos de Direito”, afirma.

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As demandas do mercado, que mudam muito e crescem quando a economia do país se acelera, também precisam ser atendidas. Para Marcos da Costa (foto), a advocacia tem falta de vários profissionais hoje, como especialistas em telecomunicações, contabilidade, óleo e gás, compliance, entre outras. “Os estudantes deveriam ter a oportunidade de escolher uma especialização na faculdade”, diz.

Quanto aos parâmetros de avaliação, o preisdente da OAB-SP defende o Exame da Ordem como importante forma de incentivo ao aumento do conhecimento dos profissionais, principalmente pela “imensa” quantidade de cursos no Brasil. “Mas o Exame sempre precisa passar por um processo de rediscussão por causa das várias áreas que estão surgindo e das demandas da sociedade”, aponta.

A situação do ensino de Direito no país é dramática para Costa. Ele lembra que o Ministério da Justiça já comparou o número total de cursos de Direito no mundo (cerca de 1.100) com o número de cursos no Brasil (1.240). “Isso evidencia um dado dramático. Nós sabemos que a grande maioria desses cursos não tem o foco na boa formação, mas sim na questão mercantil. Os cursos mal avaliados nem deveriam ter sido abertos, foram criados sem nenhum critério. São verdadeiros estelionatos educacionais”, comenta o presidente da OAB-SP.

A entidade acompanha cursos de Direito no estado por meio da Comissão de Educação Jurídica, que ajuda na avaliação dos cursos antes de eles serem abertos e depois, no seu acompanhamento.

Para Marcos da Costa, a maior qualidade dos cursos de Direito no Brasil é a formação humanística do bacharel. “Em todos os momentos em que o país passou por uma crise institucional, os bacharéis de Direito, estudantes e advogados, se colocaram a frente do processo. Isso não é por acaso. A formação humanística repercute na história do Brasil”, afirma.

Lado prático
A Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp) vai organizar, em agosto, um encontro entre os diretores das principais faculdades de Direito do estado de São Paulo para discutir o ensino jurídico. O presidente da entidade, Sérgio Rosenthal, defende que os cursos tenham reforço em questões vitais enfrentadas no dia a dia profissional.

“Noções de ética deveriam ser mais encaradas nos cursos. Também defendo uma cadeira sobre a rotina profissional. E o Direito Constitucional, que é algo mais amplo e talvez menos técnico, deveria sofrer um realce maior. Infelizmente, ele acaba tido pelo advogado como algo não prático, ou não diretamente utilizado. Mas é o exatamente o contrário, o Direito Constitucional permeia todas as áreas do Direito, é imprescindível na formação de um bom profissional”, destaca.

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Rosenthal (foto) é contra a possibilidade de uma especialização durante o curso. “Os cinco anos são efetivamente necessários para a formação de um profissional, seja ele no futuro um juiz, um advogado, um promotor. Os cinco anos são necessários para o profissional entenda de todas as áreas, tenha um conhecimento mais amplo. A especialização deve vir depois da conclusão do curso, para não acabar negligenciando algumas áreas do conhecimento”, opina.

Para se adequar a demandas do mercado, da profissão, Rosenthal crê que aulas práticas deveriam ser incorporadas nos cursos. “A realidade da aplicação do Direito é diferente daquilo que se consegue extrair de um livro, ou mesmo de uma aula teórica”, diz.

Na opinião dele, os cursos de Direito são regulares, com raras exceções, e o problema mais sério é de ordem estrutural, ou seja, a baixa formação do estudante que entra na faculdade.

“Já estive em muitas dessas universidades que aceitam milhares de alunos e muitas oferecem um curso bastante interessante, com um corpo docente qualificado. O problema maior é o corpo discente. Evidente que a proliferação dos cursos de Direito é prejudicial, mas os alunos não têm capacidade de entender os conteúdos, não têm capacidade de se expressar. O filtro para entrada desses estudantes também precisa mais rigoroso”, diz.

Audiências e debates
Em setembro de 2013, seccionais da OAB organizaram audiências públicas no Rio de Janeiro sobre o ensino jurídico, com o objetivo de "democratizar o debate" e relacionar sugestões que foram, depois, encaminhadas à Comissão Nacional de Educação Jurídica e contribuíram para a consolidação do denominado Marco Regulatório do Ensino Jurídico, encaminhado pelo Conselho Federal da OAB ao Ministério da Educação.

Entre os principais problemas apontados nas audiências está a desvalorização do professor e a defasagem das Diretrizes Curriculares nacionais, com falta, por exemplo, de práticas de Direito Eletrônico, Eleitoral e Ambiental. 

Segundo a assessoria de imprensa do MEC, a Comissão já concluiu o documento contendo sugestões para alteração das Diretrizes Curriculares dos cursos de Direito e nos instrumentos de avaliação aplicados aos cursos de Direito (avaliação in loco). Com base nesse documento, a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) elaborará proposta para subsidiar revisão das Diretrizes Curriculares pelo Conselho Nacional de Educação neste ano. 

