Regulação brasileira

Exploração do gás não convencional requer debates sobre riscos

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24 de abril de 2014, 11h48

Tem sido amplamente noticiado a revolução energética que está ocorrendo nos EUA com o desenvolvimento da exploração de gás natural pelo método não convencional (fraturamento hidráulico) ou muitas vezes denominado produção de gás de xisto. Com essas notícias se espalhou pelo mundo a busca de reservas que permitam a utilização dessa técnica.

Em 2012, a Agência Internacional de Energia (EIA) emitiu um relatório denominado Golden Rules for a Golden Age of Gás[1] para os formuladores de políticas públicas no qual emite os requisitos necessários para uma exploração segura, vez que o uso da técnica não convencional tem sido objeto de grandes controvérsias devido ao seu potencial para causar dano ambiental decorrente do uso das quantidades de produtos químicos e de água.

Após amplos debates pela importância do tema na geopolítica do gás natural e do petróleo a União Européia emitiu em fevereiro último, a Recomendação 2014/70/EU, que estabeleceu os princípios mínimos para a exploração e a produção de hidrocarbonetos mediante fraturação hidráulica, desde que respeitem a necessidade de preservar, proteger o meio ambiente, a saúde da população e a informação aos cidadãos para os Estados-Membros. Trata-se de uma norma que poderia ser utilizada como um paradigma para a regulação brasileira.

No entanto, enquanto a EIA se preocupou com o tema ao publicar as regras de ouro do gás e a União Européia em estabelecer as condições mínimas que cada país deve obedecer para explorar gás natural de forma não convencional, aqui na terra brasilis não se viu nenhum movimento do MMA, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) ou do Ibama para disciplinar tal questão.

Neste cenário de vácuo regulamentar, a ANP, responsável pela 12ª Rodada de Licitações na qual se previu a possibilidade de exploração de campos de gás natural pelo método não convencional, promoveu uma consulta e audiência pública que resultou na Resolução 21/2014 publicada nos últimos dias. Essa norma estabeleceu os requisitos a serem cumpridos pelos detentores dos direitos de exploração e produção de petróleo e gás natural, para executar a técnica de fraturamento hidráulico em reservatório não convencional.

De início a resolução apresentou um rol de definições e dentre eles está a do fraturamento hidráulico em reservatório não convencional: técnica de injeção de fluidos pressurizados no poço, em volumes acima de 3.000 m³, com objetivo de criar fraturas em determinada formação cuja permeabilidade seja inferior a 0,1mD (mili Darcy), viabilizando a recuperação de hidrocarbonetos contidos nessa formação. Essa definição difere da dada pela Recomendação 2014/70/EU, da Comissão Européia, principalmente no que diz respeito à quantidade de água injetada para a realização do fraturamento (volume igual ou superior a 1.000 m³).

Além disso, essa norma regulatória também determina que o operador deverá estabelecer e garantir o fiel cumprimento de um Sistema de Gestão Ambiental que atenda às melhores práticas da indústria do petróleo incluindo toda estrutura organizacional, atividades de planejamento, responsabilidades, práticas, procedimentos, processos e recursos para desenvolver, implementar, atingir, analisar criticamente e manter a política ambiental definida pelo operador (artigo 1º, parágrafo único, XXIII).

Determina-se também que o Sistema de Gestão Ambiental deverá conter um plano detalhado de controle, tratamento e disposição de efluentes gerados provenientes das atividades de perfuração e fraturamento hidráulico em reservatório não convencional. Ademais, a água utilizada para o fraturamento hidráulico deverá ser preferencialmente efluente gerado, água imprópria ou de baixa aceitação para o consumo humano ou dessedentação animal, ou água resultante de efluentes industriais ou domésticos, desde que o tratamento a habilite ao uso pretendido (artigo 3º, parágrafo único).

Já a Recomendação da Comissão Européia citada acima determina expressamente um plano de gestão das águas (artigo 9.2, a), para garantir que a água seja utilizada de forma eficiente durante todo o projeto. Temos então uma preocupação maior do legislador europeu com a eficiência do uso do que com a natureza do recurso hídrico a ser utilizado.

Adite-se a isso a obrigação do operador para publicar em seu sítio eletrônico a relação de produtos químicos, com potencial impacto à saúde humana e ao ambiente utilizados no processo, transportados e armazenados, contemplando suas quantidades e composições (artigo 6º, II). Porém me parece que a Resolução ANP 21/2014 não evidencia tal grau de preocupação quanto à quantidade usada de produtos químicos, ao contrário do que ocorre na da União Européia, ao determinar que os Estados-Membros deverão assegurar que é minimizada a utilização de substâncias químicas no fraturamento hidráulico (artigo 10.1, b), da Recomendação).

Essa norma da ANP também estabelece que para fins de aprovação regulatória do fraturamento hidráulico em reservatório não convencional, o operador deverá garantir por meio de testes, modelagens, análises e estudos, que o alcance máximo das fraturas projetadas permaneça a uma distância segura dos corpos hídricos existentes, conforme as melhores práticas da indústria do petróleo.

A questão que permanece em aberto é o silêncio deliberado do MMA, do Conama e do Ibama ao não promover amplos debates para disciplinar os requisitos para a obtenção das licenças ambientais, para o desenvolvimento do projeto e para a entrega do campo para a ANP. 


[1] Disponível: http://www.worldenergyoutlook.org/media/weowebsite/2012/goldenrules/WEO2012_GoldenRulesReport.pdf.

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