Animus furandi

Forçar grade de loja não comprova intenção de furtar, decide TJ-RS

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2 de agosto de 2014, 6h25

Se um sujeito for filmado forçando as grades que guarnecem a vitrine de uma loja, de madrugada, pode não se tratar de tentativa de furto qualificado, com rompimento de obstáculo, como tipifica o Código Penal. Antes, se não houver prova de que agiu com a intenção de furtar as mercadorias ali expostas, a conduta será considerada atípica, inexistindo crime.

Com esse entendimento, a maioria dos integrantes da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul absolveu um homem condenado por furto tentado em Santa Rosa. Ele foi identificado por imagens de câmara de monitoramento no local e admitiu, à Polícia, que tentou quebrar a vidraça e forçar a grade.

O relator da Apelação e do voto-condutor, desembargador José Conrado Kurtz de Souza, afirmou, com base no depoimento do dono da loja, que não é possível ter certeza de que o réu tinha a intenção de subtrair algum bem. A própria análise das filmagens, destacou, mostra o réu apenas forçando a grade da loja.

‘‘Embora se possa eventualmente presumir que o réu pudesse estar no local aguardando surgir uma oportunidade para praticar algum ilícito, não ficou clara a sua intenção. Tal circunstância até pode ser considerada ato preparatório para o cometimento de algum delito, entretanto, segundo a legislação penal brasileira, os atos preparatórios, em regra, não são passíveis de punição’’, escreveu no acórdão, lavrado na sessão de 17 de julho.

Furto tentado
O fato que deu ensejo ao processo-crime ocorreu na madrugada de 29 de abril de 2012, no centro da cidade de Santa Rosa. Conforme a denúncia oferecida pelo Ministério Público, o acusado forçou a grade de proteção da vitrine da loja para furtar mercadorias ali expostas. Nessa tentativa, que acabou sendo infrutífera, ele arrancou parte da borracha de vedação dos vidros da vitrine e quebrou uma cantoneira de metal. O homem foi reconhecido pelo dono do estabelecimento, já que toda ação criminosa foi registrada por câmaras de monitoramento.

Conforme a peça do MP, o crime não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do denunciado, que não conseguiu deslocar os vidros da vitrine e alcançar os objetos visados. Ele foi incurso nas sanções do artigo 155, parágrafos 1º e 4°, inciso I, combinado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal. Ou seja, tentativa de furto à noite, com a qualificadora de rompimento de obstáculo.

A sentença
Com base no Inquérito Policial, nas provas levadas aos autos e nos depoimentos colhidos, a juíza Vanessa Lima Medeiros, da 1ª Vara Criminal da comarca de Santa Rosa, concluiu pela ocorrência e autoria do crime exatamente nos termos descritos na denúncia. ‘‘Frise-se que o tipo [do dispositivo penal] exige, para sua configuração, o elemento subjetivo, o dolo, que é a vontade livre e consciente de subtrair para si ou para outrem coisa alheia e móvel, o que restou demonstrado nos autos’’, escreveu na sentença.

A julgadora disse que a qualificadora de rompimento de obstáculo — prevista no inciso I, parágrafo 4º, do artigo 155 do Código Penal — foi demonstrada por meio da apresentação do ‘‘auto-de-exame de furto qualificado’’ e de depoimentos. Não reconheceu, entretanto, a majorante do repouso noturno. ‘‘Apesar de o crime ter sido cometido em avançado horário noturno, a referida causa de aumento de pena não se aplica ao furto qualificado, devendo ser afastada’’, justificou, citando a jurisprudência do TJ-RS.

Inicialmente, o réu foi condenado à pena-base de dois anos e seis meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto, além de multa. Entretanto, como o delito permaneceu na esfera da tentativa, a juíza reduziu a pena para 10 meses de reclusão. ‘‘Deixo de aplicar a substituição prevista no artigo 44, do Código Penal, por entender não ser recomendável para a conscientização e recuperação do réu, em face das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal não lhe serem favoráveis’’, finalizou.

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