Ex-juiz diz não ter denunciado tortura na ditadura porque “não daria em nada”
1 de agosto de 2014, 18h57
Em depoimento nesta quinta-feira (31/7) à Comissão Nacional da Verdade, o ex-juiz da 2ª Auditoria da Justiça Militar Federal em São Paulo, Nelson da Silva Machado Guimarães, admitiu que presos foram torturados durante a ditadura militar, mas que nem sempre encaminhava as denúncias recebidas porque “não dariam em nada”.
“Quando se tratou de guerrilheiros subversivos, treinados fora do Brasil para atacar o Brasil e tentar implantar uma ideologia que não deu certo em lugar nenhum do mundo até hoje, e que gerou os mais graves atentados à dignidade humana que o século 20 conheceu, junto com o nazismo e o fascismo, nenhuma das comunicações foi adiante. O juiz militar apenas relata à autoridade militar a ocorrência daquele fato para as providências devidas. O juiz não dá ordem, ele comunica e pede a aplicação do código da Justiça Militar”, afirmou.
Para ele, o Brasil passava por uma "guerra patrocinada por países comunistas", que exigia medidas drásticas, mesmo que ele não concordasse com elas. “Pedi várias vezes [a apuração das denúncias de tortura], em outras ocasiões era inútil e iria favorecer os guerrilheiros treinados fora do Brasil para fazerem aqui a guerra psicológica. Eram denúncias de tortura e de morte também. Na guerra se mata e se tortura dos dois lados. A estupidez de um extremismo acaba gerando, naquele que deveria se opor a essa estupidez de maneira legal, outro tipo de estupidez. Isso é história”, disse ele.
Quanto à denúncia de que teria aceitado atestados de óbito com nomes falsos para encerrar inquéritos contra presos políticos mortos, Guimarães se justificou dizendo que acreditava no que o Dops dizia e que seria melhor para a família, embora também tenha denunciado o fato.
A integrante da comissão Rosa Cardoso relata que o depoimento de Guimarães contribui muito para o trabalho da comissão, já que ele reconhece a existência de tortura no período, embora tenha caído em contradição.
“Ele disse que o sistema era muito forte, que impedia que um juiz pudesse projetar a sua vontade e termina dizendo que a Justiça Militar era independente, que não funcionava como um órgão do sistema repressivo", disse. "Mas quando ele fez a defesa de sua conduta durante o regime militar, ele disse que não podia, naquelas circunstâncias, atuar de forma diferente. Quem não pode atuar em certas circunstâncias de forma diferente é porque está sendo pressionado, é porque não tem independência para agir”, conclui.
Ela ressalta que o fato de o juiz aposentado não ter encaminhado todas as denúncias de crimes recebidas pode ser caracterizado como crime de prevaricação, além de ter contribuído para a política de desaparecimento e ocultação de cadáver.
A advogada Eny Moreira, membro da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, disse que o juiz mentiu, mas gostou do depoimento dele: “Eu achei o depoimento ótimo, porque um juiz da Justiça Militar, que processou e julgou inúmeros presos políticos, vem a público e com todas as letras assume que havia tortura nas dependências policiais e militares. E mais, ele assumiu também com todas as letras que a Justiça Militar não era independente, que ele tinha limites na atuação como juiz. Ou seja, para bom entendedor, a Justiça era submetida aos órgãos da ditadura, principalmente aos órgãos da repressão”.
O coordenador da CNV, Pedro Dallari, ressaltou que essa informação é relevante, já que no mês passado as Forças Armadas responderam às solicitações da comissão negando a existência de tortura em suas dependências.
O mutirão de depoimentos de agentes da repressão, no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, termina nesta sexta-feira (1/8), com as oitivas de Celso Lauria, que atuou no DOI-Codi do Rio; de Zilson Luiz Pereira da Cunha sobre o centro de prisão e tortura no Estádio Nacional do Chile, na ditadura Pinochet; e de Luciano José Marinho de Melo, que atuou no Cisa, órgão de inteligência da Aeronáutica. Os três já foram intimados pela Polícia Federal. Com informações da Agência Brasil.
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