Política fiscal

Tributação de clubes de futebol é superior à de segmentos industriais

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2 de agosto de 2014, 6h37

A dívida fiscal dos clubes de futebol profissional no Brasil é assunto de expressiva repercussão na mídia, redes sociais, em blogs, e até entre os próprios torcedores e brasileiros em geral, questão que quase sempre vem acompanhada de questionamentos falaciosos (por serem os clubes “os grandes agraciados” quanto ao pagamento de “impostos que lhe dizem respeito”), além de também serem costumeiramente taxados, quando se discute qualquer parcelamento que lhes diga respeito, de vilões e grandes protagonistas da “sonegação”, quando não de “indecorosas anistias”.

Inicialmente é preciso realçar a natureza singular que compõe os grandes clubes de futebol profissional do Brasil, que se constituem da união de pessoas para fins não econômicos (na conceituação tributária), eis que todo o faturamento proveniente de sua respectiva atividade-fim é reinvestido no objeto social da entidade — em sua integralidade — no fomento ao desporto (profissional e não profissional de alto rendimento). São as chamadas entidades associativas, que atendem seus associados nos clubes de lazer e, por outro lado, se dedicam ao futebol profissional.

Outro aspecto de singular especificidade diz respeito ao vínculo associativo não formal de milhões de torcedores (não associados legalmente ao clube) que, não obstante, ajudam na manutenção e contribuem para a perenidade dos clubes pelo simples amor e pela paixão que carregam ao longo de toda a vida. Por isso, os principais clubes de futebol do Brasil constituem verdadeiro patrimônio cultural da sociedade, os quais têm que merecer do Poder Público tratamento compatível e coerente com essa natureza, dado o próprio alcance afetivo permanente e definitivo com sua legião de torcedores.

Não obstante, e em clara ofensa a essa natureza, os clubes de futebol pagam tributos, em muitos casos várias vezes superiores à carga praticada para os segmentos industriais e comerciais, que agraciam grandes grupos econômicos, nacionais e até transnacionais.

Exemplo típico e lastimável dessa anomalia, solenemente desconhecida pela maioria do povo brasileiro, envolve a tributação previdenciária. Os clubes de futebol pagam 5% sobre todo o faturamento de sua atividade (bilheterias, patrocínios, venda de camisas, valor dos pacotes de transmissão dos jogos, prêmios de competições etc). Entretanto, desde 2011, centenas de segmentos empresariais e grandes corporações multinacionais vêm pagando apenas 1% (e no máximo 2%) sobre o valor de seu faturamento para fins previdenciários. Esse benefício, antes provisório (Lei em vigor desde dezembro de 2011), foi incorporado de forma definitiva como direito desses segmentos industriais e comerciais, envolvendo renúncias fiscais que somam R$ 21,6 bilhões somente para o ano de 2014, segundo cálculos apresentados pelo próprio Governo Federal. Aliás, ao fixar a “renúncia fiscal” (perdão, no jargão popular) e ao instituir diferenciada tributação para 56 segmentos econômicos, a presidente da República teria sido aplaudida por 35 empresários (Folha de S. Paulo, 28/5/14). Se a mesma “renúncia fiscal” fosse, por exemplo, estendida para os clubes, certamente a presidente seria aplaudida por milhões de torcedores…

Enquanto isso, no entanto, os clubes ainda pagam Imposto de Renda, PIS, Cofins e vários outros impostos aos estados e municípios, à revelia de qualquer noção de justiça fiscal para o segmento que agrega, direta ou indiretamente, milhões de torcedores. Não vale aqui o simplório argumento de que alguns dirigentes de clubes seriam os responsáveis diretos pelos desmandos (e às vezes até pelas falcatruas). Esses dirigentes terão obviamente que ser responsabilizados, não se exigindo, no entanto, nada de especial além da própria legislação já em vigor. Ademais disso, os desvios lamentavelmente não são “privilégios” de dirigentes de entidades associativas. O que sugere ocorrer apenas no futebol não é incomum no mercado em geral, inclusive em grandes corporações privadas, bastando para isso uma simples pesquisa para conhecimento dessas atrocidades também no mundo empresarial.

De qualquer forma, é necessário não desconhecer os efeitos perversos e secundários dessa política fiscal, que impõe aos clubes a necessária elevação (intensa e insaciável) de suas receitas, que se refletem em aumentos constantes dos valores dos ingressos, das camisas e de outros bens de consumo do ramo, e que tem como consequência a exclusão cada vez maior de parcela majoritária de brasileiros já marginalizados, face às já escassas opções culturais que escapam ao alcance dos padrões sociais e econômicos da maioria do povo.

Não obstante essas disparidades aberrantes — quando se discute o simples refinanciamento das dívidas dos clubes — constituídas, na sua maior parte, de tributos cobrados dos clubes em níveis muito superiores ao do próprio mercado econômico, surgem questionamentos de parlamentares, midiáticos e até do povo (muitas vezes sem informação sobre a matéria), que se insurgem contra os “privilégios” que pretenderiam os clubes de futebol. Os brasileiros, os milhões de torcedores em particular, merecem informação insuspeita da mídia, tendo o povo a partir daí o direito de tomar posições assentadas sobre o assunto que afeta milhões, atualmente indefesos por ausência de ampla e correta informação jornalística sobre o assunto.

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