"E depois?"

Pergunta mais popular no tribunal do júri pode ser a mais inapropriada

Autor

9 de agosto de 2014, 9h54

Se fosse feita uma pesquisa sobre as perguntas mais comuns que advogados e promotores fazem a testemunhas durante os julgamentos no tribunal do júri, durante a inquirição direta, o resultado indicaria, pelo menos nos Estados Unidos, que uma das mais populares seria: “O que aconteceu a seguir?”. Mas, apesar de sua popularidade, essa é uma das piores perguntas que podem ser feitas em inquirições diretas, diz o advogado e professor de Direito Elliott Wilcox, editor do site TrialTheater.

Muitas vezes, essa é uma pergunta que não atrapalha. Mas também não ajuda. Ela só é útil quando “dá um branco” na cabeça do advogado ou do promotor, que precisa de um tempo para pensar na próxima pergunta, uma que seja realmente apropriada para ajudar a contar a história do caso em julgamento, diz Wilcox.

Porém, é uma pergunta ruim, ele afirma, porque é muito aberta e não dá à testemunha qualquer norte sobre o caminho a seguir na inquirição. “Você pode saber onde quer chegar com suas perguntas e saber o que quer que a testemunha responda. O problema é que sua testemunha são sabe. Por mais que você a tenha preparado antes do julgamento, isso não significa que ela vai saber o que você quer que ela responda”, explica Wilcox.

Há algumas razões para isso. A primeira é que a testemunha pode estar nervosa e, nessa condição, não se recorda das instruções que lhe foram dadas antes do julgamento. Advogados e promotores se sentem à vontade no tribunal do júri. Já as testemunhas, de uma maneira geral, gostariam de estar em algum outro lugar. Mesmo as testemunhas mais experientes podem passar por situações de nervosismo e isso as impede de raciocinar claramente. E, mais ainda, de imaginar o que o inquiridor quer que ela responda.

A segunda razão é a de que, diferentemente dos advogados e promotores, a testemunha não pode recorrer a anotações durante a inquirição, para seguir qualquer roteiro que tenha sido previamente traçado. Outra razão pela qual a testemunha não pode dar uma resposta esperada a uma pergunta tão aberta é a de que ninguém pode ler a mente do advogado ou promotor. Os profissionais sabem onde querem chegar com suas perguntas, mas a testemunha pode não saber dizer exatamente o que aconteceu a seguir, entre tantas possibilidades, de forma a satisfazer as expectativas do inquiridor.

“O que aconteceu a seguir? Bem, a terra continuou girando sobre seu eixo e ao redor do Sol; as batidas do meu coração aceleraram; respirei fundo; um carro branco passou por mim, na faixa da esquerda; um homem usando uma jaqueta vermelha atravessou a rua, correndo, sem olhar para os lados; eu virei à esquerda, na esquina; o sinal estava verde, mas ficou amarelo e, depois, vermelho; dois homens saíram apressados de uma loja; uma mulher se agachou e gritou. Eu coloquei a mão na minha arma; meu parceiro abriu o porta-malas da viatura; muita coisa aconteceu; não sei o que você quer que eu conte; ah, os tiros; sim, ouvi tiros também”, conta Wilcox, para ilustrar a situação.

O advogado ou promotor não precisa fazer “perguntas indutoras de respostas” (leading questions) na inquirição direta. Aliás, pode até recorrer a perguntas parecidas com “o que aconteceu a seguir?”, se reduzir sua abrangência, de forma a dar alguma “dica” para a testemunha sobre o que quer que ela fale. Por exemplo:

— Você parou no sinal e que direção você tomou a seguir?

— O que você falou depois disso?

— Quando você fez o segundo teste da substância?

— Como o homem com a jaqueta vermelha reagiu?

— O que o médico fez quando a enfermeira entrou no quarto?

Ao estreitar o campo de respostas, o advogado ou promotor pode esperar que sua história terá seguimento. “A testemunha é sua e tudo o que ela precisa é de uma pequena orientação para lhe dar a resposta que você espera”, diz Wilcox.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!