Comoditização da advocacia

Advogados nos EUA não conseguem impedir funcionamento da LegalZoom

Autor

1 de agosto de 2014, 5h52

Existe um velho adágio na advocacia americana que diz: “aquele que representa a si mesmo, tem como cliente um tolo”. Aparentemente, há mais “tolos” batendo nas portas da Justiça, por conta própria, do que os advogados americanos jamais poderiam supor. Mas a LegalZoom vislumbrou um mercado de média e baixa renda que, teoricamente, é negligenciado pela advocacia americana e que aceitou, de bom grado, sua proposta comercial: faça você mesmo — isto é, mova ações judiciais você mesmo, sem a assistência de um advogado.

Os advogados e as seccionais da American Bar Association (ABA) — a Ordem dos Advogados dos EUA — demoraram para acordar. A LegalZoom foi fundada em 2001, com um modelo de negócios bem simples: vender petições de ações judiciais populares a preços módicos, como qualquer commodity. Em 2011, a empresa faturou US$ 156 milhões. Em 2012, cerca de US$ 200 milhões. Em janeiro deste ano, a empresa fez uma oferta pública inicial de ações. Mas retirou a oferta recentemente, quando a Permira, uma empresa de investimento privada, adquiriu US$ 200 milhões em participação acionária.

As notícias sobre as receitas da LegalZoom em 2011 soaram finalmente o alarme. Nesse ano, grupos de advogados, com o suporte das seccionais da ABA, começaram a mover ações judiciais contra a LegalZoom em oito estados. Em um deles, a Carolina do Norte, o processo ainda está pendente. Nos outros sete, a LegalZoom já se desvencilhou do problema de uma forma ou outra: em alguns, os processos foram rejeitados pela Justiça. Em outros, acordos foram conseguidos, porque as possibilidades de sucesso dos demandantes eram baixas, segundo o Jornal da ABA.

Hoje, a LegalZoom é a mais bem-sucedida fábrica de petições eletrônicas em massa, com uma pitada de “serviços jurídicos não autorizados” embutida no pacote. Essa “pitada” — ou uma pequena quantidade não definida claramente — de serviços jurídicos não autorizados é o que está no cerne das disputas entre os advogados e a empresa. Teoricamente, ela disponibiliza questionários que são respondidos pelos clientes. A equipe da empresa, formada por um “mix de advogados e não advogados”, revisa as respostas, faz correções e “avalia a consistência” do documento. Isto feito, o sistema gera a petição, que é impressa e assinada pelo cliente.

Porém, os serviços da empresa evoluíram ultimamente para “assessoria jurídica completa”, oferecida pela equipe mista de advogados e não advogados. Isso revela, para a comunidade jurídica, uma situação nebulosa: ninguém sabe exatamente o que a LegalZoom faz ou deixa de fazer. Por isso, o juiz que examina o caso na Carolina do Norte mandou fazer uma investigação para obter essa informação.

De qualquer forma, a LegalZoom já está “atuando” em 41 dos 50 estados americanos e no Distrito de Colúmbia. Com comerciais agressivos na TV, em horário nobre, a empresa oferece seus serviços online para abertura e fechamento de firmas e a preparação de petições em casos de falência e dissolução de corporação, registro de marcas comerciais, acordos pré-nupciais, divórcios, testamentos, direitos autorais, entre outros — além de assessoria jurídica.

O advogado-geral da LegalZoom, Chas Rampenthal, argumenta que não há nada errado com a “equipe mista” da firma. “É um sistema parecido com o da saúde”, ele diz. “Quando você vai a uma clínica, é atendido por enfermeiros, técnicos, praticantes, antes de se consultar com um médico. Na área jurídica, é natural que você seja atendido, antes de se consultar com um advogado, por paralegais e outros assistentes jurídicos.”

A diretora do Centro para a Profissão Jurídica da Universidade de Stanford, Deborah Rhode, diz que os advogados americanos já perderam o bonde — ou o trem: “O trem já deixou a estação e está viajando a todo o vapor”, disse ao Jornal da ABA. “O que podemos fazer, agora, é mudar seu curso. Isto é, regulamentar o que a LegalZoom — e outras tantas que já entraram no mercado, como a Rocket Lawyer, da Google — pode ou não pode fazer e, assim, impedir que promova a comoditização total da advocacia.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!