Sem previsão legal

Aplicação do Princípio de Insignificância ainda gera dúvidas

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19 de abril de 2014, 7h02

Em um cenário em que casos de pouca ou nenhuma relevância constitucional chegam à mais alta corte do país, a importância da violação do bem jurídico é ponto de debate entre advogados e juízes na hora de aplicar ou não a pena nos casos de pequenos furtos. Nessas discussões, o Princípio da Insignificância é o argumento que mais aparece nas peças judiciais. Acontece que tal princípio não tem previsão expressa nas leis brasileiras, o que gera dúvidas sobre a sua validade.

Para o criminalista Daniel Zaclis, do CAZ Advogados, o princípio da insignificância encontra, sim, respaldo no Direito Penal Brasileiro. Acontece que, segundo ele, o Direito Penal deve ser aplicado de forma restritiva em nosso sistema, isso é, deve ser imposto apenas nas condutas que não podem ser reguladas por outro ramo do Direito.

Além disso, para a aplicação do Direito Penal, a conduta deve ter sido lesiva a algum bem. Zaclis explica: o furto de uma barra de chocolate é uma conduta que se encaixa perfeitamente ao tipo do artigo 155 do Código Penal, mas geralmente não produz um dano significativo ao bem jurídico tutelado. “O princípio da insignificância surge como um instrumento de interpretação restritiva do caráter material do tipo penal, evitando que condutas indiferentes para o bem jurídico protegido pela norma sejam criminalmente apenadas”, afirma.

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Assim também entende o advogado Arnaldo Malheiros Filho (foto). Segundo ele, a descriminalização de condutas não é sinônimo de legitimação. Um ato pode ser ilícito sem ser crime. “Por exemplo, estacionar um veículo em local proibido é ato ilícito, mas não é crime. É sujeito a multa, mas não justifica a intervenção do Direito Penal.” Por isso, de acordo com Malheiros, condutas que não têm expressão, mas que são anti-sociais, devem ser punidas sem que haja intervenção penal.

Entretanto, como o Brasil ainda adota a obrigatoriedade da ação penal e a ação penal incondicionada para pequenos furtos (valores menores que dois salários mínimos), esses crimes respondem por mais de 40% das prisões do país e contribui para a lentidão da Justiça. Mesmo assim, a aplicação do Princípio da Insignificância — que limita a condenação em casos sem relevância social — ainda é ponto de divergência nas cortes do país.

Julgamento recente do Tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais, por exemplo, trouxe a discussão sobre a validade desse princípio. No caso, a 5ª Câmara Criminal do tribunal discutia o furto de uma carteira, um boné, um MP3, um DVD e um par de botas. Para o relator, desembargador Eduardo Machado, não há o que se falar em absolvição pelo reconhecimento do princípio da insignificância, porque tal princípio não está previsto no Direito Penal Brasileiro.

Para ele, o princípio é recurso interpretativo à margem da lei, confrontando-se com o tipo pena do artigo 155 do Código penal — “que, para as situações de ofensa mínima, prevê a figura do privilégio”, afirmou na decisão. O desembargador entende que o crime deve ser apreciado por inteiro e que a condenação não pode se nortear pelo valor do objeto furtado, mas pelo comportamento do agente em desconformidade com a lei. “Insignificância não deve ser confundida com impunidade”, disse. (Apelação Criminal 1.0035.07.112794-4/001)

Ainda segundo o desembargador, a aplicação do Princípio da Insignificância por parte do Poder Judiciário, para fins de afastamento da tipicidade material, implica em ofensa aos princípios constitucionais da reserva legal e da independência dos poderes.

Esse entendimento, porém, não é unânime nem mesmo entre os colegas da Turma dele no tribunal. No mesmo caso, o revisor, Júlio César Lorens, fez uma ressalva sobre a adoção do princípio. Ele entende que a não aplicação do princípio da insignificância pode levar o juiz, em alguns casos, a “situações absurdas”, punindo condutas que não são de guarida pelo Direito Penal — levando em conta a sua inexpressividade. “O princípio da insignificância (ou bagatela) funciona como causa de exclusão da tipicidade, desempenhando uma interpretação restritiva do tipo penal”, afirma.

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Violação legal
O procurador de Justiça no Rio Grande do Sul Lenio Luiz Streck também afirma que o princípio da insignificância encontra respaldo no direito brasileiro por ser um padrão interpretativo. Segundo ele, afastar uma regra mediante a aplicação de um princípio não representa violação da reserva legal, já que a reserva legal também é um reserva constitucional. “Fosse verdadeiro que a aplicação do princípio da insignificância violasse a reserva legal teríamos que admitir que uma regra é blindada à Constituição. A aplicação de um princípio nestes casos é diferente da declaração da inconstitucionalidade de uma regra”, afirmou.

Como não há uma norma expressa sobre a aplicação do princípio no Brasil, cada juiz decide se vai ou não aplicar a insignificância. E esse e o grande problema para Streck e também para o promotor de Justiça de Minas Gerais, André Melo. Para eles, o ideal seria que o legislador positivasse alguns critérios. A ideia já está no projeto de novo Código Penal, mas Melo defende que poderia ser feito em um projeto separado, para agilizar mais e evitaria julgamentos discrepantes.

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