Orientação e ensino

Marco Civil da Internet abre oportunidades de trabalho para a advocacia

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2 de agosto de 2014, 8h53

A Lei 12.965, sancionada em abril e batizada de Marco Civil da Internet, que regula o uso da rede no Brasil, trouxe uma série de oportunidades de trabalho para a advocacia, nas áreas corporativa, legal e de ensino. É o que apontam os coordenadores do livro Marco Civil da Internet –  lei 12.965/2014 (Editora Revista dos Tribunais), que reúne 13 artigos de especialistas em Direito Digital.

A coordenação foi feita por Marco Aurélio Florêncio Filho, vice-presidente da Comissão de Crimes de Alta Tecnologia da OAB-SP; Juliana Abrusio, professora de Direito nos Meios Eletrônicos e sócia do escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados; e Fabiano Dolenc Del Masso, coordenador do curso de Direito da Universidade Mackenzie.

Uma das novas oportunidades é a interface do advogado com investidores. Éo profissional quem passará o panorama legal das novas regras, para mostrar sua dimensão e seu alcance, por meio de diagnósticos de como a lei regula o assunto e como o Judiciário pensa. “A quantidade de questões envolvendo a internet já é imensa, com muitos processos e jurisprudência”, comenta Juliana.

Com a aprovação do Marco Civil, uma questão relevante para os negócios foi incluída no ordenamento: a proteção de dados. “Essa questão até então era pouquíssimo protegida. Tínhamos apenas uma regra dentro do Código de Defesa do Consumidor e uma previsão constitucional”, destaca ela.

Segundo Juliana, uma regra geral para esse assunto era esperada porque, numa economia em que muitos negócios estão estabelecidos na internet, cuja dinâmica é trabalhar com aplicativos gratuitos e com contrapartida da monetização dos dados pessoais, um regulamento sobre proteção de dados era fundamental.

“O Marco Civil foi a primeira lei substancial regulamentando a matéria, com parâmetros para os dados de conexão e dados de provedores de aplicação. Ela determina como o usuário deve ter conhecimento de que seus dados poderão ser usados pelo provedor. Mas claro, há ainda um caminho a evoluir, diferentemente da Europa, onde há mais de uma década há legislações apenas para privacidade e proteção de dados”, compara.

Com essas novidades, os investidores estrangeiros de “copycat” têm mais incentivo para virem o Brasil, ela menciona. Esse modelo de negócio replica tendências de sucesso no exterior em outros países.

“Há uma segurança jurídica do texto escrito em lei, um balizamento da regra do jogo. Há uma tendência de o Brasil receber ‘copycat’ por causa do grande mercado de consumo, mas existia um receio maior nos assuntos jurídicos. Agora, a tendência é de existir uma segurança maior”, opina.

Para Fabiano Del Masso, o Marco Civil trouxe ainda a preocupação de se regular vários instrumentos de negócios e de comunicação disponíveis na internet, como a proteção da privacidade e as regras de comércio eletrônico, que deverão estar no novo Código de Defesa do Consumidor.

Passo atrás
Antes do Marco Civil, o ofendido na internet tinha o direito de buscar seu ofensor em termos genéricos, com base apenas na Constituição Federal. O que a lei nova trouxe foi uma regra específica sobre a responsabilidade do provedor: ela existe apenas se, diante de uma ordem judicial, ele não agir.

Juliana e Del Masso questionam essa nova regra. “Não necessariamente é preciso ter ordem judicial. Se existe um ilícito latente, você não pode obrigar a vítima a ter que ir ao Judiciário para retirar a ofensa do ar”, defende Juliana.

"O STJ já tinha se posicionado antes do Marco Civil. A partir do momento em que o provedor toma conhecimento da ofensa, ele deve responder, deve agir, diz a jurisprudência do STJ. É um raciocínio que estava sendo aplicado e, de repente, veio uma posição diferente no Marco Civil. Será necessário agora acompanhar como a Justiça vai julgar esses casos e também como os provedores vão se defender”, comenta Del Masso.

Rota de colisão
O artigo 2º do Marco Civil define que o uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, mas isso não significa que uma lei infraconstitucional possa alterar o equilíbrio dado na Constituição.

É o que defende Juliana ao citar que o Marco Civil também provoca uma “colisão de direitos”.

“Os direitos fundamentais estão garantidos no artigo 5º da Constituição. Nenhum direito é absoluto e nenhum está sobre o outro. Então, quando há uma colisão de dois direitos com a mesma importância, dependendo do caso concreto, um pode se curvar ao outro. Por exemplo: o direito à segurança em relação ao interesse público pode prevalecer só em alguns casos concretos, porque a Constituição não coloca nenhum direito fundamental como absoluto. O Marco Civil não poderia ter a pretensão de ter feito isso”, comenta Juliana.

Para Del Manso, as formas de comunicação com tecnologia, ou mesmo aquelas que não fazem uso dela, estão debaixo de ordenamento jurídico que limita a liberdade de expressão, inclusive criminalmente.

“Não posso falar o que bem entender sobre qualquer pessoa. E por que eu poderia fazer isso na internet? Ao verificar a tipificação dos crimes contra a honra, é percebido que ela tutela a divulgação de informações. Não há nenhum direito absoluto6. E é aí que entram as questões de proporcionalidade, de se verificar em cada um dos casos o que seria mais relevante, qual direito proteger”, diz.

Ensino da magistratura
Outro ponto que chama a atenção dos especialistas é como a magistratura está se preparando para lidar com as novas tecnologias na internet. Para Del Manso, a preocupação principal que o Judiciário tem envolvendo as questões digitais são de ordem técnica.

“Eu noto não os juízes, mas uma série de servidores do Judiciário que estão sendo treinados mais para situações de operação do processo digital do que para entender as questões de Direito Digital. É um ponto realmente pendente. Claro que isso é necessário também para o Ministério Público, os delegados de Polícia e os advogados. Eles também necessitam dessa formação”, comenta.    

O professor opina que esse movimento deve começar nas faculdades de Direito, com disciplinas específicas para o tema. “Para juízes e desembargadores mais antigos, seria oportuno o ensino desses conteúdos nas escolas da magistratura, como já aconteceu com mercado de capitais, internacionalização do Direito e outros temas.”

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