Legislação específica

Lei da Copa traz novos crimes por uso indevido de marca

Autor

  • Gustavo Delbin

    é associado de Aidar SBZ professor de direito e legislação desportiva e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.

27 de abril de 2014, 8h06

O assunto Lei Geral da Copa vem sendo muito explorado na imprensa em geral vez que faltam menos de 50 dias para o início do mundial no Brasil. Somada à proximidade do jogo de abertura e às polêmicas dos estádios e obras ainda inacabados, tem-se ainda uma preocupação com os novos crimes previstos na legislação específica.

Dias atrás, por exemplo, um episódio ocorrido na Europa, com o atleta Neymar mostrando a marca de sua cueca durante um jogo do Barcelona, causou discussões e debates acalorados sobre a questão da utilização irregular de marketing e suas possíveis consequências durante as transmissões esportivas e na Copa do Mundo.

Neste aspecto, apresento um estudo pontual sobre as novas possibilidades penais trazidas pela legislação especial, conforme segue:

Sediar a Copa do Mundo e a Copa das Confederações se tornou um sonho possível ao povo brasileiro em junho de 2007, quando o Governo Federal juntamente à FIFA se comprometeu a assinar 12 garantias para que ambos os megaeventos pudessem ser realizados no Brasil.

Tais garantias dizem respeito aos vistos de entrada e saída de turistas; permissões de trabalho para estrangeiros; direitos alfandegários e impostos; isenção geral de impostos para a FIFA; Segurança e proteção, bancos e câmbio; procedimento de imigração, alfândega e check-in; proteção e exploração de direitos comerciais; hinos e bandeiras nacionais; e indenização e telecomunicações e tecnologia da informação, sendo que certo que os Ministérios responsáveis por cada uma das respectivas áreas irão operacionalizar a fiscalização e fiel condução destas garantias.

Sendo assim, após a ratificação de que o Brasil seria sede da Copa do Mundo FIFA 2014, houve a necessidade de assegurar à FIFA que as garantias supramencionadas seriam cumpridas, motivo pelo qual foi editada Lei Federal neste sentido. No dia 5 de junho de 2013 foi sancionada a Lei Federal 12.663/2013, denominada Lei Geral da Copa, que dispõe sobre medidas relativas à Copa das Confederações, à Jornada Mundial da Juventude e a Copa do Mundo FIFA 2014. Os dois primeiros eventos foram realizados no ano passado e o mundial tem início marcado no próximo dia 12 de junho.

Devido às inúmeras peculiaridades da Lei, exponho de forma mais sucinta e objetiva os inéditos crimes trazidos com a edição de tal dispositivo, os quais referem-se, exclusivamente, à matéria de propriedade intelectual (Lei 9.279/96 — Lei da Propriedade Industrial). Ademais, a Lei, assim como a tipificação de condutas como crimes tem validade até o dia 31 de dezembro de 2014.

Precipuamente, cumpre apontar que as disposições penais são tratadas no Capítulo VIII da referida Lei, o qual contém quatro novas tipificações de crimes relacionados ao uso indevido e/ou violação dos símbolos oficiais e marcas.

A Garantia 8 – Proteção e Exploração de Direitos Comerciais determina quais as condutas serão temporariamente integrantes do ordenamento jurídico pátrio, tais como as práticas de marketing de emboscada (ambush marketing) e o uso não autorizado das propriedades intelectuais da entidade. Estas podem ser configuradas como ilícito penal — nos casos mais graves — ou ilícitos civis por não acarretarem em risco grave a algum bem jurídico valioso.

O artigo 30 da Lei Geral da Copa determina que reproduzir, imitar, falsificar ou modificar indevidamente quaisquer Símbolos Oficiais de titularidade da FIFA enseja uma detenção de três meses a um ano ou multa.

Compreende-se como (i) reproduzir: a cópia integral ou parcial do símbolo oficial; (ii) imitar: reproduzir de modo exato ou aproximado; (iii) falsificar: alterar ou assemelhar com o fim de iludir ou de fraudar; e (iv) modificar: mudar a forma, a qualidade, o aspecto do símbolo.

O artigo 31 criminaliza outro tipo de conduta, qual seja a de importar, exportar, vender, distribuir, oferecer ou expor à venda, ocultar ou manter em estoque Símbolos Oficiais ou produtos resultantes da reprodução, imitação, falsificação ou modificação não autorizada de Símbolos Oficiais para fins comerciais ou de publicidade. A pena, no entanto, é a mesma do artigo anterior.