Ana Luísa de Souza Correia de Melo Palmisciano, representante da Comissão de Ensino Jurídico da OAB do Rio de Janeiro, conta que na audiência realizada no Rio de Janeiro se concluiu que o MEC deve continuar a estabelecer currículo mínimo para as faculdades de Direito.

A audiência também apontou a importância da cadeira de deontologia jurídica nos períodos iniciais dos cursos (de forma a instruir os futuros estagiários das regras éticas e deontológicas), bem como indicou a importância das práticas extensionistas (como são os Núcleos de Pratica Jurídica). Também se apontou que os currículos devem incentivar a integração entre ensino, pesquisa e extensão .

De acordo com as disposições normativas (em especial a Lei 8.906/94 – Estatuto da Advocacia e da OAB), o Conselho Federal da OAB tem competência para emitir parecer opinativo sobre pedidos de autorização, reconhecimento, renovação e aumento de vagas dos cursos de Direito.

As seccionais, por meio de suas Comissões de Ensino Jurídico, auxiliam a Comissão Nacional por meio de visitas aos cursos, recolhendo informações sobre a verossimilhança do projeto pedagógico do curso em face da realidade local; a necessidade social da criação do curso, aferida em função dos critérios estabelecidos pela Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal; a situação geográfica do município sede do curso, com indicação de sua população e das condições de desenvolvimento cultural e econômico que apresente, bem como da distância em relação ao município mais próximo onde haja curso jurídico; as condições atuais das instalações físicas destinadas ao funcionamento do curso; e a existência de biblioteca com acervo adequado, a que tenham acesso direto os estudantes.

Segundo o MEC, em 2013, a Seres descredenciou duas instituições com curso de Direito (um em Santa Catarina e um no Distrito Federal). Os descredenciamentos não foram motivados, especificamente, por problemas nos cursos de Direito, mas por questões que envolviam a instituição como um todo.

Atualmente, existem 84 processos de pedidos de autorização de cursos de Direito em trâmite no Sistema e-MEC, dos quais 14 são do estado de São Paulo.

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Antecipar discussões
O advogado Carlos Roberto Fornes Mateucci (foto), presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, opina que as grades curriculares devem se adaptar aos avanços e grandes temas jurídicos da sociedade.

“Os ramos do Direito são os conhecidos e consagrados. Os bancos escolares devem, na minha opinião, antecipar discussões.  Reduzir o tempo de discussão entre as mudanças sociais e a seus impactos no mundo do Direito, em seus diversos ramos. Essa aptidão não passa necessariamente pela alteração da grade curricular, mas pela discussão permanente destes temas, a permitir que o estudante se prepare para enfrentar as questões que se apresentarão no futuro”, comenta.

Mateucci também é a favor das especializações durante os cursos. “Nos primeiros anos da faculdade, os alunos devem receber sólidos fundamentos sobre o Direito em geral, seus princípios, metodologia e filosofia. Devem ainda  conhecer os princípios, normas, funcionamento e estrutura do Estado. Contudo, ao menos nos últimos dois anos da graduação, o aluno sabe de  sua vocação e preferência. Nada mais natural que se debruce sobre os temas de seu maior interesse pois neles tenderá a se desenvolver profissionalmente”, comenta.

Ele também acredita ser essencial criar um maior rigor para se autorizar o funcionamento de uma instituição de ensino, inclusive com metas.

“Se o aumento das faculdades representou, em um primeiro momento, a busca da democratização do conhecimento, nesta etapa, entendo necessário buscar maior qualidade. Com critérios mais rígidos  para escolha do corpo docente, instalações, grade curricular. Creio fosse interessante que metas fossem impostas para que, caso não alcançadas, houvesse imediata descontinuação do curso", diz. Para ele, isso evitaria que pessoas, muitas vezes pobres, investissem dinheiro em cursos que não as permitiram exercer a profissão no futuro.

Modernização
O diretor da Faculdade de Direito da PUC de São Paulo, Pedro Paulo Teixeira Manus, ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho, é a favor da modernização da grade curricular.

“Isso deve ser feito inclusive criando matérias optativas, sem descuidar do currículo básico, fundamental ao aluno. Ademais, nossos alunos devem ser orientados para que componham uma grade optativa que seja coerente e harmônica com a especialização que desejarem”, destaca.

TST
Sobre os métodos de avaliação, Manus (foto) aponta necessidades de mudanças nas faculdades, privilegiando a participação crítica do aluno em classe, com debates, leituras e dar menos ênfase aos métodos tradicionais, que apenas avaliam a capacidade de memorização de informações, não contribuindo para a melhor formação do cidadão-profissional.

“Certamente também a metodologia de ensino precisa de ajustes, devendo as várias faculdades buscar ensinamentos com os profissionais pedagogos, que têm formação específica a respeito, o que, sem dúvida, melhorará a qualidade do ensino jurídico entre nós”, completa.

Manus acredita ser fundamental para o aprimoramento da atuação das faculdades de Direito o entrosamento entre corpo docente e discente e a possibilidade de agregar alunos da graduação e pós-graduação, em trabalhos conjuntos e grupos de estudos.

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