Podemos dividir o crime em duas partes, sendo que a primeira diz respeito à posse, e a segunda se assemelha às condutas dispostas no artigo 30. As condutas criminalizadas são: importar: trazer para dentro do país; exportar: transportar ao estrangeiro produto nacional; vender: transferir a propriedade de bem ou mercadoria em troca de pagamento; distribuir: dar, entregar a diversas pessoas, repartir, espalhar; oferecer ou expor à venda: pôr à vista para vender; ocultar: encobrir, esconder, tapar, não deixar ver; manter em estoque: armazenar em um depósito.

Os artigos 32 e 33 são os mais debatidos atualmente, pois tratam do tão divulgado Marketing de Emboscada por Associação e Intrusão, respectivamente. Em síntese, o Marketing de Emboscada pode ser definido como uma atividade ilegal de publicidade paralela, pela qual uma marca ou uma empresa associa seu produto a um evento sem a devida autorização, levando o expectador a crer que possui relação direta com o evento, quando na verdade está se aproveitando de uma oportunidade para divulgar a própria marca.

Esta prática é muito comum nos megaeventos esportivos, como na Copa do Mundo FIFA e nos Jogos Olímpicos, vez que, durante sua realização milhões de pessoas do mundo todo acompanham as transmissões ou frequentam os espaços destinados aos jogos, sendo este cenário extremamente benéfico para as empresas que querem deixar sua marca em evidência e expô-la de forma que a associe ao evento, como se fosse um patrocinador oficial.

Este tipo de procedimento já vem sendo adotado em larga escala. É difícil atualmente acompanhar programas de televisão, sobretudo os ligados ao esporte ou ao turismo, em que não se veja comerciais ligados à Copa ou ainda à Seleção Brasileira de Futebol, sem que necessariamente estes anunciantes tenham vinculo firmado de patrocínio com a Fifa – para se utilizar do evento – ou da CBF – para se utilizar da imagem da Seleção Brasileira.

A diferenciação entre a associação e a intrusão é muito clara, porquanto a primeira tem por objetivo induzir o consumidor a uma falsa premissa de que aquela marca exposta guarda alguma relação com o evento realizado, como se tivesse a devida permissão da FIFA. Já a segunda modalidade configura-se pela exposição da marca principalmente nos locais dos eventos, como por exemplo, nas intermediações do estádio em dia de jogo, tratando-se assim de uma exposição mais evidente, com o irremediável intuito de obter vantagem econômica e publicitária por conta do evento. Também subsiste a questão do marketing de emboscada vinculado do uso de ingressos, convites ou qualquer espécie de autorização de acesso aos eventos a ações de publicidade ou atividade comercial.

Sendo estes os novos crimes tipificados pela Lei Geral da Copa podemos verificar de plano que tratam-se de crimes comuns, ou seja, que qualquer um pode praticar, não necessitando desta forma de qualquer qualificação pessoal específica, e sua consumação tem como pena a detenção ou multa, dependendo da gravidade com que é praticado.

Engana-se quem pensa que estes crimes só poderão ocorrer nos dias de jogo ou durante a realização da Copa do Mundo. A Lei da Copa é muito clara ao dispor que se entende por eventos as competições e todas as atividades relacionadas às competições oficialmente organizadas chanceladas, patrocinadas ou apoiadas pela FIFA, subsidiárias FIFA no Brasil, COL ou CBF.

Diante deste contexto, cumpre esclarecer que a ação penal para os crimes tipificados no Capítulo VIII da Lei será pública condicionada, ou seja, sua procedibilidade depende da representação da FIFA.

Não obstante, duas características são comuns a todos os crimes, a primeira é que serão puníveis na forma dolosa, ou seja, quando o sujeito que o pratica tem vontade e consciência do ato praticado e que tratam-se de crimes de menor potencial ofensivo, tornando-se viável a aplicação dos institutos despenalizadores previstos na Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais e no Estatuto da Criança e do Adolescente), porquanto inexiste a necessidade de se prolongar os meios de solução dos conflitos desta natureza.

A dúvida que paira é como será conduzida a fiscalização por parte dos órgãos governamentais competentes a fim de coibir as práticas penalizadas no novo instituto normativo, e mais que isso, como serão punidos e sancionados os sujeitos que incorrerem nas condutas tipificadas em lei.

Ademais, tendo em vista que a Lei tem tempo determinado, caso um dos crimes tipificados em lei seja cometido durante sua vigência e julgado posteriormente, qual deverá ser utilizada como embasamento para aplicação das penas? A legislação brasileira por intermédio do Código Penal e da Lei da Propriedade Industrial ou a Lei Geral da Copa deverão ser aplicados para tanto? É certo que a soberania, os interesses nacionais e o caráter federativo da nossa República devem ser preservados em questões desta natureza, o que é inclusive uma das inovações legislativas pretendidas pela Lei Geral da Copa, sobressaindo-se inclusive aos interesses da FIFA, mas o real desfecho para esta discussão é uma questão de tempo.

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